Acórdão nº 046322 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19-02-2004
Data de Julgamento | 19 Fevereiro 2004 |
Número Acordão | 046322 |
Ano | 2004 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA:
I - Relatório.
A ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
Recorre contenciosamente da concessão do direito de organizar e explorar o jogo denominado “lotaria instantânea” à
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA (SCML)
Que consta do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto Lei n.º 314/94, de 23 de Dezembro, acto da autoria do
CONSELHO DE MINISTROS.
Alegava a recorrente que:
- Estava a explorar na Região autónoma um jogo denominado “jogos instantâneos” cuja exploração tinha sido autorizada pelo Despacho n.º 65/83, de 19 de Dezembro do Presidente do Governo Regional da Madeira e com os réditos destes jogos tem provido a necessidades colectivas.
- O DL 420/80, de 29 de Set. transferiu para os órgãos da Região Autónoma a competência para autorizar lotarias e jogos não concedidos à Santa Casa da Misericórdia.
- E o DL 318/84, de 1 de Out. transferiu para as Regiões Autónomas as atribuições contempladas no Dec. Lei 48912 que não estivessem abrangidas pelo DL 420/80, com excepção de lotarias, mas entendidas como jogos já concessionados à SCML.
- Se o alcance do DL 318/84 fosse mais amplo e abrangesse a transferência de competências para autorizar jogos referidos no artigo 43.º do DL 48912, isso afectaria especialmente a Região Autónoma e então o DL 318/84 seria inconstitucional, por não ter havido audição prévia imposta pelo n.º 2 do artigo 231 da Const. na redacção em vigor ao tempo, actual n.º 2 do artigo 229.º
- O acto recorrido se ignorava a existência havia nove anos do mesmo jogo autorizado na Madeira sofre de erro de facto.
- E, como acto revogatório de acto atributivo de uma vantagem tinha de ser fundamentado e não o foi, já que o preâmbulo não se refere ao interesse em confronto da ora recorrente
- De qualquer modo o acto é nulo por ser emitido por órgão de pessoa colectiva diferente daquela a quem está atribuído o poder de prover sobre a matéria.
Houve resposta e o recurso seguiu para julgamento na Subsecção que julgou existir matéria nova em relação ao decidido no Proc.º 37127 pelo que afastou a excepção de caso julgado.
Julgou abandonados vícios apontados na petição de recurso, mas que não foram levados às conclusões da alegação.
Considerou extemporâneo o recurso quanto a invocadas violações de normas constitucionais, por este vício gerar anulabilidade e o acto ter sido publicado e o prazo de recurso contado a partir dessa data, de há muito se ter extinguido.
Entendeu em seguida que deveria conhecer apenas do vício de falta de atribuições do órgão autor do acto que podia conduzir á respectiva nulidade.
Quanto a este ponto julgou que o DL 318/84 excepcionou as lotarias da transferência de competências para as Regiões Autónomas, que assim se mantiveram como monopólio da SCML desde o DL 40397, de 24.11.55, na redacção do DL 43399 de 15.12.1960, sendo as atribuições exercitadas pelo DL 314/94 de âmbito nacional, pelo que o Conselho de Ministros se moveu dentro das respectivas atribuições e em consequência julgou improcedente nesta parte o recurso.
É deste acórdão de 20.11.2002 que vem interposto o presente recurso jurisdicional pela Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira.
A respectiva alegação formula conclusões em que se diz de útil:
- Das competências transferidas para as Regiões Autónomas pelo artigo 1.º do DL 420/80, de 29 de Setembro, relevam para o caso presente as referidas no número 2, reportado ao artigo 43 do DL 48912, de 18.3.69 que trata de operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte.
- As lotarias são jogos de fortuna e azar.
