Acórdão nº 0462/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27-10-2010
Data de Julgamento | 27 Outubro 2010 |
Número Acordão | 0462/10 |
Ano | 2010 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…e esposa B… contra o acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1998 e dos respectivos juros compensatórios. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
1. Discute-se nos autos a liquidação do IRS do ano de 1998, na parte em que se encontra afectada pelos rendimentos (da categoria A) obtidos pelo impugnante como trabalhador emigrante na Alemanha.
2. Nesse período, o impugnante esteve ausente de Portugal durante mais de 183 dias, mas manteve em território português a habitação sua, do seu cônjuge e agregado familiar em condições de a habitar;
3. Os rendimentos obtidos na Alemanha não foram espontaneamente declarados na 1ª declaração familiar;
4. O art. 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação internacional entre Portugal e a Alemanha remete a definição de “residente” para a lei interna dos Estados contratantes;
5. A lei portuguesa, nomeadamente o art. 84.° CC e os artigos 14.°, 15.° e 16.° CIRS, com a redacção então em vigor, consideravam que os contribuintes, mesmo os emigrantes, eram “residentes em território português” se aqui mantivessem habitação em condições que fizessem supor a intenção de a habitar ou aqui mantivesse a residência do outro cônjuge;
6. Ao optar por não comunicar a sua ausência do território português, a impugnante manteve o seu domicílio electivo e fiscal em Portugal, que é o primeiro dos critérios referidos no n° 1 do art. 4.° da Convenção;
7. Além disso, o n° 2 do mesmo art. 4.° da CDT configura diversas conexões decisivas em caso de competência cumulativa de ambos os Estados contratantes, entre as quais a localização de habitações permanentes à disposição do trabalhador, a localização do centro de interesses pessoais e económicos, a nacionalidade, todos favoráveis à competência tributária de Portugal;
8. Muito respeitosamente, parece que esta norma nega apoio à interpretação que serve de base à recente jurisprudência que, por sua vez, fundamenta a decisão recorrida;
9. Por tudo isso, a AT, através do seu ofício-circulado n.º 20.032, de 31/1/2001, a jurisprudência, nomeadamente, no Ac. STA 01211/05, de 15-3-2006, e a doutrina têm entendido que “basta a residência em Portugal, de um dos chefes do agregado familiar, aferido aos critérios do art. 16° do CIRS, para que esta arraste, por um principio da atracção da unidade familiar, a residência dos demais (residência por dependência). Assim, por exemplo, o emigrante português que reside efectivamente na Alemanha, mas cuja mulher permanece em Portugal, é aqui sujeito a tributação numa base universal, incluindo portanto os rendimentos obtidos na Alemanha" - Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, Tributação das Operações Internacionais, p. 245 e ss;
10. A conexão ao direito português, resultante do impugnante fazer parte do agregado familiar que tem residência em Portugal, é perfeitamente legítima e compreensível já que, de acordo com o CIRS, o verdadeiro sujeito passivo do imposto é o agregado familiar, representado, em comum e sem distinção de quotas, pelas pessoas a quem incumbe a sua direcção e, objectivamente, pelo conjunto dos seus rendimentos.
11. Na normalidade das situações de emigração, os rendimentos obtidos no estrangeiro justificam-se, como é presumível no presente caso, pelas necessidades do agregado familiar sedeado no território português, a que o impugnante os destina maioritariamente.
12. Isto é, o sacrifício da deslocação para o estrangeiro, mais ou menos prolongada, visa obter lá os meios que permitam ter uma vida melhor cá. Só não seria exactamente assim se todo o agregado, ou pelo menos as pessoas a quem incumbe a sua direcção, tivesse emigrado.
13. Donde resulta a respeitosa discordância com o doutamente decidido na sentença recorrida, nomeadamente no que se refere à interpretação a fazer do artigo 15.° da CDT e à decisão de anulação das liquidações, mesmo na parte impugnada.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
«O impugnante A… é residente na Alemanha (probatório n°2);
É igualmente residente em Portugal, face à legislação portuguesa, porque o seu agregado familiar tem residência em Portugal (probatório n° 6; art.1671° n° 2 C.Civil; arts.15° n°1 e 16° n° 2 CIRS; art.4° n°1 Convenção sobre Dupla Tributação entre a República Portuguesa e República Federal da Alemanha (CDT) aprovada pela Lei n° 12/82, 3 Junho).
Em termos convencionais deve ser considerado residente na Alemanha em 1998, onde teve habitação permanente e exerceu a sua única actividade profissional, com excepção de um período de férias de três semanas, em que residiu em Portugal (art.4° n°2 al. a) CDT).
A remuneração do trabalho dependente auferida na Alemanha apenas aí pode ser tributada (art. 15° n°1 CDT).
