Acórdão nº 04S4750 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-05-2005

Data de Julgamento11 Maio 2005
Case OutcomeCONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Classe processualREVISTA.
Número Acordão04S4750
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
Acordam na secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - "A", residente na Rua Teófilo Braga, nº 17, 7º-C, em Coimbra, instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho contra B - American Life Insurance Company, com sede na Avª da Liberdade, nº 36, 4º, em Lisboa, em que pede que esta seja condenada a pagar-lhe:
- 7.000.000$00, a título de indemnização por rescisão com justa causa, por iniciativa do autor;
- 700.000$00 referente à retribuição do mês de Junho de 1995;
- 40.600.000$00, quantia correspondente a 58 meses de salários vencidos e não pagos;
- E a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença correspondente aos montantes devidos a título de comissões desde 1 de Janeiro de 1995 até 31 de Dezembro de 1999 e, bem assim, as que se vierem a vencer em anos posteriores até integral encerramento da carteira dos clientes que celebraram os seus contratos de seguros com a ré, mediante contrato de comissão mercantil existente entre a ré e o autor.
Alegou para o efeito e em síntese que foi admitido ao serviço da ré em Junho de 1990 com a categoria de Gerente de Agência, assumindo a coordenação e controle da actividade de seguros da ré na região de Coimbra e depois, em Agosto de 1992, também a zona de Aveiro; em Dezembro de 1993, tendo sido promovido a director da zona Norte passou a dirigir os serviços na cidade do Porto; em 30 de Novembro 1994, deixou de desempenhar estas funções, voltando a exercer as funções de director de agência em Coimbra e Aveiro, situação que se manteve até 30 de Junho de 1995; posteriormente, a ré decidiu encerrar o escritório de Coimbra, comunicando-lhe que pretendia acertar contas consigo; e, sem ter havido despedimento formal, a ré deixou de lhe pagar as remunerações em dívida, o que o obrigou a impugnar judicialmente o despedimento; esta acção (acção que correu com o nº 382/96) foi decidida no sentido de não ter havido cessação do contrato de trabalho e de que os créditos por si reclamados não estavam prescritos e eram exigíveis em qualquer altura, uma vez que a relação contratual se mantinha existente e válida; acontece que a ré manteve a decisão de não pagar ao autor as quantias que lhe são devidas, recusando-se a reconhecê-lo como seu trabalhador; por isso, o autor, em 30 de Setembro de 1999, rescindiu o contrato de trabalho com justa causa (falta de pagamento de retribuições, violação do dever de ocupação efectiva ...).

Na contestação, a ré defende que o autor, desde Junho de 1995, não mais compareceu nas suas instalações e que, após a notificação do ac. do STJ, em 6.05.99 (proferido na acção nº 382/96), apenas a contactou, em 30.09.99, para lhe comunicar a rescisão do contrato de trabalho. Invoca o abuso de direito e pede a condenação do autor como litigante de má fé.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor as retribuições correspondentes ao período de 4.07.1995 até 30.09.1999, que se liquidarem em execução de sentença, descontada da quantia total de € 25.070,28 pela prestação de trabalho subordinado nos anos de 1998 e 1999, bem como a pagar-lhe também a indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por 13 anos de antiguidade, no montante que igualmente se liquidar em execução de sentença.

Inconformados, autor e ré interpuseram recurso, mas sendo o daquele subordinado.
O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação da ré e procedente o recurso subordinado, interposto pelo autor. Considerou que as retribuições vincendas não deviam ser deduzidas da importância de € 25.070,28 ( 750.000$000 + 4.276.141$00) e, em consequência, revogou a decisão, na parte impugnada.

De novo irresignada, a ré vem pedir revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1ª) - Os artigos 13° e 17° da matéria de facto contêm matéria de direito e ou matéria de facto genérica e conclusiva, pelo que deverão ter-se por não escritos, nos termos dos art°s 511º e 646°- 4, do Cód. de Processo Civil;

2ª) - A ré não se encontra obrigada ao pagamento de retribuições ao autor no período compreendido entre 4 de Julho de 1995 e 30 de Setembro de 1999;

3ª) - Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 5 de Maio de 1999, considerado que os factos ocorridos nos dias 30 de Junho de 1995 e 3 de Julho de 1995 não constituíam uma cessação da relação contratual entre as partes para efeitos de início de cômputo do prazo prescricional, não se afigura lícito que as instâncias atendam a esses mesmos factos e aceitem a caracterização dos mesmos como uma cessação da relação contratual de facto (ou mesmo como uma forma de recusa ou impedimento à prestação de trabalho pelo autor) para efeitos de apuramento de uma pretensa violação pela ré de um dever de ocupação efectiva do autor;

4ª) - Pois, se, por um lado, há que acolher o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que entendeu não haver cessação da relação contratual (cessação de facto e de direito), também não se pode deixar de concluir que esse circunstancialismo não constituiu qualquer forma de impedimento à continuação da relação jurídica entre as partes;

