Acórdão nº 04B4807 de Supremo Tribunal de Justiça, 17-03-2005
Data de Julgamento | 17 Março 2005 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA. |
Número Acordão | 04B4807 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Contestada a acção, deduziram os réus reconvenção pedindo se declare o incumprimento do contrato-promessa, e a sua resolução por culpa de ambas as partes, com a restituição ao autor de 2.050 contos correspondentes ao sinal em singelo, e, a título subsidiário, a modificação do contrato-promessa, actualizando-se o preço para quantia não inferior a 20.000 contos.
Prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final em 14 de Fevereiro de 2003, que julgou a acção improcedente no tocante aos pedidos principais de execução específica e de indemnização, e procedente quanto ao pedido subsidiário, declarando a resolução do contrato-promessa e condenando os réus a pagar ao autor a quantia de 4.100 contos (20.450,71 €), equivalente ao dobro do sinal, acrescida dos juros legais a contar do trânsito da decisão, improcedendo integralmente a reconvenção.
O autor apelou com sucesso, tendo a Relação de Coimbra revogado a sentença e dado provimento ao pedido principal de execução específica.
Anota-se ademais que, julgada totalmente improcedente a reconvenção, os réus não recorreram dessa parte da sentença, tão-pouco usando da faculdade de ampliação ao abrigo do artigo 684-A do Código de Processo Civil, operando-se, por conseguinte, o trânsito em julgado quanto à matéria reconvencional, maxime no tocante ao pedido de modificação do contrato-promessa mediante actualização do preço.
Do acórdão que julgou a apelação, proferido em 15 de Junho de 2004, trazem agora os réus a presente revista, cujo objecto, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, compreende as seguintes questões:
a) sindicabilidade da decisão de alteração da matéria de facto pela Relação;
b) interpretação do contrato-promessa no tocante ao seu objecto, na perspectiva da admissibilidade da execução específica;
c) abuso do direito exercido pelo autor mediante a presente acção.
Decidiu, por outro lado, considerar não provado o facto, constante da alínea D) da especificação (1) sobre a descrição da coisa objecto do negócio, elemento este essencial do contrato-promessa a incluir no documento particular que o titula ad substantiam, sem que, à luz do n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil, possa resultar de admissão por acordo nos articulados - ao invés do que entendeu a 1.ª instância, como se fosse caso do n.º 2 do mesmo artigo.
Eis, posto isto, o elenco factual que resultou apurado na 2.ª instância:
1.1.«Os réus assinaram uma declaração escrita, datada de 20/9/79, da qual consta: ’Nós abaixo assinados declaramos para todos os efeitos legais que o terreno assim como a construção efectuada no mesmo ou seja lote 2A do plano de pormenor da urbanização de Trancoso é metade pertença de A: preço de venda é de 1.750.000$00’ [doc. a fls. 16; alínea I) da especificação];
1.2. «A obra de construção da moradia em causa foi autorizada pela licença camarária de Trancoso com o n.° 544, no ano de 1979 [alínea F)];
1.3. «Em 1979 a referida construção apenas tinha feitas as fundações (resposta ao quesito 17.°); esteve parada algum tempo e foi retomada em 1984 (quesito 53.°);
1.4. «O autor era emigrante em Moçambique [H)];
1.5. «Os réus haviam adquirido à Câmara Municipal de Trancoso o lote de terreno denominado A2 do plano de pormenor da urbanização de Trancoso [U)];
1.6. «Em l985, o autor e a sua família estavam a passar férias em Portugal e o autor comunicou aos réus que perdera a declaração acima referida em 1.1. (20.°);
1.7. «Então, aos 6/12/85, os réus, como promitentes vendedores, e o ora autor, como promitente comprador, apuseram as suas assinaturas, reconhecidas presencialmente pelo notário, no escrito de fls. 13, mediante o qual convencionaram o seguinte:
‘Os primeiros prometem vender ao segundo, pelo preço de 2.750.000$00, o seguinte: metade da casa de habitação, destinada a habitação e comércio com um armazém nas traseiras e quintal, sito no Bairro da Senhora dos Aflitos, limite da freguesia de S. Pedro, em Trancoso; (...) omisso na matriz mas já pedida a sua inscrição em 9/9/85. Que tendo recebido como sinal ou princípio de pagamento a importância de 2.050.000$00, se obrigavam por si, seus representantes ou herdeiros a outorgar a escritura, sob pena de restituição da importância recebida em dobro, esta escritura será feita no prazo máximo de um ano, mas poderá ser feita antes se o 2.° outorgante o desejar e se já estiver ultimado tudo o que for necessário para que os 1.os outorgantes submetam a casa a regime de propriedade horizontal. O restante preço será pago na data da escritura. O 2.º declara que aceita o presente contrato e que as despesas com a escritura de compra e Conservatória serão por ele suportadas. O presente contrato foi feito em duplicado, Trancoso, 6/12/1985’ [doc. de fls. 13; A), B) e C)];
