Acórdão nº 050/13 de Tribunal dos Conflitos, 18-06-2014

Data de Julgamento18 Junho 2014
Número Acordão050/13
Ano2014
ÓrgãoTribunal dos Conflitos
Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos:
I

1. A……………….. participou aos Serviços do Ministério Público, junto do Tribunal de Trabalho de Gondomar, em 09 de dezembro de 2011, ter sido vítima de um acidente de trabalho, enquanto exercia funções como trabalhadora da Caixa Geral de Depósitos.
No desenvolvimento do processo instaurado [Proc. Nº 494/11.9TTGDM], foi, sob promoção do Ministério Público, proferida decisão judicial a declarar a incompetência em razão da matéria daquele Tribunal de Trabalho.
Esta decisão transitou em julgado, em 15 de junho de 2012. [Fls. 12 e 93]

2. Em face da antedita decisão, A……………… intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Ação Administrativa Comum para Reconhecimento de Direitos [Proc.nº1711/12.3BEPRT], contra (i.) CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA; (ii) CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES E (iii) COMPANHIA DE SEGUROS B……………….., peticionando a condenação das RR:
“A) [A] Reconhecer que a A., no dia 08.06.2010 pelas 14.30, quando se encontrava a trabalhar no notário da CGD, sita na Rua ………… n° ……. Porto, seu local de trabalho, sofreu um acidente em serviço, que lhe causou lesões corporais com perturbações funcionais que carecem de tratamento sendo essas as lesões referidas no relatório médico de avaliação de dano corporal do Dr. C……………… junto aos autos como Doc. 2, bem como as lesões referidas no relatório de processo clínico da clínica [de] oftalmologia D……………. S.A. e constantes do doc. 3, junto aos autos que, aqui, se dá por integralmente reproduzido, as quais foram consequência direta e necessária daquele acidente.
B – [A] Reconhecer que tais lesões tiveram um período de incapacidade temporária absoluta no período compreendido entre 08-06-2010 e 29-04-2011, gerando uma IPP fixável em pelo menos 22,5%;
C – A cumprir todos os procedimentos legais que a lei vigente impõe, nomeadamente os previstos no DL nº 503/99 de 20 de novembro”

3. Contestaram as RR Companhia de Seguros B…………… e Caixa Geral de Aposentações, excecionando a incompetência, em razão da matéria, daquele Tribunal Administrativo.

4. No conhecimento da exceção deduzida, por decisão judicial de 20.06.2013, foi julgado o Tribunal Administrativo incompetente, em razão da matéria, para dirimir o litígio e, em consequência, absolvidas as RR da instância.
Esta decisão transitou em julgado. [Fls. 102>106v]

5. Ao abrigo do disposto nos Artigos 116º nº 1, 117º e ss do Código de Processo Civil (CPC), 43º (a contrario) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), 135º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e do Decreto nº 19 243, de 16.01.1913, A……………. requereu, em 6 de setembro de 2013, neste Tribunal dos Conflitos, a resolução do conflito negativo de jurisdição entre os referidos Tribunal de Trabalho de Gondomar e Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

6. Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo:
6.1 B………....., S.A., pronunciou-se no sentido de que “deve o presente conflito negativo de competências ser resolvido declarando-se, definitivamente, a competência do Tribunal do Trabalho”.
6.2 A Caixa Geral de Aposentações [CGA] pronunciou-se no sentido de que “estando legalmente vedada a possibilidade de aplicação do regime legal vertido no Decreto-Lei nº 503/99 e expressamente prevista a aplicação a estes casos do regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, é convicção da Caixa Geral de Aposentações que o presente litígio não poderá ser dirimido no domínio da jurisdição administrativa.”
6.3 A Caixa Geral de Depósitos, S.A. [CGD] pronunciou-se no sentido de que “sendo a Caixa Geral de Depósitos, S.A. uma entidade pública empresarial (Cfr. DL n° 287/93, de 20 de agosto, e DL. n° 558/99, de 17 de dezembro) é aplicável aos seus trabalhadores o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, conforme disposto no nº4 do artigo 2º do DL. nº 503/99, de 20 de novembro, estando a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos mesmos transferida para a B……………., S.A.”, pelo que “deverá o presente conflito negativo ser resolvido com o entendimento de que o Tribunal do Trabalho é o tribunal competente para dirimir o litígio”.


7.O Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto Parecer no qual concluiu ser de atribuir aos Tribunais Judiciais e, dentro desta ordem jurisdicional, aos Tribunais do Trabalho, a competência para conhecer e julgar a ação, fundamentado em que:
i. Embora a A., admitida ao serviço da CGD, através de contrato administrativo de provimento, seja beneficiária da CGA e não haja optado pelo regime do contrato individual de trabalho, continuando sujeita ao regime do funcionalismo público, não lhe é, todavia, aplicável o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública. Na verdade,
ii. A CGD é uma empresa pública integrada no setor empresarial do Estado, logo não abrangida pelo disposto nos nºs 1 a 3 do Art. 2º do DL 503/99, de 20 de novembro, sendo-lhe, antes, aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto.
iii. Não emergindo o presente litígio de uma relação jurídica administrativa, a relação jurídica controvertida em questão é regulada por normas de direito privado.

8. Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.
9. Sendo que, a questão decidenda reconduz-se a saber e definir qual das jurisdições em confronto — administrativa ou laboral — é a competente.

II

São factos, jusprocessualmente adquiridos, relevantes para o conhecimento da causa:

1. A A., A…………….., foi admitida ao serviço da C.G.D., em 8 de agosto de 1983, através de um contrato de Provimento.
2. A A. não optou pelo regime jurídico do Contrato Individual de Trabalho, possibilidade consagrada no artigo 7º do DL. nº 287/93, de 20 de agosto.
3. É beneficiária da C.G.A., com o nº ………….
4. No dia 08.06.2010, nas instalações da CGD, no Porto, à Rua ……………, sofreu um acidente, de que lhe advieram lesões.
5. A C.G.D. transferiu para a Companhia de Seguros B…………… a responsabilidade por acidentes de trabalho.

III

Conhecendo.
1. Suscitada uma questão de conflito (in casu, negativo) de competência entre tribunais, impõe-se ter presente, em primeira linha, o ordenamento judiciário que fundamentará o âmbito da discussão e, a final, o sentido da decisão.
Consabidamente, a lei jusfundamental consagrou o princípio da pluralidade de jurisdições, ou dizer a existência de diferentes categorias de tribunais sob um critério de repartição de competências de modo que as funções judiciais são atribuídas a vários órgãos enquadrados em jurisdições diferenciadas e independentes entre si.
É assim, que a Constituição da República se, por um lado, dispõe no art. 211º nº1 que «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais», acrescentando no nº2 do mesmo dispositivo, que «Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas», dispõe, por outro, no art. 212.º, n.º 3, que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações administrativas e fiscais».
Já no âmbito da lei ordinária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 29 de fevereiro, se, num primeiro momento, define numa fórmula ampla que «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (Art. 1º/1), enumera, depois, por mera indicação do objeto (sic, “nomeadamente”), os litígios cuja apreciação lhes compete. [Art. 4º nº1 als. a) a n)]
Pari passu, na assunção daquele papel residual dos Tribunais Judiciais decorrente da antedita norma constitucional, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro) [LOFTJ] ora dispõe que «São da competência dos tribunais judiciais os causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional » (De igual modo, o art. 64º do CPC), ora «determina a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais, estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência específica» [Art.18º/1 e 2; Vide, ainda: Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, Art. 26º/1 e 2]
Entre estes, atalhando caminho, os Juízos do Trabalho cuja área de competência (cível) é elencada nas alíneas a) a t) do art. 85º [Idem: Art.118º da Lei 52/2008, de 28 de agosto]
Voltando à Lei Fundamental, impõe-se ter presente que logo aí se previne a existência de conflitos de competência: «A lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos» (Art. 209º/3)
Subjaz ao presente processo uma questão de conflito negativo de competência, vale dizer, um conflito de jurisdição em que dois tribunais - Tribunal do Trabalho de Gondomar e Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto -, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam o poder de conhecer da mesma questão, sendo certo que sobre uma e outra decisões, adrede proferidas, ocorreu o trânsito em julgado.
Integrando-se o Tribunal do Trabalho na categoria dos Tribunais Judiciais, logo no aludido âmbito residual — obviamente, sem prejuízo da igualmente anotada competência especializada — importará realçar a função que compete e distingue o Tribunal Administrativo.
Reproduzindo o texto constitucional, o ETAF atribui-lhe o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto...

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