Acórdão nº 03P2723 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-10-2003
Data de Julgamento | 15 Outubro 2003 |
Case Outcome | NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO. |
Classe processual | REC PENAL. |
Número Acordão | 03P2723 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Na 7ª Vara Criminal de Lisboa, no processo n.° 34/94 (895/94.5TCLSB), em querela, respondeu, com outros, o R. ADN, vindo, a final, a ser condenado como autor material de um crime de abuso de confiança, p . e p pelo art.° 300.° n.°s 1 e 2, al.a), do CP, versão de 1982, na pena de 5 anos de prisão, bem como ao pagamento ao assistente JBF o contravalor em escudos, á cotação do Banco de Portugal para o câmbio de notas, nas datas a seguir indicadas, das seguintes importâncias expressas em moeda estrangeira :
-em 7.4.84 -CAD $100.000 ( cem mil dólares do Canadá ) e USD$ 10.000 ( dez mil dólares dos EUA) ;
-em 15.6.84 -CAD $50.000 ( cinquenta mil dólares do Canadá ) e USD $642 ( seiscentos e quarenta e dois dólares dos Estados Unidos ) ;
-em 28.6.84 -CAD $5.000 (cinco mil dólares do Canadá ) ;
-em 3.7.84 -CAD $5000 ( cinco mil dólares do Canadá) ;
-em 9.7.84 $5.000 ( cinco mil dólares do Canadá ) ;
-em 1.8.84 USD$ 500 ( quinhentos dólares do Canadá) ;
-em 1.8.84 USA $ 500 ( quinhentos dólares dos Estados Unidos) ;
-em 1.8.84 CAD$ 25.000 ( vinte e cinco mil dólares do Canadá ) ;
-em 8.8.84 CAD$ 14.000 ( catorze mil dólares do Canadá ) ;
-em 22.8.84 CAD $20.000 ( vinte mil dólares do Canadá ) ;
-em 24.8.84. CAD $ 20.000 ( vinte mil dólares do Canadá) ;
-em 19.10.84 CAD $30.000 ( trinta mil dólares do Canadá )
-em 30.11.84 CAD $35.000 ( trinta e cinco mil dólares do Canadá ) ;
-em 5.7.85 CAD $1.000 ( mil dólares do Canadá ) ;
-em 3.9.85 CAD $200.000 ( duzentos mil dólares do Canadá );
-em 7.9.85 CAD $20.000 (vinte mil dólares do Canadá )
-em 13.9.85 CAD $47.500 ( quarenta e sete mil e quinhentos dólares do Canadá ) ;
-em 20.9.85 CAD $ 35.000 ( trinta e cinco mil dólares do Canadá) ;
-em 27.11.85 CAD $222.111.61 ( Duzentos e vinte e dois mil cento e onze dólares do Canadá e sessenta e um cêntimos ) ;
-em 12.12.85 CAD $35.000 ( trinta e cinco mil dólares do Canadá ) ; e
-em 11.4.86. CAD$ 140.000 ( cento e quarenta mil dólares do Canadá ), tudo a liquidar em execução de sentença .
Haverá que deduzir a estas importâncias :
-15.481500, a retirar ao capital inicial ; -5.000.000$00 a retirar ao capital devido em 10.12.86; -350.000$00 a retirar ao capital devido em 1.1.87 ;
-o contravalor em esc.de USD 532.680, a retirar ao capital devido em 4.7.88, e -275.000$00, a retirar ao capital devido em 1.6.89, tudo a liquidar em execução de sentença .
Mais foi condenado ao pagamento de juros moratórios, ás sucessivas taxas moratórias legais, contados sobre cada uma das quantias (contravalor em escudos) e desde cada uma das datas supra referidas sobre o capital sucessivamente acumulado ( com as competentes e referidas deduções ), vencidos e vincendos, até integral pagamento, sendo à taxa de 23% até 24.4.87, de 15 % até 29.9.95, de 10% até 22.2.99 e de 7% em diante ( Portarias n.°s 581/83, 339/87, 1171/95 e 263/99), bem como nos juros vincendos, á taxa legal e até integral reembolso.
O Réu ADN foi, ainda, condenado ao pagamento de 10.000.000 $00 ao assistente BF a título de indemnização pelos danos morais causados, nas custas do processo e, quanto ao pedido cível, nas resultantes da proporção no decaimento .
Foram-lhe declarados perdoados :
3 anos de prisão em consequência da aplicação dos art.°s 14.° n.° 1 b), da Lei n.° 23/91, de 4/7, 8.° n.° 1 d) da Lei n.° 15/94, de 11/5 e 1.° n.° 1 da Lei n.° 29/99, de 12/5, com as condições resolutivas decorrentes dos art.°s 13.° da Lei n.° 15/94, de 11/5, 4.° e 5 .°, da Lei n.° 29/99, de 11/5, com o que lhe restam para cumprir 2 anos de prisão .
Inconformados como teor do decidido interpuseram recurso o R. ADN e o Empresa-A, S A, porém o Tribunal da Relação de Lisboa, negou-lhes provimento.
A Exm.ª e Procuradora da República e o assistente contra-alegaram .
