Acórdão nº 0392/13.1BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16-05-2024

Data de Julgamento16 Maio 2024
Número Acordão0392/13.1BEPNF
Ano2024
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório
1. AA, identificado nos autos, moveu contra o ESTADO PORTUGUÊS, MUNICÍPIO DE AMARANTE e COMPANHIA DE SEGUROS A... S.A, uma ação administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, formulando o seguinte pedido: “…serem os RR condenados a pagarem ao A. a quantia de € 413 945,00, acrescida dos juros à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação e até efetivo pagamento, bem como condenados nas custas e demais encargos legais, sendo da responsabilidade da terceira ré até ao montante do capital seguro e o restante a cargo dos primeiros RR.»

Alegou, para tanto, em síntese, que no desempenho da sua atividade de bombeiro voluntário no Corpo de Bombeiros da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de ..., quando pretendia abrir uma janela para entrar numa habitação, após ter subido uma varanda para esse efeito, sofreu um acidente, em virtude de se ter desequilibrado e caído ao solo;
Em consequência desse acidente, sofreu lesões e traumatismos que exigiram a sua sujeição a tratamentos médicos durante vários meses, tendo ficado a padecer de uma IPP de 45.6% e de uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual;
Para além da indemnização pelos danos patrimoniais que reclama, sofreu também danos não patrimoniais para cuja compensação peticiona o pagamento da quantia de €75.000,00;
No cumprimento da sua obrigação legal decorrente do DL n.º 241/2007 e da Portaria 1163/2009, de 06/10, o Município de Amarante contratualizou com a Ré seguradora o seguro de acidentes pessoais relativamente ao pessoal dos corpos de bombeiros municipais e voluntários, limitando o capital seguro aos montantes obrigatórios;
No caso, porque os danos sofridos excedem o capital seguro, são responsáveis por essa diferença o Réu Município de Amarante e o Estado Português.

2. Citada, a Ré Seguradora contestou, alegando, em suma, a vigência de um contrato de seguro de acidentes pessoais celebrado com o Réu Município de Amarante, abrangendo os bombeiros, com cobertura, pelos valores mínimos previstos na Portaria 1163/2009, dos danos resultantes de invalidez permanente, incapacidade temporária absoluta e despesas de tratamento, mas que não abrange os danos não patrimoniais;
Insurge-se contra a quantia peticionada como indemnização pelos danos patrimoniais que reputa de exagerada.

3. Citado, o Réu Município de Amarante, defendeu-se por exceção, suscitando a sua ilegitimidade passiva, conquanto transferiu a sua responsabilidade nos termos legalmente exigíveis, para a Ré Seguradora, não podendo ser responsabilizado pelas despesas não cobertas pelo contrato de seguro, as quais, dizem respeito ao “Fundo de Proteção Social do Bombeiro”;
Invocou ainda a incompetência em razão da matéria dos Tribunais Administrativos.
Na defesa por impugnação, aduziu, em síntese, desconhecer se o autor, estando obrigado a cumprir regras de segurança, as cumpriu ou não, o que deverá ser averiguado, sendo a indemnização requerida excessiva, devendo a ação ser julgada improcedente.

4. Citado, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, defendeu-se por impugnação, pedindo a absolvição do pedido.

5. Proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou todas as exceções invocadas, improcedentes; fixou-se o objeto da ação e enunciou-se os temas de prova.

6. Realizada a audiência de julgamento, o TAF de Penafiel, por sentença de 29/01/2019, julgou a ação parcialmente procedente, condenando-se:
«A Ré Seguradora ao pagamento ao A.:
- da quantia correspondente de € 13749,75, a título de indemnização, pela incapacidade global permanente de 12,60 % de que ficou a padecer;
- da quantia correspondente de € 107,80 a título de indemnização, pela incapacidade temporária de que padeceu;
O R. Município no montante de € 15.000,00 €, a título de danos não patrimoniais;
Improcede no demais.
Decide-se ainda pela absolvição do R. Estado do pedido.»

7. Da sentença assim proferida, foi interposto recurso pelo Réu e pelo Autor, para o Tribunal Central Administrativo Norte, que por acórdão proferido em 29/04/2022, decidiu: a) Conceder parcial provimento ao recurso apresentado pelo Réu Município de Amarante, reduzindo a indemnização arbitrada pelo TAF de Penafiel pelos danos não patrimoniais, de 15.000,00€ para 12.000,00€; b) Negar provimento ao recurso do Recorrente Autor.