- O DL 420/80 não transferiu competências para a concessão de exploração de jogos em casinos, que posteriormente o DL 318/84 de 1.10 viria a transferir para as regiões autónomas, porque as competências para conceder lotarias e outros jogos de fortuna ou azar fora dos casinos já tinha sido transferida pelo DL 420/80 e excepcionou a esta transferência as lotarias e prognósticos ou apostas mútuas, o que deve ser entendido como os jogos já concessionados à SCML, tal como já haviam sido excepcionados no DL 48912.
- Os jogos referidos no art.º 43.º do DL 48912 são os jogos de fortuna ou azar e não meramente os afins destes.
- Concedendo a lotaria que concedeu o DL 314/94 o Conselho de Ministros exerceu atribuições de outra pessoa colectiva, a RAM, pelo que tal acto é nulo.
- Se se entender que o DL 314/94 contém uma norma de atribuição de competências então é inconstitucional porque afectou de forma especial a RAM e esta não foi ouvida.
- De qualquer forma os órgãos da RAM interpretaram o DL 420/80 como tendo transferido para eles a competência para conceder jogos de fortuna e azar como a lotaria instantânea, o que foi conhecido dos órgãos do Estado, pelo que a boa fé exigia que atendesse à realidade criada e ouvido os órgãos da RAM o que não sucedeu pelo que é inconstitucional o DL 314/94.
- Os programas comunitários desenvolvidos em parte com o apoio das verbas da lotaria correspondiam a interesses específicos da RAM pelo que o CM deveria ter ouvido os órgãos da RAM quando da preparação do DL 314/94.
- A inconstitucionalidade implica que o tribunal não poderia aplicar as atribuições resultantes do DL 420/80, tendo como efeito a nulidade.
- O DL 314/94 ao remeter a disciplina normativa para uma Portaria violou o n.º 5 do art.º 115 da Const. na redacção então em vigor, pelo que não pode ser aplicado e a concessão de um jogo sem regime jurídico estabelecido é um acto de conteúdo impossível ou indeterminável, ou pelo menos ininteligível, pelo que é nulo.
- A falta de notificação, tendo o recurso sido interposto logo após o começo de execução do acto tem como consequência ter de...
I - Relatório.
A ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
Recorre contenciosamente da concessão do direito de organizar e explorar o jogo denominado “lotaria instantânea” à
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA (SCML)
Que consta do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto Lei n.º 314/94, de 23 de Dezembro, acto da autoria do
CONSELHO DE MINISTROS.
Alegava a recorrente que:
- Estava a explorar na Região autónoma um jogo denominado “jogos instantâneos” cuja exploração tinha sido autorizada pelo Despacho n.º 65/83, de 19 de Dezembro do Presidente do Governo Regional da Madeira e com os réditos destes jogos tem provido a necessidades colectivas.
- O DL 420/80, de 29 de Set. transferiu para os órgãos da Região Autónoma a competência para autorizar lotarias e jogos não concedidos à Santa Casa da Misericórdia.
- E o DL 318/84, de 1 de Out. transferiu para as Regiões Autónomas as atribuições contempladas no Dec. Lei 48912 que não estivessem abrangidas pelo DL 420/80, com excepção de lotarias, mas entendidas como jogos já concessionados à SCML.
- Se o alcance do DL 318/84 fosse mais amplo e abrangesse a transferência de competências para autorizar jogos referidos no artigo 43.º do DL 48912, isso afectaria especialmente a Região Autónoma e então o DL 318/84 seria inconstitucional, por não ter havido audição prévia imposta pelo n.º 2 do artigo 231 da Const. na redacção em vigor ao tempo, actual n.º 2 do artigo 229.º
- O acto recorrido se ignorava a existência havia nove anos do mesmo jogo autorizado na Madeira sofre de erro de facto.
- E, como acto revogatório de acto atributivo de uma vantagem tinha de ser fundamentado e não o foi, já que o preâmbulo não se refere ao interesse em confronto da ora recorrente
- De qualquer modo o acto é nulo por ser emitido por órgão de pessoa colectiva diferente daquela a quem está atribuído o poder de prover sobre a matéria.
