Acórdão nº 054/23.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24-04-2024
Data de Julgamento | 24 Abril 2024 |
Número Acordão | 054/23.1BALSB |
Ano | 2024 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Acórdão
1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, dirigir ao Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo requerimento de interposição de Recurso para Uniformização de Jurisprudência.
1.2. Invocou, no referido requerimento, sumariamente, que a decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 10 de Março de 2023, no processo n.º 483/22-T, que ataca no recurso, está em oposição quanto a duas questões fundamentais de direito também decididas nos julgamentos proferidos a 28 de Setembro de 2021 e 20 de Outubro de 2019, respectivamente nos processos n.º 427/2020-T e nº 565/2018-T, ambas já transitadas em julgado e publicadas em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.
1.3. Nas conclusões das alegações que acompanharam aquela interposição, a Recorrente, além de procurar demonstrar que as questões fundamentais de direito apreciadas nas indicadas decisões em confronto são as mesmas, defende que a decisão arbitral recorrida deve ser revogada e que deve ser uniformizada jurisprudência que acolha o sentido perfilhado pelas decisões fundamento nos seguintes termos:
«QUANTO AO CONCEITO DE INVESTIMENTO INICIAL PARA EFEITOS DE ELEGIBILIDADE EM SEDE DE RFAI
«A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 483/2022 – T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com n.º 427/2020 – T CAAD, relativa à mesma questão que, com a devida vénia, passamos a transcrever na parte que cobre o caso concreto e onde se refere onde foi decidido que:
«A. Investimento em equipamento de substituição
A Requerente qualificou determinadas aquisições de bens como equipamento de substituição. Trata-se de activos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo, afetos à exploração da empresa e, portanto, ao contrário do que defende a AT, são aplicações relevantes, dado o seu nítido enquadramento no disposto no artigo 22.º, n.º 2, alínea a) (RFAI) e no artigo 30.º, n.º 1, alínea a) (DLRR).
No entanto, a AT considera adicionalmente que essas aquisições não podem qualificar-se como investimento inicial relacionado com o aumento da capacidade do estabelecimento já existente, por se tratar de equipamento de substituição de outro, inoperante ou obsoleto, não cumprindo os critérios de elegibilidade do RGIC, também reproduzidos na Portaria n.º 297/2015, nem sendo adições na aceção do artigo 22.º, n.º 5 do CFI.
Concordamos com o entendimento da Requerida. Na verdade, a mera substituição de equipamento não implica um investimento “inicial”, ex novo, que induza ao aumento de capacidade do estabelecimento existente. Consubstancia um investimento necessário que decorre do normal funcionamento de uma actividade industrial. Parece inquestionável ser imanente, quer ao RFAI, quer à DLRR, o estímulo a um investimento incremental e não apenas a manutenção de um status quo, mesmo que se adote uma abordagem contemporânea aos benefícios fiscais, no sentido de não terem natureza excecional, mas apenas derrogatória (especial) da disciplina ordinária do respetivo imposto.” Destaques nossos disponível em: https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=25&listPage=17&id=5593
B. Os arestos indicados divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão:
“Se imanente ao conceito de investimento inicial (excepto quanto à tipologia de alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento) está:
iii) o estímulo a um investimento incremental atento o seu propósito de incrementar a actividade económica e a criação de emprego,
iv) que se distinga em relação ao pré-existente, constituindo, por conseguinte, uma expansão do sistema de produção existente inicialmente, e que funcione em simultâneo com este, ou, se admite investimento de substituição?”
C. Aquele conceito (investimento inicial) é conditio sine quo non para aplicação do regime do RFAI (ex vi TFUE, OAR e RGIC).
D. Assim, ao contrário do assumido nos processos n.ºs 427/2020 – T CAAD; 113/2022 – T CAAD e 422/2022 – T CAAD, em que o Tribunal Arbitral concordou com a AT no sentido de que o investimento de substituição não integra o conceito de investimento inicial, a recente decisão 483/2022 –T CAAD colide com as decisões proferidas naqueles processos, admitindo-o.
