Acórdão nº 0511368 de Tribunal da Relação do Porto, 11-10-2006
Data de Julgamento | 11 Outubro 2006 |
Número Acordão | 0511368 |
Ano | 2006 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Acordam em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
Desta sentença recorreu o arguido para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1ª. A sentença recorrida violou o art. 355º e o art. 14º, nº 3, do Código Penal.
2ª. No entendimento dos recorrentes, o tribunal recorrido interpretou o art. 355º do Código Penal no sentido de que preenche o conceito de “subtracção ao poder público” qualquer acção ou omissão, intencional ou não, do depositário que não seja a entrega do bem, quando o mesmo lhe for solicitado.
3ª. Contudo, não integra o crime de descaminho previsto e punido no art. 355º do Código Penal a não entrega dos bens penhorados ao encarregado da venda. Tal crime exige uma acção directa sobre a coisa, isto é, uma actuação que a destrua, inutilize ou impeça a sua entrega em definitivo.
4ª. E igualmente não integra o crime de descaminho, na forma de dolo eventual, prevista no nº 3 do art. 14º do Código Penal, deixar os bens penhorados na casa vendida. Para preencher tal previsão legal exige-se uma acção directa sobre os bens, ainda que não intencional, que conduzisse à destruição, inutilização ou impedimento de sua entrega em definitivo.
5ª. Os factos provados na sentença recorrida não permitem concluir que o arguido cometeu um crime de descaminho pelo qual vinha acusado.
6ª. Nem podem fundamentar a aplicação ao arguido da pena de prisão na qual foi condenado.
7ª. Ressaltando do teor da decisão condenatória a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão
8ª. Devia o tribunal a quo ter-se pronunciado (o que não fez) sobre o alegado pelo arguido na contestação que apresentou, quanto à situação dos bens penhorados, pois que reveste interesse decisivo quer para o sentido da decisão, quer para a medida concreta da pena.
9ª. Pelo que a sentença proferida é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal.
10ª. Devia o tribunal a quo ter efectuado a comunicação prévia ao arguido da alteração da condenação por factos diversos dos descritos na acusação, e concedido o tempo necessário para a preparação da defesa, nos termos previstos no art. 358º do Código de Processo Penal.
11ª. Pelo que a sentença é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal e art. 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Pretende, assim, que, na procedência do recurso, seja revogada a sentença recorrida e o arguido absolvido do crime de que estava acusado, ou, caso assim se não entenda, seja declarada nula a sentença recorrida, com todas as consequências legais.
2. A ex.ma magistrada do Ministério Público em exercício de funções junto do tribunal recorrida respondeu à motivação do recurso, em que concluiu no sentido de que não merece provimento.
3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 280, em que, aderindo àquela resposta do Ministério Público, também concluindo pelo não provimento do recurso.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal quanto ao referido parecer, não tendo o recorrente respondido.
Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência.
1) No dia 02-10-2000, na Rua ………., nº …, na Póvoa de Varzim, por decisão proferida nos autos de execução por custas nº ..-A/99, que correu termos no 4º Juízo desta comarca, foi efectuada a penhora de uma mesa de sala de jantar, de forma oval, em madeira estrangeira, com oito cadeiras estofadas em couro, a que foi atribuído o valor global de 75.000$00 (€ 374,10).
2) No acto da penhora, foi o arguido constituído fiel depositário de tais bens, tendo sido, além do mais, advertido pelo oficial de justiça que procedeu à mesma de que os referidos bens ficavam à sua guarda e que o mesmo estava obrigado a apresentá-los quando tal lhe fosse exigido.
3) Nessa mesma ocasião, o arguido subscreveu o referido auto de penhora.
4) Ordenada a venda dos aludidos bens por negociação particular, o encarregado da venda informou que não podia proceder à mesma e consequente entrega dos bens ao comprador dado o fiel depositário já não residir na morada supra referida.
5) Aquando da venda da casa, o arguido fez transportar alguns bens para uma casa sita em Espinho.
6) O arguido deixou os bens penhorados na casa vendida à disposição de quem quisesse levá-los ou dispor dos mesmos, nomeadamente a ex-mulher.
7) Os bens penhorados nunca mais foram encontrados.
8) O arguido sabia que os supra referidos objectos se encontravam penhorados e que, ao não guardá-los na sua posse e permitindo que outrem os fossem buscar e deles dispusessem, sabia que os mesmos poderiam desaparecer e, assim, serem subtraídos ao poder da autoridade judicial à ordem de quem estavam penhorados, conformando-se com tal resultado.
9) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10) Não obstante, não deixou de actuar da forma descrita, agindo livre e conscientemente.
11) Tem antecedentes criminais.
12) O arguido é pessoa considerada pelos amigos e antigos clientes.
5. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos considerados provados nos seguintes termos:
«O arguido admitiu que foi constituído fiel depositário dos bens descritos na factualidade apurada e que sabia que os mesmos estavam à sua guarda. Mais disse que vendeu a casa onde se encontravam tais bens ao Sr. C………. e que este mudou as fechaduras da mesma. Quando vendeu a casa avisou o Sr. C………. que havia uma mobília de sala que estava penhorada pelo tribunal e que passados uns dias foi buscar alguns bens. Mais referiu que, como vivia com uma companheira, na casa desta, não podia levar tudo e que não tirou os bens arrestados da casa onde foram penhorados. Posteriormente, o comprador da casa disse-lhe que a sua ex-mulher havia levado todos os restantes bens, cerca de 3 semanas depois. Mais disse estar convencido de que não podia retirar os bens da casa onde foram penhorados.
Tais declarações, conjugadas com a restante prova testemunhal, mormente o depoimento da testemunha de defesa D………. e testemunha arrolada na acusação C………., não lograram convencer o tribunal.
Com efeito, a testemunha D………. disse ter efectuado um transporte de mobílias a cargo do ora arguido, em 6-03-2001, tendo retirado da casa que este havia vendido 2 sofás, duas máquinas ― uma de lavar roupa e outra de lavar louça ― uma aparelhagem, uma arca em madeira, uma mesa de TV e uma mesinha de sala, e levou-as para uma casa perto de Valadares. Referiu ainda que não retiraram mobília da sala e que, aquando do transporte, o arguido e o Sr. C………. perguntaram-lhe se podia fazer o transporte de outras mobílias para Lisboa. Disse ainda que, nessa altura, o ora arguido referiu que a mobília da sala era para a sua ex-mulher. Por fim disse nunca ter ouvido o ora arguido falar em penhora. Tal testemunha demonstrou ter conhecimento directo de tais factos e prestou um depoimento claro, lógico, isento e credível.
Por sua vez, a testemunha C………., representante da empresa que comprou a casa do ora arguido, sita na Rua ………., disse que o arguido, numa primeira vez, foi lá buscar a sua roupa e artigos pessoais; cerca de 10 dias depois pediu-lhe para lhe entregar a mobília. Quando foi à sua antiga casa, o arguido escolheu tudo o que queria levar e tudo o que não quis ficou para a sua ex-mulher, incluindo a mesa da sala de jantar. Pensa que o arguido deixou também as cadeiras, mas não se...
I
DECISÃO
1. Por sentença de 7/12/2004, proferida nos autos de processo comum singular nº …/02..TAPVZ do 4º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Póvoa de Varzim, a fls. 225-232, o arguido B………. foi condenado, como autor material de um crime de descamimho ou de subtracção de objectos colocados sobre o poder público, da previsão do art. 355º do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo a quantia de € 600,00.DECISÃO
Desta sentença recorreu o arguido para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1ª. A sentença recorrida violou o art. 355º e o art. 14º, nº 3, do Código Penal.
2ª. No entendimento dos recorrentes, o tribunal recorrido interpretou o art. 355º do Código Penal no sentido de que preenche o conceito de “subtracção ao poder público” qualquer acção ou omissão, intencional ou não, do depositário que não seja a entrega do bem, quando o mesmo lhe for solicitado.
3ª. Contudo, não integra o crime de descaminho previsto e punido no art. 355º do Código Penal a não entrega dos bens penhorados ao encarregado da venda. Tal crime exige uma acção directa sobre a coisa, isto é, uma actuação que a destrua, inutilize ou impeça a sua entrega em definitivo.
4ª. E igualmente não integra o crime de descaminho, na forma de dolo eventual, prevista no nº 3 do art. 14º do Código Penal, deixar os bens penhorados na casa vendida. Para preencher tal previsão legal exige-se uma acção directa sobre os bens, ainda que não intencional, que conduzisse à destruição, inutilização ou impedimento de sua entrega em definitivo.
5ª. Os factos provados na sentença recorrida não permitem concluir que o arguido cometeu um crime de descaminho pelo qual vinha acusado.
6ª. Nem podem fundamentar a aplicação ao arguido da pena de prisão na qual foi condenado.
7ª. Ressaltando do teor da decisão condenatória a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão
8ª. Devia o tribunal a quo ter-se pronunciado (o que não fez) sobre o alegado pelo arguido na contestação que apresentou, quanto à situação dos bens penhorados, pois que reveste interesse decisivo quer para o sentido da decisão, quer para a medida concreta da pena.
9ª. Pelo que a sentença proferida é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal.
10ª. Devia o tribunal a quo ter efectuado a comunicação prévia ao arguido da alteração da condenação por factos diversos dos descritos na acusação, e concedido o tempo necessário para a preparação da defesa, nos termos previstos no art. 358º do Código de Processo Penal.
11ª. Pelo que a sentença é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal e art. 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Pretende, assim, que, na procedência do recurso, seja revogada a sentença recorrida e o arguido absolvido do crime de que estava acusado, ou, caso assim se não entenda, seja declarada nula a sentença recorrida, com todas as consequências legais.