5ª) - O tribunal a quo decidiu assim incorrectamente ao julgar improcedente a nulidade da sentença proferida em primeira instância, suscitada em sede de recurso, por contradição entre os fundamentos e a decisão, violando e interpretando incorrectamente o disposto no art° 668 n. 1 c) do CPC;

6ª) Acresce que se os factos ocorridos em 30 de Junho de 1995 e 3 de Julho de 1995 não afectaram a subsistência da relação jurídica que vigorava, por não terem sido, no entender do STJ, suficientemente inequívocos para constituir uma forma de cessação unilateral do contrato, então autor e ré deveriam ter continuado a cumprir as obrigações a que se encontravam adstritos, o que significa que aquele continuava obrigado a comparecer com assiduidade ao trabalho e a prestar as suas funções com zelo e diligência;

7ª) Aliás, ficou provado na decisão sobre a matéria de facto que os escritórios da ré em Aveiro, onde o autor também exercia funções, continuaram abertos, não tendo ficado provado ou sequer sido alegado que a ré tenha impedido o acesso do autor aos mesmos;

8ª) Assim, provado que o autor deixou de prestar trabalho para a ré, a partir de 3 de Julho de 1995, não estava esta última obrigada a continuar a remunerar aquele;

9ª) O autor pretende prevalecer-se de algumas aparentes vantagens resultantes da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1999 (direito aos salários), mas olvida que ele próprio nunca adoptou os comportamentos que legitimassem o que agora reclama (disponibilidade para o trabalho);

10ª) O autor conformou-se com uma aparente cessação da relação contratual em Julho de 1995 e de forma coerente adoptou comportamentos, de facto e de direito, que pressupunham essa cessação, desde logo nunca mais tendo oferecido a sua disponibilidade para trabalhar;

11ª) - Há que retirar todas as consequências da decisão do STJ de 5 de Maio de 1999, para ambas as partes, pelo que autor e ré continuaram adstritos às respectivas obrigações recíprocas e, se ambos as não cumpriram, nenhum se pode prevalecer, não se afigurando lícito que apenas o comportamento da ré seja considerado incumprimento contratual;

12ª) Não é, portanto, correcto considerar que a não prestação de trabalho se deveu apenas a facto imputável à ré e, consequentemente, condená-la no pagamento das retribuições vencidas entre 4 de Julho de 1995 e 30 de Setembro de 1999;

13ª) A não prestação de trabalho pelo autor à ré decorreu da circunstância de ambos terem, erradamente, considerado que a relação jurídica havia terminado e, como tal, desinteressaram-se, reciprocamente, do seu cumprimento, pelo que não é culposa quer a não solicitação de trabalho e omissão de pagamento de retribuição pela ré, quer a falta de comparência ou de oferecimento de trabalho pelo autor;

14ª) Sendo a retribuição a contraprestação do empregador face ao trabalho ou à disponibilidade para o trabalho do trabalhador, essa retribuição não será devida no caso em apreço;

15ª) Acresce que, nenhuma das partes cumpriu o dever de mútua colaboração que impendia sobre ambas no sentido de reatar de facto a relação laboral;

16ª) A condenação da ré no pagamento das retribuições ao autor entre 4 de Julho de 1995 e 30 de Setembro de 1999 pressupõe ainda que seria a ré quem, face ao sucedido, deveria ter convocado de novo o autor para a prestação do trabalho;

17ª) - Este entendimento, aparentemente baseado na aplicação analógica ou por argumento de maioria de razão do regime do art° 13 n. 1 a) b) da LCCT é, em nosso entender, impertinente no caso em apreço;

18ª) A reintegração consiste na reconstituição do vínculo laboral, sendo uma declaração judicial de subsistência do contrato de trabalho, que por essa via mantém a plenitude dos seus efeitos, pelo que, face a uma sentença de reintegração, ambas as partes deverão actuar no sentido de reatar a relação jurídica;

19ª) - O acórdão do STJ de 5 de Maio de 1999 não considerou que tenha havido um despedimento ilícito, nem condenou a ré na reintegração do autor ou no pagamento de quaisquer remunerações após 3 de Julho de 1995;

20ª) - Não se poderá concluir que incumbia à ré a obrigação de contactar ou convocar o autor para a prestação de trabalho, antes ou depois do aludido acórdão do STJ de 5 de Maio de 1999;

21ª) Sem conceder, sempre se teria que considerar que a obrigação de pagamento de retribuições pela ré ao autor apenas surgiu em 20 de Maio de 1999, data em que o aludido acórdão do STJ transitou em julgado, porquanto até essa data não existia qualquer obrigação da ré em remunerar o autor, dado que o mesmo também não prestou o seu trabalho ou sequer se disponibilizou para tal;

22ª) Ao não decidir desta forma, incorreu o tribunal a quo na violação ou
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