Acórdão nº 03B3909 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-12-2003
Data de Julgamento | 04 Dezembro 2003 |
Case Outcome | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA. |
Número Acordão | 03B3909 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
"A"-Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária SA intentou, no dia 22 de Abril de 1999, contra B e C, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação solidária deles a pagar-lhe 6 467 660$, acrescidos de juros moratórios vencidos de 6 524 117$ e vincendos à taxa anual de 17%, com fundamento no incumprimento de dois contratos de locação financeira celebrados entre a Sociedade Portuguesa D e ré, em contrato de fiança celebrado entre aquela e o réu, na cessão pela primeira dos seus direitos de crédito à E e em contrato dito de recuperação desses direitos celebrado entre esta e a autora.
A ré, citada no dia 24 de Janeiro de 2002, não contestou a acção, e a autora desistiu da instância em relação a ela no dia 14 de Outubro de 2002, desistência que foi homologada.
O réu, citado no dia 26 de Maio de 1999, afirmou, na contestação, aceitar como verdadeiro o vertido nos artigos 1º, 13º e 14º da petição inicial, ser inexacta a restante matéria de facto articulada e que por isso ficava impugnada, e invocou a prescrição do crédito das rendas por vencimento mais de cinco anos antes da propositura da acção, e a do crédito de juros vencidos há mais de cinco anos, e a extinção da fiança por haverem decorrido mais de cinco anos sobre a resolução dos contratos, bem como estar dela desonerado por a autora não haver exercido os seus direitos contra a ré antes de esta ser declarada falida.
A autora, na réplica, só aceitou a posição do réu quanto à prescrição dos juros vencidos até 26 de Abril de 1994.
Na fase de saneamento, no âmbito da audiência preliminar, conheceu-se do mérito da causa, julgando-se parcialmente procedente a acção, condenando o réu a pagar à autora € 32 260,55, acrescidos de € 27 421,46 de juros de mora contados de 27 de Abril de 1994 a 15 de Abril de 1999, juros vencidos desde então, e vincendos, à taxa anual de 17% sobre € 32 260,55.
Apelou o réu no dia 18 de Outubro de 2002, e a Relação, por acórdão de 29 de Maio de 2003, negou provimento ao recurso e condenou o apelante, por litigância de má fé, na multa correspondente a cinco unidades de conta, com fundamento em ter deduzido no recurso oposição cuja falta de fundamento não ignorava.
Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- não podia ser incluída na especificação a factualidade invocada sob o n.º 12 da petição inicial, porque a impugnou na contestação, nos termos do artigo 490º, n.º 1, do Código de Processo Civil, opôs-se à sua inclusão na audiência preliminar e, ao contrário do que foi entendido no acórdão recorrido, não impõe aquele normativo o ónus de impugnação especificada;
- como a referida factualidade não é suportada por prova documental, deve ser levada ao questionário;
- não há factos provados reveladores de a recorrida ter interpelado B com a quantificação do montante reclamado na acção, nem que ela se tenha constituição em mora, pelo tal não podia ser considerado assente, atenta a impugnação que operou, e não serem factos pessoais do recorrente;
- como B não foi interpelada para o pagamento dessas quantias, nem o recorrente o foi como fiador, não ocorreu a sua constituição em mora nos termos exigidos pelo artigo 805º, n.º 1, do Código Civil;
- não existia fundamento para condenar B no pagamento de juros moratórios de 27 de Abril de 1994 a 15 de Abril de 1999, pelo que o mesmo também inexiste em relação a si;
- o recurso não teve intuito dilatório, o direito de apelar é basilar segundo o artigo 20º, n.º 1, da Constituição, a discordância na interpretação da lei e na sua aplicação aos factos é uma faculdade não coarctável em nome de certeza jurídica, na maior parte dos casos uma falaz ilusão;
- o acórdão recorrido infringiu os artigos e 634º, n.º 1 e 805º, n.º 1, do Código Civil, e 456º, n.º 2, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil.
Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação:
- como B não contestou a acção, deverão considerar-se provados os factos não impugnados pelo recorrente na contestação;
- o recorrente inviabilizou a produção de prova testemunhal ao limitar-se a referir estar a dívida prescrita e a fiança extinta;
- ao afirmar estar prescrito o crédito de rendas e juros, estar extinta a fiança, ao aceitar a resolução dos contratos de locação financeira pela locadora, o recorrente reconheceu a celebração daqueles contratos, o seu incumprimento por ela e a dívida;
- os próprios documentos relativos aos contratos justificam a dívida em causa, e o alegado pelo recorrente na contestação a aceitação da existência e da genuinidade dos primeiros;
- a questão da não interpelação do recorrente como fiador não foi invocada na contestação, não podia ser conhecida na 1ª instância e, por isso, não pode ser considerada em sede de recurso;
- ao insistir no âmbito do recurso no sentido de que impugnara eficazmente a quase totalidade da matéria de facto alegada na petição, não podia ignorar a sua evidente falta de fundamento.
Por acto administrativo datado de 25 de Novembro de 2002, foi concedido ao réu o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido, incluindo a constante de documentos para que remete:
1. No exercício da sua actividade normal, a Sociedade Portuguesa D, cujo objecto era a locação financeira mobiliária, e a ré declararam, por escrito n.º 5294/01, no dia 22 de Maio de 1990, a primeira dar de locação à segunda, e esta aceitar a locação, uma lixadora múltipla de discos, marca Quickwood, modelo 300/AUT, com 800 mm de largura útil de trabalho, motor principal de 4 kws e secador modelo MDT-H 380E, fornecedor F, preço 6 268 000$, imposto sobre o valor acrescentado de 1 065 560$, trinta e seis rendas de periodicidade mensal, montante de cada uma de 241 924$ e imposto sobre o valor acrescentado à taxa aplicável, valor residual de 376 080$, com fiança dos sócios.
2. No exercício da sua actividade normal, a Sociedade Portuguesa D e a ré declararam por escrito n.º 5294/02, no dia 22 de Maio de 1990, a primeira dar de locação à segunda, e esta aceitar a locação de uma lixadora superior e inferior, modelo LIS-400-2x2 RP, fornecedor G, preço 3 250 000$, imposto sobre o valor acrescentado de 552 500$, doze rendas de periodicidade trimestral, montante de cada uma de 379 705$, e imposto sobre o valor acrescentado à taxa aplicável, valor residual de 195 000$, com fiança dos sócios.
3. O n.º 2 do artigo 16º das Condições Gerais do Contrato n.º 5294/01 expressava o seguinte: a locatária, em consequência da resolução operada, fica obrigada a restituir o equipamento ao locador, a pagar as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora desde o seu vencimento até à data do pagamento efectivo, calculados nos termos do n.º 6 do artigo 9º, bem como todos os encargos suportados pelo locador por força da resolução, e a pagar à locadora uma indemnização por perdas e danos por ela sofridos igual a 20% do resultado da adição das rendas vincendas, na data da resolução, com o valor residual, acrescidos dos respectivos juros contados da data da resolução até à data do pagamento efectivo, calculados nos termos do n.º 6 do artigo 9º.
4. Os n.ºs 1 e 2 do artigo 15º das Condições Gerais do Contrato n.º 5294/02 expressa que, no termo da locação, salvo o exercício da opção de compra ou renovação da locação, o locatário deve restituir imediatamente o equipamento ao locador e, não procedendo à sua restituição no prazo de 15 dias, o locatário constitui-se na obrigação de pagar uma prestação adicional igual à ultima renda vencida, sem prejuízo da faculdade que à locadora assiste, nos termos do artigo seguinte, de reivindicar a posse do equipamento.