Houve resposta e o recurso seguiu para julgamento na Subsecção que julgou existir matéria nova em relação ao decidido no Proc.º 37127 pelo que afastou a excepção de caso julgado.
Julgou abandonados vícios apontados na petição de recurso, mas que não foram levados às conclusões da alegação.
Considerou extemporâneo o recurso quanto a invocadas violações de normas constitucionais, por este vício gerar anulabilidade e o acto ter sido publicado e o prazo de recurso contado a partir dessa data, de há muito se ter extinguido.
Entendeu em seguida que deveria conhecer apenas do vício de falta de atribuições do órgão autor do acto que podia conduzir á respectiva nulidade.
Quanto a este ponto julgou que o DL 318/84 excepcionou as lotarias da transferência de competências para as Regiões Autónomas, que assim se mantiveram como monopólio da SCML desde o DL 40397, de 24.11.55, na redacção do DL 43399 de 15.12.1960, sendo as atribuições exercitadas pelo DL 314/94 de âmbito nacional, pelo que o Conselho de Ministros se moveu dentro das respectivas atribuições e em consequência julgou improcedente nesta parte o recurso.
É deste acórdão de 20.11.2002 que vem interposto o presente recurso jurisdicional pela Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira.
A respectiva alegação formula conclusões em que se diz de útil:
- Das competências transferidas para as Regiões Autónomas pelo artigo 1.º do DL 420/80, de 29 de Setembro, relevam para o caso presente as referidas no número 2, reportado ao artigo 43 do DL 48912, de 18.3.69 que trata de operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte.
- As lotarias são jogos de fortuna e azar.
- O DL 420/80 não transferiu competências para a concessão de exploração de jogos em casinos, que posteriormente o DL 318/84 de 1.10 viria a transferir para as regiões autónomas, porque as competências para conceder lotarias e outros jogos de fortuna ou azar fora dos casinos já tinha sido transferida pelo DL 420/80 e excepcionou a esta transferência as lotarias e prognósticos ou apostas mútuas, o que deve ser entendido como os jogos já concessionados à SCML, tal como já haviam sido excepcionados no DL 48912.
- Os jogos referidos no art.º 43.º do DL 48912 são os jogos de fortuna ou azar e não meramente os afins destes.
- Concedendo a lotaria que concedeu o DL 314/94 o Conselho de Ministros exerceu atribuições de outra pessoa colectiva, a RAM, pelo que tal acto é nulo.
- Se se entender que o DL 314/94 contém uma norma de atribuição de competências então é inconstitucional porque afectou de forma especial a RAM e esta não foi ouvida.
- De qualquer forma os órgãos da RAM interpretaram o DL 420/80 como tendo transferido para eles a competência para conceder jogos de fortuna e azar como a lotaria instantânea, o que foi conhecido dos órgãos do Estado, pelo que a boa fé exigia que atendesse à realidade criada e ouvido os órgãos da RAM o que não sucedeu pelo que é inconstitucional o DL 314/94.
- Os programas comunitários desenvolvidos em parte com o apoio das verbas da lotaria correspondiam a interesses específicos da RAM pelo que o CM deveria ter ouvido os órgãos da RAM quando da preparação do DL 314/94.
- A inconstitucionalidade implica que o tribunal não poderia aplicar as atribuições resultantes do DL 420/80, tendo como efeito a nulidade.
- O DL 314/94 ao remeter a disciplina normativa para uma Portaria violou o n.º 5 do art.º 115 da Const. na redacção então em vigor, pelo que não pode ser aplicado e a concessão de um jogo sem regime jurídico estabelecido é um acto de conteúdo impossível ou indeterminável, ou pelo menos ininteligível, pelo que é nulo.
- A falta de notificação, tendo o recurso sido interposto logo após o começo de execução do acto tem como consequência ter de...
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