E. A ora Recorrida dedica-se, a título principal, ao fabricação de calçado, e conforme ficou plenamente demonstrado no Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e transcrito para a Decisão sob recurso, o investimento que considerou elegível para efeitos dos benefícios fiscais, quer do RFAI, quer da DLRR, nos anos de 2016 a 2019, tem características de investimento corrente de substituição, reparação e beneficiação de ativos, incluindo ainda a aquisição de ativos isolados destinados a utilização generalizada na unidade fabril pré-existente, razão pela qual, foram considerados não elegíveis na sua globalidade por não preencherem o conceito de investimento inicial (por não ter sido demonstrado o seu contributo para o aumento da capacidade do estabelecimento), e pelo facto de, parte substancial dos ativos considerados, não respeitar a aplicações relevantes nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º (em sede de RFAI) e do artigo 30.º (em sede de DLRR), ambos do CFI. Destaca-se as obras num edifício, em que, para além de outras condicionantes elencadas no RIT, incluindo o facto de se encontrar parcialmente arrendado a outra sociedade, se concluiu que “Estamos aqui perante um investimento que se cinge à melhoria de um edifício, com a necessária reposição e substituição de materiais, que não cabe no conceito de investimento inicial.” (citado na página 13 da Decisão).
F. O resumo das situações de incumprimento em sede de RFAI e DLRR no que ao investimento respeita, foram transcritas para a Decisão, a partir da página 28 e da página 42, respectivamente.
G. Ora, O Guia prático do RGIC, emanado da União Europeia, vem, através das respostas a um conjunto de questões frequentes (FAQ do RGIC), esclarecer os diferentes Estados-membros acerca do seu âmbito e apoiar na sua aplicação. De facto, o RGIC – Regulamento Geral de Isenção por Categoria, alinhado com as diretrizes da EU, designadamente, com as OAR, determina e delimita as regras sob as quais os Estados-membros podem atribuir apoios estatais sem o risco de comprometer a livre concorrência na UE, de acordo com o TFUE, e, portanto, sem necessidade de notificação prévia à Comissão Europeia. Não podendo conceber-se, por tal motivo, que não sejam respeitadas as orientações emanadas para o efeito pela própria Comissão Europeia.
H. E conclui-se, a páginas 88 da Decisão, que:
“Como se vê, não há, quanto a este conceito de «extensão da capacidade de um estabelecimento existente», qualquer referência a afastamento dos equipamentos de substituição e, pelo contrário, incluem-se neste conceito todas as situações em que, com o equipamento adquirido, o estabelecimento passa a poder fabricar mais volume de pelo menos um dos produtos já produzidos no estabelecimento.
Por outro lado, não se exige que cada um dos investimentos tenha potencialidade para, por si só, aumentar a capacidade de produção, bastando que tenham potencialidade para influenciar esse aumento integrados num conjunto de aquisições que o geram.”
I. Verifica-se assim que, logo a título introdutório, a decisão CAAD 483/2022 aqui sob recurso, não exclui do conceito de “investimento inicial” contido no RGIC e nas OAR o investimento de substituição, não atribuindo, também, qualquer significado ao termo “inicial” nem equacionando que tipo de investimento é necessário para concretizar cada uma das suas tipologias. Considerando assim ilegais todas as correções em que o facto de se tratar de investimento de substituição era o ou um dos argumentos.
J. Ora, é na área da economia que encontramos os conceitos e as classificações dos investimentos, estando aqui em causa investimento produtivo.
K. E quanto a investimento produtivo, ou é investimento de substituição, de expansão ou de inovação, sendo que, o conceito de investimento inicial apenas contempla os dois últimos, ou seja, investimento que crie ou aumente capacidade de produção (expansão) ou investimento que concretize uma alteração fundamental do processo de produção global, em resultado de uma inovação (inovação ou modernização). Não contemplando, por tal motivo, o investimento de substituição.
“212. Estes conceitos e o que os distingue são do conhecimento geral, mormente das empresas. Veja-se por exemplo, que um dos inquéritos efectuados periodicamente pelo INE (Instituto Nacional de Estatística), o ICIT - Inquérito Qualitativo de Conjuntura à Indústria Transformadora, realizado ao abrigo da Lei n.º 22/2008, de 13 de maio, pede informação acerca dos investimentos realizados de acordo com essa classificação (cf questão 19 do DOC. 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).”
L. O investimento de expansão é um investimento estruturante, que visa o aumento a capacidade produtiva da empresa, redimensionando-a, razão pela qual é um investimento estratégico.
M. Já o investimento de substituição é o mais...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO