Acórdão nº 05/15 de Tribunal dos Conflitos, 07-05-2015

Data de Julgamento07 Maio 2015
Número Acordão05/15
Ano2015
ÓrgãoTribunal dos Conflitos
Acordam no Tribunal dos Conflitos:

1 – A……………. dirigiu-se a este Tribunal pedindo a resolução de um conflito de jurisdição, suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos termos e com os fundamentos seguintes:

«O Autor, ora Recorrente, interpôs acção declarativa de condenação, sob a forma sumaríssima, contra B…………….., SA. - cfr. petição inicial que se junta como doc. n° 1.

Esta acção tem por base um sinistro ocorrido na Auto-Estrada A7, entre o veículo propriedade do Autor e um animal de raça canina que apareceu nessa mesma Auto-Estrada, cuja concessionária é a Ré.

Ora, o Autor intentou a presente acção no Tribunal Judicial de Guimarães por entender que sendo o Autor um privado e a Ré também uma entidade privada, sociedade anónima, constituída segundo o regime do direito privado, a presente situação deveria ser julgada pelos Tribunais Judiciais.

Contudo, por sentença transitada em julgado em 28/05/2014, a Meritíssima Juíza declarou o Tribunal Judicial de Guimarães materialmente incompetente para conhecer a causa, com base na alínea i) do n.º 1 do art.º 4.° do ETAF e no n.º 5 do art.º 1° da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, porquanto está em causa a responsabilidade civil extracontratual da Ré pela omissão dos seus deveres emergentes do contrato de concessão celebrado com o Estado. Ora, segundo o entendimento do Tribunal estamos perante uma concessão de obra pública pois a actividade a desenvolver pela Ré insere-se num quadro de índole administrativa e pública - cfr. certidão que se junta como doc. n.º 2.

Na sequência de tal sentença, o A. requereu, com vista à celeridade processual e ao aproveitamento dos articulados, a remessa do processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - cfr. requerimento que se junta como doc. n.° 3,

O que se veio a verificar - cfr. despacho que se junta como doc. n.° 4.

Contudo, por sentença transitada em julgado em 10/12/2014, a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por seu turno, veio igualmente declarar-se incompetente, com base em que não está em causa facto derivado do exercício de prerrogativas de direito público e que em face do regime da responsabilização da concessionária nos termos das bases da concessão aprovadas pelo DL 248-A/99 de 6 de Julho, resulta o afastamento da aplicabilidade do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos. Desta forma, o objecto do presente litígio não se pode incluir no âmbito da jurisdição administrativa, por não ser passível de ser enquadrado na previsão da alínea i) do n.° 1 do art.° 4.° do ETAF (cfr. doc. n.° 2).

Pelo exposto, e uma vez que ambos os Tribunais, judiciais e administrativos, declinaram a competência para conhecer da presente questão, verifica-se um conflito negativo entre a jurisdição administrativa e a jurisdição judicial.

Este Conflito deve ser dirimido pelo Tribunal de Conflitos.

Termos em que se requer a V.ª Ex.ª se digne dirimir o presente conflito negativo de competência, declarando qual o Tribunal competente para julgar a presente acção.»


2 – Resulta dos elementos juntos aos autos que o requerente intentou contra, B………………, S.A., no Tribunal Judicial de Guimarães, ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, COM PROCESSO SUMARÍSSIMO, pedindo a condenação daquela a pagar-lhe «a quantia global de € 2.242,85, acrescida dos correspondentes juros de mora legais, a contar da citação até integral pagamento, sendo: a) € 1.942,85, pela reparação do veículo; b) € 300,00, pela paralisação do veículo».

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, o seguinte:

«1º No dia 04 de Março de 2013, pelas 17:55 horas, ocorreu um acidente de viação na Auto-Estrada A11, ao km 43,150, Guimarães – cfr. participação de acidente de viação que se junta como doc. nº 1.

2º No qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, de marca Audi A3, com a matrícula ……..

3º Veículo esse propriedade do A, (cfr. cópia do documento único automóvel que se junta como doc. n.º 2), e conduzido, no momento do acidente, pela sua esposa C……………...

4º O referido acidente traduziu-se na colisão entre o veículo do A. e um animal de raça canina, nas seguintes circunstâncias:

5º No dia e hora referidos, o CR circulava na Auto-Estrada A11, no sentido Braga/Vila do Conde.

6º No local do acidente a auto-estrada é constituída por três hemi-faixas de rodagem, no sentido de marcha do CR, encontrando-se os sentidos de marcha devidamente divididos com separador.

7º Sendo que, neste local a Auto-Estrada A11 configura uma curva,

8º Com inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do CR.