2. A ex.ma magistrada do Ministério Público em exercício de funções junto do tribunal recorrida respondeu à motivação do recurso, em que concluiu no sentido de que não merece provimento.
3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 280, em que, aderindo àquela resposta do Ministério Público, também concluindo pelo não provimento do recurso.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal quanto ao referido parecer, não tendo o recorrente respondido.
Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência.
II
FUNDAMENTOS DE FACTO
4. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes:FUNDAMENTOS DE FACTO
1) No dia 02-10-2000, na Rua ………., nº …, na Póvoa de Varzim, por decisão proferida nos autos de execução por custas nº ..-A/99, que correu termos no 4º Juízo desta comarca, foi efectuada a penhora de uma mesa de sala de jantar, de forma oval, em madeira estrangeira, com oito cadeiras estofadas em couro, a que foi atribuído o valor global de 75.000$00 (€ 374,10).
2) No acto da penhora, foi o arguido constituído fiel depositário de tais bens, tendo sido, além do mais, advertido pelo oficial de justiça que procedeu à mesma de que os referidos bens ficavam à sua guarda e que o mesmo estava obrigado a apresentá-los quando tal lhe fosse exigido.
3) Nessa mesma ocasião, o arguido subscreveu o referido auto de penhora.
4) Ordenada a venda dos aludidos bens por negociação particular, o encarregado da venda informou que não podia proceder à mesma e consequente entrega dos bens ao comprador dado o fiel depositário já não residir na morada supra referida.
5) Aquando da venda da casa, o arguido fez transportar alguns bens para uma casa sita em Espinho.
6) O arguido deixou os bens penhorados na casa vendida à disposição de quem quisesse levá-los ou dispor dos mesmos, nomeadamente a ex-mulher.
7) Os bens penhorados nunca mais foram encontrados.
8) O arguido sabia que os supra referidos objectos se encontravam penhorados e que, ao não guardá-los na sua posse e permitindo que outrem os fossem buscar e deles dispusessem, sabia que os mesmos poderiam desaparecer e, assim, serem subtraídos ao poder da autoridade judicial à ordem de quem estavam penhorados, conformando-se com tal resultado.
9) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10) Não obstante, não deixou de actuar da forma descrita, agindo livre e conscientemente.
11) Tem antecedentes criminais.
12) O arguido é pessoa considerada pelos amigos e antigos clientes.
5. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos considerados provados nos seguintes termos:
«O arguido admitiu que foi constituído fiel depositário dos bens descritos na factualidade apurada e que sabia que os mesmos estavam à sua guarda. Mais disse que vendeu a casa onde se encontravam tais bens ao Sr. C………. e que este mudou as fechaduras da mesma. Quando vendeu a casa avisou o Sr. C………. que havia uma mobília de sala que estava penhorada pelo tribunal e que passados uns dias foi buscar alguns bens. Mais referiu que, como vivia com uma companheira, na casa desta, não podia levar tudo e que não tirou os bens arrestados da casa onde foram penhorados. Posteriormente, o comprador da casa disse-lhe que a sua ex-mulher havia levado todos os restantes bens, cerca de 3 semanas depois. Mais disse estar convencido de que não podia retirar os bens da casa onde foram penhorados.
Tais declarações, conjugadas com a restante prova testemunhal, mormente o depoimento da testemunha de defesa D………. e testemunha arrolada na acusação C………., não lograram convencer o tribunal.
Com efeito, a testemunha D………. disse ter efectuado um transporte de mobílias a cargo do ora arguido, em 6-03-2001, tendo retirado da casa que este havia vendido 2 sofás, duas máquinas ― uma de lavar roupa e outra de lavar louça ― uma aparelhagem, uma arca em madeira, uma mesa de TV e uma mesinha de sala, e levou-as para uma casa perto de Valadares. Referiu ainda que não retiraram mobília da sala e que, aquando do transporte, o arguido e o Sr. C………. perguntaram-lhe se podia fazer o transporte de outras mobílias para Lisboa. Disse ainda que, nessa altura, o ora arguido referiu que a mobília da sala era para a sua ex-mulher. Por fim disse nunca ter ouvido o ora arguido falar em penhora. Tal testemunha demonstrou ter conhecimento directo de tais factos e prestou um depoimento claro, lógico, isento e credível.
Por sua vez, a testemunha C………., representante da empresa que comprou a casa do ora arguido, sita na Rua ………., disse que o arguido, numa primeira vez, foi lá buscar a sua roupa e artigos pessoais; cerca de 10 dias depois pediu-lhe para lhe entregar a mobília. Quando foi à sua antiga casa, o arguido escolheu tudo o que queria levar e tudo o que não quis ficou para a sua ex-mulher, incluindo a mesa da sala de jantar. Pensa que o arguido deixou também as cadeiras, mas não se...
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