Acórdão nº 0597/07.4BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07-04-2022
Data de Julgamento | 07 Abril 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 0597/07.4BEVIS |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO) |
- Relatório –
1 – A………., Lda., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27 de outubro de 2021, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2002 e respectivos juros compensatórios.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso afigura-se necessário para uma melhor aplicação do direito e vem do Acórdão, proferido em 27/10/2021, nos autos do processo em epígrafe, que negou provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente e, em consequência, manteve a Sentença, proferida em 09/07/2012, pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
b) No recurso que apresentou da referida Sentença, proferida em 09/07/2012, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a ora Recorrente, no que aqui interessa, alegou que, contrariamente ao que ali tinha sido decidido, a AT, estando convencida da impossibilidade de “comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da ora Recorrente, não podia ter optado (como efectivamente optou) por efectuar meras “correcções aritméticas” à referida matéria tributável, única e exclusivamente por causa do receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”.
c) Não obstante essa alegação, no Acórdão recorrido, depois de se citar o teor da acima mencionada Sentença, vieram a ser desatendidas as razões invocadas pela ora Recorrente, invocando-se, para tanto, a circunstância de a AT poder optar pelo método de tributação a aplicar sem que daí tenha resultado prejuízo para “os direitos de defesa da Recorrente”, bem como a circunstância de a AT ter evitado “a prática de um ato inútil, respeitando o princípio da boa administração, consagrado no artigo 5.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT, segundo o qual a sua atuação deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade”.
d) No Acórdão recorrido foi, pois, decidido que a AT, mesmo quando conclua que, num caso concreto (como o dos autos), se verificam os pressupostos de facto descritos na previsão das normas que determinam o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável dos sujeitos passivos, pode “abster-se de aplicar métodos indiretos em face da proximidade do prazo de caducidade do direito à liquidação, aplicando apenas correções técnicas”.
e) Ao decidir desta forma, o Acórdão objecto do presente recurso enferma de erro crasso na aplicação do direito, por violação do princípio da legalidade constitucionalmente e legalmente consagrado (cfr. arts. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA, aplicável ex vi da norma do art. 2º/c da LGT, e 8º-2 da LGT), carecendo de todo e qualquer fundamento a postergação desse princípio da legalidade em prol do que, nesse mesmo Acórdão, se alega ser dever da AT pautar a sua actuação “por critérios de eficiência e economicidade”, sendo certo que, na verdade, esses próprios critérios são, eles próprios, violados quando a AT não actua em conformidade com aquele princípio da legalidade.
f) Mesmo não relevando o facto de a norma do art. 5º do CPA que o Acórdão recorrido aplica (contendo o “princípio da boa administração”) apenas ter entrado em vigor em 08/04/2015, ou seja, cerca de 9 anos depois de, em 2006, terem sido efectuadas as liquidações impugnadas – por se poder considerar que, antes de o princípio da boa administração ter sido positivado nessa norma do art. 5º do CPA, ele já pertencia ao elenco dos princípios materiais que regiam a actividade da administração, em concretização, desde logo, do princípio da eficiência consagrado no art. 267º-5 da CRP, que pressupõe uma racionalização dos meios a utilizar pelos serviços –,
g) O Acórdão recorrido não podia ter deixado de considerar que, actuando a administração tributária no âmbito de poderes vinculados e em obediência ao princípio da legalidade, ela não dispunha, no caso sub judice, de qualquer discricionariedade ou de qualquer margem de livre apreciação para, depois de concluir ser “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável”, determinar o recurso à avaliação directa da matéria tributável, e muito menos de quaisquer poderes arbitrários no uso dos quais pudesse fazer tal opção.
h) A única decisão que, perante a lei, se afigurava válida, era a de a AT proceder à determinação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos indirectos; ou, se, como refere, considerava que, recorrendo a esses métodos indirectos, já não conseguiria efectuar as liquidações impugnadas antes de ter caducado o direito à liquidação, abster-se de fazer essas mesmas liquidações, em cumprimento dos critérios de eficiência e economicidade que devem reger a sua actividade.
i) Todavia, fazendo uso de uma inadmissível arbitrariedade quanto à opção dos métodos a aplicar para determinação da matéria tributável da Recorrente, e única e exclusivamente por causa do receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”, a AT decidiu proceder à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do que qualificou (ainda que de forma incorrecta) como “correcções meramente aritméticas”.
j) Está em causa, pois, uma clara e evidente violação do referido princípio da legalidade constitucionalmente e legalmente consagrado, designadamente, nos arts. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA, este último aplicável ex vi da norma do art. 2º/c da LGT.
k) Tal actuação consubstanciou uma intolerável diminuição das garantias procedimentais da ora Recorrente, desde logo, a de poder pedir a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos e de, no procedimento previsto nos arts. 91º e ss. da LGT, o perito por ela nomeado poder debater com o perito da administração tributária, com ou sem a participação de perito independente (conforme a respectiva nomeação fosse ou não pedida pela Recorrente ou pela AT), as respectivas correcções quantitativas, que eram as únicas que a mesma AT poderia legalmente ter efectuado, se, em cumprimento do princípio da legalidade a que está vinculada toda a sua actuação, tivesse submetido a matéria de facto por ela alegadamente apurada no acto inspectivo às normas legais respectivas.
l) Ao ter decidido como decidiu, o Acórdão recorrido incorreu em violação do princípio da legalidade tributária constitucionalmente e legalmente consagrado, designadamente, nos arts. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA (aplicável ex vi da norma do art. 2º/c da LGT), no sentido de que administração deve actuar dentro da lei, e não contra a lei nem à margem da lei.
m) Nessas decisões foi usado um critério claramente errado na resolução da tensão dialética entre os valores da eficiência da actuação administrativa e da garantia dos direitos e interesses dos particulares, em situação em que este último valor envolve a observância de normas, designadamente de forma e de procedimento, que impõem vinculações à administração em função da respectiva protecção, devendo entender-se que a boa administração deve resultar do equilíbrio dos valores em conflito, de modo que a Administração prossiga o interesse público com eficiência, economicidade e celeridade, mas com respeito pela lei e pelo Direito, designadamente pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
n) Na Sentença, confirmada pelo acórdão recorrido, faz-se erradamente apelo à exigência da praticabilidade, para tentar justificar que a AT poderia ficar desobrigada “do seu dever de levar a cabo um procedimento, se for fundadamente previsível que a sua actuação se frustrará necessariamente por caducidade do respectivo direito, tornando o acto inútil”, referindo que, in casu, “a AT explicou que se encontrava limitada pelo tempo, prevendo fundadamente que esse constrangimento obstaria à efectiva tributação”.
o) Ora, essa interpretação do denominado princípio da praticabilidade representa a subversão do que foi pretendido quando, em termos doutrinais, foi defendida a consagração desse mesmo princípio, uma vez que a ideia de praticabilidade surge a propósito do limite à determinabilidade requerida pelo princípio da tipicidade fiscal, por não poder o legislador ir tão longe na determinação das soluções legais como seria de exigir, permitindo deixar à administração uma dada margem de livre decisão, tendo em atenção a massificação das relações jurídico-fiscais, mormente lançando mão de técnicas de simplificação como a tipificação ou estandardização.
p) Sendo essa a razão de ser desse princípio da praticabilidade, ele nunca pode ser invocado como pretensa justificação para que a AT (v.g., quando, por falta de diligência, não pratica em tempo útil os actos que integram as suas atribuições e competências) possa lançar mão, contra as regras a que se encontra vinculada, de um modo de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO