Acórdão nº 06/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01-06-2017

Judgment Date01 June 2017
Acordao Number06/17
Year2017
CourtSupreme Administrative Court (Portugal)
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I-RELATÓRIO

1.A A…………, S.A. e a B………… interpõem recurso jurisdicional de revista, para o STA, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCAS de 14 de Julho de 2016 na parte em decidiu condenar a EPAL a pedir esclarecimentos à recorrente nos termos do artigo 71° n.ºs 2 e 3 do CCP e (só) após decidir da admissão da proposta apresentada pela mesma, julgando, em consequência, improcedente o pedido da recorrente de condenação da EPAL a admitir (imediatamente) a sua proposta.

A EPAL vem interpor recurso de revista da decisão do TCAS datada de 20/10/016 de não tomar conhecimento, por intempestividade, da arguição de nulidade do acórdão proferido pelo TCAS em 14.7.2016, ao abrigo do art. 615º, nº 4 CPC.

2. A A…………, S.A. conclui as suas alegações (fls. 1019 a 1057) da seguinte forma:

“I. Vem o presente recurso de revista interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14 de Julho de 2016 na parte em que decidiu condenar a EPAL a pedir esclarecimentos à recorrente nos termos do artigo 71° n.ºs 2 e 3 do CCP e (só) após decidir da admissão da proposta apresentada pela mesma, julgando, em consequência, improcedente o pedido da recorrente de condenação da EPAL a admitir (imediatamente) a sua proposta.

II. É a seguinte a questão que se suscita na presente revista:

Estando o preço proposto acima do limiar de anormalidade fixado, directa ou indirectamente, no programa do procedimento, a entidade adjudicante pode ainda assim qualificar esse preço como “anormalmente baixo” e solicitar ao concorrente que o justifique nos termos dos artigos 71º nºs 2 e 3 do CCP?

E poderá esse juízo de anormalidade que incida sobre preço que não é qualificado como anormalmente baixo assentar na suspeita de que o preço não permitirá cobrir os custos com a execução do contrato?

III. Para o tribunal a quo, ainda que esteja fixado o limiar de anormalidade do preço no programa do procedimento, a entidade adjudicante pode ainda assim qualificar o preço proposto como anormalmente baixo com base na suspeita de que o mesmo não permitirá cobrir os custos com a execução do contrato e pedir ao concorrente que o justifique nos termos do artigo 71° n.ºs 2 e 3 do CCP.

IV. Entendimento que é contrário ao do Tribunal Central Administrativo Norte (cf. Acórdão de 19 de Junho de 2015, proferido no processo 01646/14.5BESNT)

V. E contrário à jurisprudência estabilizada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. Acórdãos do STA de 3-12-2015, processo 0657/15, de 16/12/2015, processo 01047/15, de 7-1-2016, processo 01021/15, de 28-1-2016, processo 01255/15 e de 1-6-2016, processo 0576/16).

VI. A questão suscitada é susceptível de se repetir num número elevado de casos futuros.

VII. E já gerou decisões díspares, o que justifica que o Supremo intervenha com vista a clarificar e uniformizar o entendimento do órgão de cúpula da jurisdição sobre a interpretação desta vertente do quadro legal, permitindo uma maior clareza e previsibilidade do direito e, consequentemente, uma melhor administração da justiça.

VIII. Além disso, a decisão do tribunal a quo é contrária à jurisprudência estabilizada do Supremo Tribunal Administrativo.

IX. Estão, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150° n.º 1 do CPTA, pelo que deverá a mesma ser admitida.

X. No procedimento em apreço, a EPAL fixou o valor a partir do qual considera o preço da proposta anormalmente baixo (cf. artigo 9° n.° 2 do Programa e artigo 132° n.° 2 do CCP), tendo a recorrente proposto um preço que, por ser superior àquele valor, não é considerado anormalmente baixo (cf. Artigos 71° n.°s 1 e 132° n.° 2 do CCP)

XI. Porém, para o tribunal a quo, ainda que esteja fixado o limiar de anormalidade do preço no programa do procedimento, como é o caso do concurso em apreço, a entidade adjudicante pode ainda assim qualificar o preço proposto como anormalmente baixo e pedir ao concorrente que o justifique nos termos dos artigos 71º n.°s 2 e 3 do CCP, tendo, em consequência, condenado a EPAL a solicitar esclarecimentos à recorrente sobre o preço por si proposto e só após decidir da admissão da sua proposta.

XII. Ao decidir assim, cometeu o tribunal a quo um erro de julgamento que não poderá deixar de ser qualificado como grosseiro, violando, de forma ostensiva, não só a letra mas também o espírito da lei, designadamente do artigo 71° n.° 2 do CCP.

XIII. Apenas nos casos em que a entidade adjudicante não tenha fixado o limite do preço anormalmente baixo (seja directamente seja por remissão para o critério legal) é que é possível à entidade adjudicante lançar mão do mecanismo estabelecido no n.° 2 do artigo 71.º, ou seja, decidir considerar um preço anormalmente baixo.