As citadas normas da CDT prevalecem sobre as normas de direito interno nacional abstractamente aplicáveis na determinação da...
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…e esposa B… contra o acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1998 e dos respectivos juros compensatórios. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
1. Discute-se nos autos a liquidação do IRS do ano de 1998, na parte em que se encontra afectada pelos rendimentos (da categoria A) obtidos pelo impugnante como trabalhador emigrante na Alemanha.
2. Nesse período, o impugnante esteve ausente de Portugal durante mais de 183 dias, mas manteve em território português a habitação sua, do seu cônjuge e agregado familiar em condições de a habitar;
3. Os rendimentos obtidos na Alemanha não foram espontaneamente declarados na 1ª declaração familiar;
4. O art. 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação internacional entre Portugal e a Alemanha remete a definição de “residente” para a lei interna dos Estados contratantes;
5. A lei portuguesa, nomeadamente o art. 84.° CC e os artigos 14.°, 15.° e 16.° CIRS, com a redacção então em vigor, consideravam que os contribuintes, mesmo os emigrantes, eram “residentes em território português” se aqui mantivessem habitação em condições que fizessem supor a intenção de a habitar ou aqui mantivesse a residência do outro cônjuge;
6. Ao optar por não comunicar a sua ausência do território português, a impugnante manteve o seu domicílio electivo e fiscal em Portugal, que é o primeiro dos critérios referidos no n° 1 do art. 4.° da Convenção;
7. Além disso, o n° 2 do mesmo art. 4.° da CDT configura diversas conexões decisivas em caso de competência cumulativa de ambos os Estados contratantes, entre as quais a localização de habitações permanentes à disposição do trabalhador, a localização do centro de interesses pessoais e económicos, a nacionalidade, todos favoráveis à competência tributária de Portugal;
8. Muito respeitosamente, parece que esta norma nega apoio à interpretação que serve de base à recente jurisprudência que, por sua vez, fundamenta a decisão recorrida;
9. Por tudo isso, a AT, através do seu ofício-circulado n.º 20.032, de 31/1/2001, a jurisprudência, nomeadamente, no Ac. STA 01211/05, de 15-3-2006, e a doutrina têm entendido que “basta a residência em Portugal, de um dos chefes do agregado familiar, aferido aos critérios do art. 16° do CIRS, para que esta arraste, por um principio da atracção da unidade familiar, a residência dos demais (residência por dependência). Assim, por exemplo, o emigrante português que reside efectivamente na Alemanha, mas cuja mulher permanece em Portugal, é aqui sujeito a tributação numa base universal, incluindo portanto os rendimentos obtidos na Alemanha" - Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, Tributação das Operações Internacionais, p. 245 e ss;
10. A conexão ao direito português, resultante do impugnante fazer parte do agregado familiar que tem residência em Portugal, é perfeitamente legítima e compreensível já que, de acordo com o CIRS, o verdadeiro sujeito passivo do imposto é o agregado familiar, representado, em comum e sem distinção de quotas, pelas pessoas a quem incumbe a sua direcção e, objectivamente, pelo conjunto dos seus rendimentos.
11. Na normalidade das situações de emigração, os rendimentos obtidos no estrangeiro justificam-se, como é presumível no presente caso, pelas necessidades do agregado familiar sedeado no território português, a que o impugnante os destina maioritariamente.
12. Isto é, o sacrifício da deslocação para o estrangeiro, mais ou menos prolongada, visa obter lá os meios que permitam ter uma vida melhor cá. Só não seria exactamente assim se todo o agregado, ou pelo menos as pessoas a quem incumbe a sua direcção, tivesse emigrado.
13. Donde resulta a respeitosa discordância com o doutamente decidido na sentença recorrida, nomeadamente no que se refere à interpretação a fazer do artigo 15.° da CDT e à decisão de anulação das liquidações, mesmo na parte impugnada.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
«O impugnante A… é residente na Alemanha (probatório n°2);
É igualmente residente em Portugal, face à legislação portuguesa, porque o seu agregado familiar tem residência em Portugal (probatório n° 6; art.1671° n° 2 C.Civil; arts.15° n°1 e 16° n° 2 CIRS; art.4° n°1 Convenção sobre Dupla Tributação entre a República Portuguesa e República Federal da Alemanha (CDT) aprovada pela Lei n° 12/82, 3 Junho).
Em termos convencionais deve ser considerado residente na Alemanha em 1998, onde teve habitação permanente e exerceu a sua única actividade profissional, com excepção de um período de férias de três semanas, em que residiu em Portugal (art.4° n°2 al. a) CDT).
A remuneração do trabalho dependente auferida na Alemanha apenas aí pode ser tributada (art. 15° n°1 CDT).
As citadas normas da CDT prevalecem sobre as normas de direito interno nacional abstractamente aplicáveis na determinação da...
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