5. O n.º 6 do artigo 9º das Condições Gerais acima referidas expressa que, sem prejuízo do artigo 16º, se o...
I
"A"-Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária SA intentou, no dia 22 de Abril de 1999, contra B e C, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação solidária deles a pagar-lhe 6 467 660$, acrescidos de juros moratórios vencidos de 6 524 117$ e vincendos à taxa anual de 17%, com fundamento no incumprimento de dois contratos de locação financeira celebrados entre a Sociedade Portuguesa D e ré, em contrato de fiança celebrado entre aquela e o réu, na cessão pela primeira dos seus direitos de crédito à E e em contrato dito de recuperação desses direitos celebrado entre esta e a autora.
A ré, citada no dia 24 de Janeiro de 2002, não contestou a acção, e a autora desistiu da instância em relação a ela no dia 14 de Outubro de 2002, desistência que foi homologada.
O réu, citado no dia 26 de Maio de 1999, afirmou, na contestação, aceitar como verdadeiro o vertido nos artigos 1º, 13º e 14º da petição inicial, ser inexacta a restante matéria de facto articulada e que por isso ficava impugnada, e invocou a prescrição do crédito das rendas por vencimento mais de cinco anos antes da propositura da acção, e a do crédito de juros vencidos há mais de cinco anos, e a extinção da fiança por haverem decorrido mais de cinco anos sobre a resolução dos contratos, bem como estar dela desonerado por a autora não haver exercido os seus direitos contra a ré antes de esta ser declarada falida.
A autora, na réplica, só aceitou a posição do réu quanto à prescrição dos juros vencidos até 26 de Abril de 1994.
Na fase de saneamento, no âmbito da audiência preliminar, conheceu-se do mérito da causa, julgando-se parcialmente procedente a acção, condenando o réu a pagar à autora € 32 260,55, acrescidos de € 27 421,46 de juros de mora contados de 27 de Abril de 1994 a 15 de Abril de 1999, juros vencidos desde então, e vincendos, à taxa anual de 17% sobre € 32 260,55.
Apelou o réu no dia 18 de Outubro de 2002, e a Relação, por acórdão de 29 de Maio de 2003, negou provimento ao recurso e condenou o apelante, por litigância de má fé, na multa correspondente a cinco unidades de conta, com fundamento em ter deduzido no recurso oposição cuja falta de fundamento não ignorava.
Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- não podia ser incluída na especificação a factualidade invocada sob o n.º 12 da petição inicial, porque a impugnou na contestação, nos termos do artigo 490º, n.º 1, do Código de Processo Civil, opôs-se à sua inclusão na audiência preliminar e, ao contrário do que foi entendido no acórdão recorrido, não impõe aquele normativo o ónus de impugnação especificada;
- como a referida factualidade não é suportada por prova documental, deve ser levada ao questionário;
- não há factos provados reveladores de a recorrida ter interpelado B com a quantificação do montante reclamado na acção, nem que ela se tenha constituição em mora, pelo tal não podia ser considerado assente, atenta a impugnação que operou, e não serem factos pessoais do recorrente;
- como B não foi interpelada para o pagamento dessas quantias, nem o recorrente o foi como fiador, não ocorreu a sua constituição em mora nos termos exigidos pelo artigo 805º, n.º 1, do Código Civil;
- não existia fundamento para condenar B no pagamento de juros moratórios de 27 de Abril de 1994 a 15 de Abril de 1999, pelo que o mesmo também inexiste em relação a si;
- o recurso não teve intuito dilatório, o direito de apelar é basilar segundo o artigo 20º, n.º 1, da Constituição, a discordância na interpretação da lei e na sua aplicação aos factos é uma faculdade não coarctável em nome de certeza jurídica, na maior parte dos casos uma falaz ilusão;
- o acórdão recorrido infringiu os artigos e 634º, n.º 1 e 805º, n.º 1, do Código Civil, e 456º, n.º 2, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil.
Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação:
- como B não contestou a acção, deverão considerar-se provados os factos não impugnados pelo recorrente na contestação;
- o recorrente inviabilizou a produção de prova testemunhal ao limitar-se a referir estar a dívida prescrita e a fiança extinta;
- ao afirmar estar prescrito o crédito de rendas e juros, estar extinta a fiança, ao aceitar a resolução dos contratos de locação financeira pela locadora, o recorrente reconheceu a celebração daqueles contratos, o seu incumprimento por ela e a dívida;
- os próprios documentos relativos aos contratos justificam a dívida em causa, e o alegado pelo recorrente na contestação a aceitação da existência e da genuinidade dos primeiros;
- a questão da não interpelação do recorrente como fiador não foi invocada na contestação, não podia ser conhecida na 1ª instância e, por isso, não pode ser considerada em sede de recurso;
- ao insistir no âmbito do recurso no sentido de que impugnara eficazmente a quase totalidade da matéria de facto alegada na petição, não podia ignorar a sua evidente falta de fundamento.
Por acto administrativo datado de 25 de Novembro de 2002, foi concedido ao réu o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido, incluindo a constante de documentos para que remete:
1. No exercício da sua actividade normal, a Sociedade Portuguesa D, cujo objecto era a locação financeira mobiliária, e a ré declararam, por escrito n.º 5294/01, no dia 22 de Maio de 1990, a primeira dar de locação à segunda, e esta aceitar a locação, uma lixadora múltipla de discos, marca Quickwood, modelo 300/AUT, com 800 mm de largura útil de trabalho, motor principal de 4 kws e secador modelo MDT-H 380E, fornecedor F, preço 6 268 000$, imposto sobre o valor acrescentado de 1 065 560$, trinta e seis rendas de periodicidade mensal, montante de cada uma de 241 924$ e imposto sobre o valor acrescentado à taxa aplicável, valor residual de 376 080$, com fiança dos sócios.
2. No exercício da sua actividade normal, a Sociedade Portuguesa D e a ré declararam por escrito n.º 5294/02, no dia 22 de Maio de 1990, a primeira dar de locação à segunda, e esta aceitar a locação de uma lixadora superior e inferior, modelo LIS-400-2x2 RP, fornecedor G, preço 3 250 000$, imposto sobre o valor acrescentado de 552 500$, doze rendas de periodicidade trimestral, montante de cada uma de 379 705$, e imposto sobre o valor acrescentado à taxa aplicável, valor residual de 195 000$, com fiança dos sócios.
3. O n.º 2 do artigo 16º das Condições Gerais do Contrato n.º 5294/01 expressava o seguinte: a locatária, em consequência da resolução operada, fica obrigada a restituir o equipamento ao locador, a pagar as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora desde o seu vencimento até à data do pagamento efectivo, calculados nos termos do n.º 6 do artigo 9º, bem como todos os encargos suportados pelo locador por força da resolução, e a pagar à locadora uma indemnização por perdas e danos por ela sofridos igual a 20% do resultado da adição das rendas vincendas, na data da resolução, com o valor residual, acrescidos dos respectivos juros contados da data da resolução até à data do pagamento efectivo, calculados nos termos do n.º 6 do artigo 9º.
4. Os n.ºs 1 e 2 do artigo 15º das Condições Gerais do Contrato n.º 5294/02 expressa que, no termo da locação, salvo o exercício da opção de compra ou renovação da locação, o locatário deve restituir imediatamente o equipamento ao locador e, não procedendo à sua restituição no prazo de 15 dias, o locatário constitui-se na obrigação de pagar uma prestação adicional igual à ultima renda vencida, sem prejuízo da faculdade que à locadora assiste, nos termos do artigo seguinte, de reivindicar a posse do equipamento.
5. O n.º 6 do artigo 9º das Condições Gerais acima referidas expressa que, sem prejuízo do artigo 16º, se o...
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