De novo, recorre o Réu ADN, agora, porém, para o STJ, apresentando as seguintes conclusões :
1. -A norma do artigo 7°., n°. 1, 28. parte, do D.L. 78/87, de 17.12, é inconstitucional, porque não respeitou a Lei n°. 43/86, de 26.09 que o autorizou, violou o artigo 168°. -actual l65°., n°. 1. alínea c) da Constituição - e não podia ter sido aplicada a este processo, por força do disposto no artigo 3°., n .° 3 da Lei Fundamental;
2- A invalidade da norma acarreta a invalidade e inexistência de todos os actos processuais praticados à sua sombra, a partir da entrada em vigor do Código de Processo Penal Novo - 01.01.88 (Lei 17/87, de 01.06) - com a consequência de o processo ter que sofrer a devida adaptação à nova lei processual e dever ser substancialmente reformulado;
3.-A admissão como assistente da denominada "Empresa-B em liquidação", representada pela comissão liquidatária e pelo comissário do Governo é ilegal, uma vez que lhes falece capacidade legal para tanto e o despacho respectivo não transitou em julgado, por versar sobre questão de legitimidade;
4.-A interpretação-aplicação das normas dos artigos 21°., n°. 1 e 3, 18°. e 19°. do D.L. 30.689, de 27.08.40, que permitiu a intervenção processual como assistentes daquelas entidades é claramente inconstitucional, uma vez que consagra uma intervenção do Estado na gestão de uma empresa privada, fazendo cessar definitivamente o direito de propriedade de que ela é objecto e não foi precedida de decisão judicial, assim violando o disposto no artigo 87°., no, 2 da Constituição;
5 -Deste modo, deve, agora, ser declarada a ilegitimidade daquela constituição de" assistente", com a consequente invalidade e inexistência de todos os actos praticados pela mesma, que devem ser excluídos e expurgados do processo, com a consequente invalidade de todos os actos inquinados decorrentes e consequentes ;
6- A dilação, efectuada a fls. 5742, do prazo para as partes acusadoras - "Empresa-B, em liquidação" e JBF - "manterem ou modificarem as acusações", nos termos do artigo 363°. do C.P.P. de 29, é ilegal;
7- As acusações particulares deduzidas em virtude dessa dilação, sofrem do vício da inexistência, porque foram apresentadas após caducidade, preclusão e decadência do respectivo direito, vícios que são insanáveis e do conhecimento oficioso, não podendo a matéria nelas vertida e tratada ser atendida ou relevar;
8- A interpretação/aplicação da citada norma do artigo 363°. do C.P.P. de 29, assumidas pelo despacho que permitiu a referida dilação e a apresentação de tais acusações particulares, após caducidade e decadência do respectivo direito, é inconstitucional, porque violadora dos direitos e garantias de defesa contempladas no artigo 32°., n°. 1 da Constituição da República;
9- O que o Tribunal considerou provado no n°. 211 da "matéria de facto provada" não é matéria de facto, mas um juízo conclusivo ou de valor, aliás despojado de qualquer fundamentação que, como tal, tem de ser excluído da decisão, por ofensa dos artigos 468°. e 470°. do C.P.P. de 29;
10.-Para a conclusão, formulada nas decisões condenatórias de que a recorrente cometeu o crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 300°., n°. 1 do CP. de 82, contribuiu uma alteração substancial dos factos descritos na pronúncia;
11 -Nomeadamente o que se deu como provado no n°. 211 da "matéria de facto provada" não consta da pronúncia.
12 -Ao R., ora recorrente, não foi facultada, em tempo útil, a oportunidade processual de organizar a sua defesa quanto àquela alteração substancial;
13- A interpretação/aplicação das citadas normas do C.P.P. de 29, com o sentido de possibilitar a absorção daquele facto pela sentença é manifestamente inconstitucional, por violadora do sobredito artigo 32°., n°.1 da Constituição;
14 - Não há crime de abuso de confiança sem apropriação ilegítima de coisa móvel, por parte daquele a quem ela foi entregue e que a recebeu por título não translativo de propriedade;
15- Ao R. não foi feita qualquer entrega pelo JBF;
16- As entregas foram feitas à Empresa-B, sociedade de direito canadiano, gerida, não pelo R., mas por terceiro (AM);
17- Pertence ao direito privado dizer quais os títulos que integram a tipicidade do crime de abuso de confiança;
18- Ora, os depósitos efectuados pelo JBF, consistindo nas entregas àquela sociedade canadiana, são depósitos irregulares, cujo regime esta vazado nos artigos 1205°., 1206°. e 1144°. do C.C., tendo as quantias depositadas ficado sem individualidade própria e insusceptíveis de apropriação;
19- Através desses depósitos, o JBF transferiu a propriedade do dinheiro em causa para a dita sociedade, que podia utilizá-lo e, até, consumi-lo, como sua dona, independentemente de os ter registado, ou não, sendo certo que tal omissão tem relevância no foro civil e não no criminal;
20 - Porque assim, não se verificam os referidos elementos essencialmente constitutivos do crime de abuso de confiança - entrega da coisa por título não translativo de propriedade - não podendo o R. ser condenado por tal inexistente crime, em violação do artigo 300°., no. 1 do C. P. de 82;
21- A haver crime, a conduta do recorrente revestiria a forma continuada de cometimento.
22- Na realidade, as violações da mesma norma seriam plúrimas mas, existiria proximidade temporal das condutas parcelares e, também, a manutenção da mesma situação exterior, consistida na conduta reiterada sucessiva do depositante, a proporcionar as subsequentes repetições e a postular a sua menor censurabilidade;
23 -Consequentemente as decisões em apreço, violaram o disposto no n°. 2 do artigo 30°, do C. P. de 82;
24- Finalmente, a pena é excessiva;
25 - Na realidade, o ser o R. primário (ausência de passado criminal), o ter reparado o dano, ainda que parcialmente, o encontrar-se socialmente inserido e o decurso do tempo, apontam no sentido de a pena não ser superior a 3 anos de prisão, com recurso à sua suspensão - artigo 72°. do C. P. de 82;
26 - Decidindo em contrário, as doutas decisões condenatórias violaram todos os preceitos legais e constitucionais atrás citados.
Neste STJ o...
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