XIV. A letra da lei não comporta outro sentido, sendo certo que, “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cf. artigo 9° n.° 2 do Código Civil). E que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cf. artigo 9º n.° 3 do Código Civil)

XV. Não tem na letra do artigo 71º n.° 2 do CCP um mínimo de correspondência verbal nem corresponde ao pensamento legislativo o entendimento do tribunal a quo de que, ainda que a entidade adjudicante fixe no programa o limiar de anormalidade do preço, a entidade adjudicante pode decidir considerar o preço de uma proposta anormalmente baixo, ainda que o mesmo se situe acima daquele limiar.

XVI. Ao fixar o preço base do concurso e/ou ao definir o que deva, nesse concurso, ser considerado um preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante está a fixar “as regras do jogo”, a definir qual o valor até ao qual a proposta de preço poderá ser apresentada sem necessidade de justificações.

XVII. Assim, os concorrentes tomam conhecimento, através das “regras do jogo” estabelecidas nas peças concursais, o valor até ao qual a proposta de preço poderá ser apresentada sem necessidade de justificações e sem risco de ser considerada suspeita. E, naturalmente, adaptam a sua estratégia concorrencial em função dessa circunstância.

XVIII. Se ad hoc, na fase de avaliação de propostas, o júri decidisse considerar anormalmente baixo um preço que não o seja de acordo com as peças concursais e com a lei, então estaria a alterar as regras concursais com violação do artigo 71° n.° 1 do CCP e dos princípios da concorrência, da estabilidade das peças concursais, da transparência, da boa-fé e da tutela da confiança (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19 de Junho de 2015, proferido no processo 01646/14.5BESNT e a sentença de 25 de Março de 2013 proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no processo n.° 2841/14.2BESNT junta sob o documento n.° 1)

XIX. A situação de facto subjacente ao acórdão Lombardini nada ter a ver com a situação de facto em causa no procedimento concursal objecto dos presentes autos;

XX. O que se extrai da jurisprudência Lombardini é que, nos casos em que a legislação nacional fixa um critério matemático de anomalia dos preços susceptível de ser influenciado ou falseado pelos concorrentes (designadamente um critério de anomalia baseado na média dos preços propostos), a entidade adjudicante, se tal se mostrar necessário, pode reconsiderar o critério.

XXI. A situação prevista no artigo 71.° n.° 1 do CCP nada tem a ver com a situação do acórdão na medida em que é a entidade adjudicante que fixa o limiar do preço anormalmente baixo, o qual é conhecido de todos à data da apresentação das propostas, e por isso, não corre o risco de ser falseado pelos concorrentes.

XXII. Pelo que a jurisprudência Lombardini não é aplicável ao caso em análise.

XXIII. A interpretação do artigo 71.º n.° 2 do CCP feita pelo tribunal a quo, para além de violar a letra do preceito, contraria a sua ratio e viola ainda os princípios da concorrência, da estabilidade das regras do procedimento, da transparência, da boa-fé e da tutela da confiança.

XXIV. Concluindo-se que, estando o preço proposto acima do limiar de anormalidade fixado, directa ou indirectamente, no programa do procedimento, a entidade adjudicante não pode qualificar esse preço como “anormalmente baixo” e solicitar ao concorrente que o justifique nos termos dos artigos 71° n.ºs 2 e 3 do CCP.

XXV. Inexistindo lei que exija a justificação do preço proposto, fora do caso do preço anormalmente baixo, a EPAL não tem poder ou dever legal para pedir à A………… tal justificação quanto a um preço que a lei (o artigo 71° do CCP) não qualifica como anormalmente baixo e que deve, por conseguinte, ser aceite em face do princípio da livre concorrência do mercado.

XXVI. Atento o que foi estabelecido pela própria EPAL no programa, o preço da A………… não é anormalmente baixo pelo que não gera ou não pode gerar nenhuma suspeita.

XXVII. Sendo que, nenhuma proposta de preço que a lei não qualifique como anormalmente baixo pode ser excluída com fundamento na suspeita de que o preço não cobre os custos.

XXVIII. Assim, o preço da A………… nunca poderia ser qualificado pela EPAL como “anómalo” com base na alegação de que o mesmo não cobre os custos, como suscitaram os outros concorrentes em sede de audiência prévia e que o tribunal a quo entende que se impõe à EPAL aferir, solicitando esclarecimentos à A………….

XXIX. Esta questão já foi objecto de amplo tratamento jurisprudencial em cujo âmbito tem vindo a concluir-se pela inadmissibilidade da exclusão de propostas com o fundamento na alegada insuficiência do preço proposto para fazer face aos custos mínimos obrigatórios com o trabalho.

XXX. Com efeito, a jurisprudência estabilizada do Supremo Tribunal Administrativo já...

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