8. Deste acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte interpõe o Réu Município de Amarante a presente revista, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
«1. Os pressupostos legais para a sua admissibilidade do recurso de revista estão preenchidos à luz dos artigos 671º, n º 1 e n º 3 (a contrário) do CPC e artigos 140º, nºs 2 e nos termos do nº 1 do artigo 150º do CPTA, pois trata-se de uma questão com relevância jurídica ou social, que se reveste de importância fundamental - para uma melhor aplicação do direito,
2. Porquanto o Município de Amarante foi condenado ao pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por um bombeiro voluntário no exercício das suas funções, ao serviço e sob orientação e direção do Comandante do Corpo de Bombeiros.
3. Considerou o douto tribunal a quo através do recurso à interpretação extensiva que o regime jurídico aplicável aos bombeiros portugueses no território português – Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho e Portaria n.º 1163/2009, de 6 de outubro – embora não discipline a obrigatoriedade de o contrato de seguro abranger os danos de natureza não patrimonial, também não esgota os casos especificados na lei relativamente aos quais existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa.
4. E dada a majestática ausência do Estado pois “não se apresenta nos autos como suscetível de tal imputação, pois, contrariamente ao Município Recorrente, não tem a seu cargo, com a proximidade direta que a solução constitucional verte (artigo 235º, n.º 2) a prossecução dos interesses próprios das populações dos respetivos municípios, nos quais se integram os interesses alvo da atividade desenvolvida pelos bombeiros e, como tal, quanto a esta atividade, o Estado não cria o risco, não tira do mesmo proveito, nem tem sob o seu controlo tal atividade”, “o município de Amarante responde civilmente, a título de responsabilidade administrativa pelo risco, pelos danos não patrimoniais – não incluídos nas coberturas do existente contrato de seguro de acidentes pessoais…”
5. Contudo, sobre a mesma questão pronunciou-se o douto Tribunal da Relação do Porto, em 3 de maio de 2007, processo n.º 0731351, que ao contrário da douta decisão a quo, decidiu que, “não obstante virem provados danos dessa natureza suscetíveis de ser indemnizáveis. [não patrimoniais]. Estando-se perante uma situação de responsabilidade pelo risco, são-lhe aplicáveis os preceitos legais que regulam a responsabilidade por factos ilícitos… Nos termos do artº 483º, n.º 2, apenas existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Ora, a obrigação de indemnizar imposta pelos preceitos legais referidos ao apreciarmos as questões anteriores, apenas obrigam à outorga de contrato de seguro de acidentes pessoais, com as coberturas neles referidas, nas quais se não incluem os danos de natureza não patrimonial”.
6. Ora, atendendo, ao princípio da unidade do sistema, da igualdade e do direito a um processo justo e equitativo e também por força da tutela jurisdicional efetiva, sob pena, de haver duas decisões judiciais em sentido inverso, a admissão a mais um grau de recurso, havendo como há oposição de julgados, é a forma de se assegurar, a válvula de segurança do sistema, que permite submeter o Acórdão recorrido a teste de juridicidade, válvula de segurança que esteve presente à previsão normativa de admissão do recurso por ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito (artigo 150 º, nº 1 do CPTA). Por outro lado,
7. No caso em apreço, abordam-se questões cujo interesse extravasa o processo e é aplicável a tantos outros processos de efetivação de responsabilidade civil, quer quando estejam em causa acidentes de serviço de bombeiros voluntários, quer de quaisquer outros cidadãos ao serviço de associações cujo objeto se possa incluir numa qualquer atribuição dos municípios – artigo 23º do anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro –;
8. A presente ação que tem por objeto a efetivação de responsabilidade civil e na qual se debatem questiones juris que assumem manifesto relevo jurídico [dos riscos abrangidos pelo seguro de acidentes pessoais dos bombeiros voluntários, limite de responsabilidade pelo risco dos Municípios, sendo que a resposta que a elas se dê tem consequências ao nível da apreciação e preenchimento dos pressupostos de responsabilidade] e social [visto que, tratando-se de situações com impacto e que se repetem, é de todo o interesse da comunidade que sobre elas exista o entendimento o mais estabilizado possível].
9. Estamos perante um caso referente a um processo de responsabilidade civil extracontratual pelo risco, cujo regime se encontra previsto no artigo 11º do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público, aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (RRCEC).
10. Além disso está em causa o âmbito da responsabilidade dos municípios pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelos bombeiros voluntários, em acidentes de serviço, por referência à clara omissão do Decreto-lei n.º 241/2007, de 21 de junho, ao pressuposto vinculativo previsto no artigo 483º/2 do Código Civil (CC), por remissão do artigo 499º do CC e ao artigo 23º e ss. do anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.
11. A interpretação feita pelo tribunal a quo, por maioria, de que por os municípios terem como atribuição constitucional a...

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