9º O local não dispõe de iluminação artificial.

10º E à hora do acidente estava a chover de forma intensa.

11º O CR circulava pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha,

12º A uma velocidade nunca superior a 70 km/h.

13º Com as luzes de médios ligadas, uma vez que já era noite e chovia.

14º A condutora do CR seguia de forma atenta e cuidada, com a diligência e perícia médias exigíveis a qualquer condutor, cumprindo as mais elementares regras estradais, seguindo atenta a via e aos demais utentes da via.

15º Quando assim circulava, ao aproximar-se do Km 43,150, a condutora do CR é surpreendida pelo aparecimento de um animal de raça canina, de cor castanha e porte pequeno.

16º O qual se encontrava no meio da hemi-faixa de rodagem da direita, por onde circulava o CR.

16º Este animal apenas á visível para a condutora do CR quando este se encontra a menos de 10 metros do mesmo.

17º Porquanto a via descrevia uma curva, era de noite e chovia, o que diminuía bastante a visibilidade no local onde se dá o embate.

18º Assim, o animal surge de forma inesperada na hemi-faixa de rodagem da direita por onde o CR circulava, pelo que a sua condutora não conseguiu evitar o embate entre a frente do CR e o animal, atropelando este último.

19º Embate esse que ocorreu na hemi-fixa de rodagem da direita, por onde circulava o CR.

20º Mais, diga-se que no local não existia qualquer sinalização que alertasse os condutores que circulavam na referida Auto-Estrada pala a existência de quaisquer situações de perigo.

21º Dadas as condições meteorológicas e a falta de visibilidade no local, a condutora do CR prosseguiu a sua marcha até às instalações da Ré existentes na saída de Guimarães (Oeste).

22º E o animal ficou ainda a deambular no local do acidente, acabando por ser morto pelo veículo com a matrícula …………., de marca Volvo C30, conduzido por D……………….., que passou no mesmo local do CR pouco tempo após o embate do CR - cfr. participação de acidente de viação que se junta como doc. nº 3.

23º O funcionário da Ré que compareceu no local retirou o animal da faixa de rodagem e, dadas as condições precárias de visibilidade no local, encaminhou também este condutor para as instalações da B…………… mais próximas.

24º A culpa do acidente ficou a dever-se única e exclusivamente à B……………., concessionária da Auto- Estrada A11.

25º A qual responde pelos prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, de acordo com a Base LXXIII do DL n.° 248°-A/99 de 06 de Julho.

26º Devendo esta entidade, nos termos do n.º 1 da Base XLIV do mesmo diploma, “manter as Auto-Estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização”.

27º Estando igualmente obrigada a “assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade a circulação nas Auto-Estradas” – nº 2 da Base LVII do DL supra referenciado.

28º E a assegurar “a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção do acidente” – n.º 1 da Base LVIII do mesmo DL.

29º Sendo que, no âmbito destas obrigações, compete à B………… construir e manter vedações ao longo de toda Auto- Estrada, de forma a impedir o acesso de pessoas e animais à auto-estrada, garantindo, assim, uma circulação segura e sem perigo para os utentes.

30º Deveres esses que foram todos negligenciados pela B…………...

(…)

34º Este entendimento foi, aliás, recentemente consagrado no n.º 1 do art.º 12º da Lei n.º 24/2007 de 18 de Julho, de acordo com o qual:

“Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais:

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.”

(…)

36º Omitiu, assim, a B…………., com a sua actuação negligente, os deveres que lhe são impostos pelo supra citado DL.

37º Violando, com a sua negligência e omissão, o disposto no DL referido, bem como o disposto nos art°s 483° e 486° do CC, violações essas directa e imediatamente causais do acidente.

38º Culpa que, aliás, se presume, nos termos do art.º 493º do CC, porquanto tem em seu poder coisa imóvel com o dever de a vigiar.

39º Pelo exposto, a ocorrência do presente sinistro ficou a dever-se única e exclusivamente a culpa da B…………...

40º No entanto, ainda que se considere que no existe culpa por parte da B…………, esta responderá sempre pelo risco, nos termos da Base LXXIII do DL supra referenciado.

41º Acresce que, entre a B………….., como concessionária da exploração de vários troços de Auto-Estradas, e os respectivos utentes se estabelece um contrato inominado.

42º Mediante o qual, ao pagamento de portagem, por parte do utente, corresponde, por parte da B…………., a obrigação de permitir o acesso à circulação nas Auto-Estradas, com comodidade e segurança.

43º Aliás, os utentes procuram estas vias por proporcionarem, pelo menos teoricamente, maior confiança...

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