1.8. «O autor enviou aos réus a quantia de 2.050.000$00 que pagou da seguinte forma: 1.350.000$00 com a assinatura da dita declaração de 1979; 400.000$00 entre 1979 e 1985; 350.000$00 quando foi assinado o contrato-promessa [V)];
1.9. «Autor e réus acordaram em que, logo que estivesse constituída a propriedade horizontal, a escritura pública de compra e venda podia ser celebrada (1.º);
1.10. «Autor e réus pretendiam, na moradia bifamiliar a construir, instalar a sua habitação e aproveitar a parte correspondente ao r/c para instalar uma actividade comercial ou outra actividade rentável (3.°);
1.11. «Os réus continuaram paulatinamente a construção da moradia, procedendo à divisão do r/c, do 1.° andar, armazém e acabamentos exteriores e interiores (26.° e 27.°);
1.12. «Em 1985 os réus instalaram no r/c direito um estabelecimento de mini--mercado e no 1.° andar direito a sua residência (55.°);
1.13. «Em 7/5/87 os réus fizeram inscrever no registo a aquisição a seu favor do referido lote 2A para construção, com averbamento da mesma data à descrição da alteração para prédio urbano composto de r/c destinado a comércio e 1.° e 2.° para duas habitações, com a área coberta de 400m2 e descoberta de 912m2, com artigo matricial que veio a ser o 1025 da freguesia de S. Pedro (certidão predial a fls. 96 e segs.);
1.14. «Na mesma data de 7/5/1987 os réus fizeram averbar à descrição desse prédio a desanexação de um lote para construção com a área de 520m2, lote este com a inscrição no registo a seu favor por apresentação de 21/10/1991 (certidão predial a fls. 96 e segs.);;
1.15. «Os réus procederam a essa desanexação com o desconhecimento do...
I
"A", residente na Póvoa de S.ta Iria, instaurou no tribunal de Trancoso, em 18 de Janeiro de 1999, contra B e esposa C, residentes na última localidade indicada, acção ordinária visando a execução específica do contrato-promessa de compra e venda do prédio identificado nos autos, que as partes celebraram em 6 de Dezembro de 1985 pelo preço de 2.750 contos, e a condenação dos réus na indemnização de 11.125 contos pelos danos emergentes do incumprimento do mesmo quanto à fracção B do imóvel, que alienaram a terceiro, acrescida dos juros legais vincendos, ou, subsidiariamente, a condenação dos demandados na restituição do sinal em dobro, no quantitativo de 4.100 contos, e juros moratórios vincendos até integral pagamento.Contestada a acção, deduziram os réus reconvenção pedindo se declare o incumprimento do contrato-promessa, e a sua resolução por culpa de ambas as partes, com a restituição ao autor de 2.050 contos correspondentes ao sinal em singelo, e, a título subsidiário, a modificação do contrato-promessa, actualizando-se o preço para quantia não inferior a 20.000 contos.
Prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final em 14 de Fevereiro de 2003, que julgou a acção improcedente no tocante aos pedidos principais de execução específica e de indemnização, e procedente quanto ao pedido subsidiário, declarando a resolução do contrato-promessa e condenando os réus a pagar ao autor a quantia de 4.100 contos (20.450,71 €), equivalente ao dobro do sinal, acrescida dos juros legais a contar do trânsito da decisão, improcedendo integralmente a reconvenção.
O autor apelou com sucesso, tendo a Relação de Coimbra revogado a sentença e dado provimento ao pedido principal de execução específica.
Anota-se ademais que, julgada totalmente improcedente a reconvenção, os réus não recorreram dessa parte da sentença, tão-pouco usando da faculdade de ampliação ao abrigo do artigo 684-A do Código de Processo Civil, operando-se, por conseguinte, o trânsito em julgado quanto à matéria reconvencional, maxime no tocante ao pedido de modificação do contrato-promessa mediante actualização do preço.
Do acórdão que julgou a apelação, proferido em 15 de Junho de 2004, trazem agora os réus a presente revista, cujo objecto, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, compreende as seguintes questões:
a) sindicabilidade da decisão de alteração da matéria de facto pela Relação;
b) interpretação do contrato-promessa no tocante ao seu objecto, na perspectiva da admissibilidade da execução específica;
c) abuso do direito exercido pelo autor mediante a presente acção.
II
1. Impugnada na apelação a decisão sobre a matéria de facto, a Relação procedeu ao reexame desta, e a uma diferente definição da factualidade provada, que o aresto sub iudicio resume numa fórmula simples : «(...) eliminam-se os factos provenientes das respostas aos quesitos 2.º, 50.º, 58.º, 59.º e 60.º e alteram-se a resposta ao quesito 7.º e a redacção de S) dos ‘factos assentes’».Decidiu, por outro lado, considerar não provado o facto, constante da alínea D) da especificação (1) sobre a descrição da coisa objecto do negócio, elemento este essencial do contrato-promessa a incluir no documento particular que o titula ad substantiam, sem que, à luz do n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil, possa resultar de admissão por acordo nos articulados - ao invés do que entendeu a 1.ª instância, como se fosse caso do n.º 2 do mesmo artigo.
Eis, posto isto, o elenco factual que resultou apurado na 2.ª instância:
1.1.«Os réus assinaram uma declaração escrita, datada de 20/9/79, da qual consta: ’Nós abaixo assinados declaramos para todos os efeitos legais que o terreno assim como a construção efectuada no mesmo ou seja lote 2A do plano de pormenor da urbanização de Trancoso é metade pertença de A: preço de venda é de 1.750.000$00’ [doc. a fls. 16; alínea I) da especificação];
1.2. «A obra de construção da moradia em causa foi autorizada pela licença camarária de Trancoso com o n.° 544, no ano de 1979 [alínea F)];
1.3. «Em 1979 a referida construção apenas tinha feitas as fundações (resposta ao quesito 17.°); esteve parada algum tempo e foi retomada em 1984 (quesito 53.°);
1.4. «O autor era emigrante em Moçambique [H)];
1.5. «Os réus haviam adquirido à Câmara Municipal de Trancoso o lote de terreno denominado A2 do plano de pormenor da urbanização de Trancoso [U)];
1.6. «Em l985, o autor e a sua família estavam a passar férias em Portugal e o autor comunicou aos réus que perdera a declaração acima referida em 1.1. (20.°);
1.7. «Então, aos 6/12/85, os réus, como promitentes vendedores, e o ora autor, como promitente comprador, apuseram as suas assinaturas, reconhecidas presencialmente pelo notário, no escrito de fls. 13, mediante o qual convencionaram o seguinte:
‘Os primeiros prometem vender ao segundo, pelo preço de 2.750.000$00, o seguinte: metade da casa de habitação, destinada a habitação e comércio com um armazém nas traseiras e quintal, sito no Bairro da Senhora dos Aflitos, limite da freguesia de S. Pedro, em Trancoso; (...) omisso na matriz mas já pedida a sua inscrição em 9/9/85. Que tendo recebido como sinal ou princípio de pagamento a importância de 2.050.000$00, se obrigavam por si, seus representantes ou herdeiros a outorgar a escritura, sob pena de restituição da importância recebida em dobro, esta escritura será feita no prazo máximo de um ano, mas poderá ser feita antes se o 2.° outorgante o desejar e se já estiver ultimado tudo o que for necessário para que os 1.os outorgantes submetam a casa a regime de propriedade horizontal. O restante preço será pago na data da escritura. O 2.º declara que aceita o presente contrato e que as despesas com a escritura de compra e Conservatória serão por ele suportadas. O presente contrato foi feito em duplicado, Trancoso, 6/12/1985’ [doc. de fls. 13; A), B) e C)];
1.8. «O autor enviou aos réus a quantia de 2.050.000$00 que pagou da seguinte forma: 1.350.000$00 com a assinatura da dita declaração de 1979; 400.000$00 entre 1979 e 1985; 350.000$00 quando foi assinado o contrato-promessa [V)];
1.9. «Autor e réus acordaram em que, logo que estivesse constituída a propriedade horizontal, a escritura pública de compra e venda podia ser celebrada (1.º);
1.10. «Autor e réus pretendiam, na moradia bifamiliar a construir, instalar a sua habitação e aproveitar a parte correspondente ao r/c para instalar uma actividade comercial ou outra actividade rentável (3.°);
1.11. «Os réus continuaram paulatinamente a construção da moradia, procedendo à divisão do r/c, do 1.° andar, armazém e acabamentos exteriores e interiores (26.° e 27.°);
1.12. «Em 1985 os réus instalaram no r/c direito um estabelecimento de mini--mercado e no 1.° andar direito a sua residência (55.°);
1.13. «Em 7/5/87 os réus fizeram inscrever no registo a aquisição a seu favor do referido lote 2A para construção, com averbamento da mesma data à descrição da alteração para prédio urbano composto de r/c destinado a comércio e 1.° e 2.° para duas habitações, com a área coberta de 400m2 e descoberta de 912m2, com artigo matricial que veio a ser o 1025 da freguesia de S. Pedro (certidão predial a fls. 96 e segs.);
1.14. «Na mesma data de 7/5/1987 os réus fizeram averbar à descrição desse prédio a desanexação de um lote para construção com a área de 520m2, lote este com a inscrição no registo a seu favor por apresentação de 21/10/1991 (certidão predial a fls. 96 e segs.);;
1.15. «Os réus procederam a essa desanexação com o desconhecimento do...
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