Acórdão nº 038/13 de Tribunal dos Conflitos, 18-12-2013

Data de Julgamento18 Dezembro 2013
Número Acordão038/13
Ano2013
ÓrgãoTribunal dos Conflitos
Conflito n.° 38/13 (Nº 4 TC Relator: Paulo Sá Adjuntos:)

Acordam no Tribunal de Conflitos:

I. “A..............................., SA” veio intentar acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra o Condomínio do Prédio, sito no gaveto da Rua ………… com a Rua …………, na cidade de Fafe, onde conclui pedindo, na procedência do pedido, a condenação do réu a pagar à autora a quantia de € 1.417,36, acrescida de juros, à taxa legal de 11,20% e 11,07% até 13/10/2008, que se calcula em € 35,81, o que totaliza a quantia de € 1.453,17, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal para juros comerciais, desde a data de vencimento de cada factura até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alega a autora, em síntese:

Dedica-se e tem por objecto a exploração do sistema de captação e tratamento de água, resultante da concessão que lhe foi outorgada pela Câmara Municipal de Fafe.

Toda a actividade da A se rege pelo Regulamento do Serviço de Abastecimento de Água do Concelho de Fafe sendo que, nos termos do artigo 35.° do referido Regulamento, compete à A.............. “estabelecer em conformidade com o disposto na lei e no Contrato de Concessão as tarifas e as taxas que devem ser pagas pelos consumidores, como contrapartida da prestação de um serviço público”

O local do consumo é o do condomínio, reportando-se a um contador totalizador instalado na respectiva entrada, pretendendo cobrar o valor das facturas que junta, relativas a consumos de água, tarifas e taxas, cujo pagamento terá solicitado ao réu.

O réu, Condomínio do Prédio, sito no gaveto da Rua ………… com a Rua …………, apresentou contestação, onde, além do mais suscita as questões da nulidade da cláusula contratual que impõe uma taxa de disponibilidade pelo contador totalizador e do abuso de direito que consubstancia a cobrança dessa taxa, por desproporcionada ao serviço prestado e representar uma dupla tributação, face ao pagamento por cada condómino de uma taxa por cada contador individual. Conclui dever a acção ser julgada improcedente, atentas as excepções alegadas.

Na réplica, a A. responde às excepções invocadas e conclui como na petição inicial, sem deixar de referir que o Tribunal Judicial de Fafe “é incompetente em razão da matéria para se pronunciar sobre a validade” da tarifa de disponibilidade.

O tribunal lavrou despacho, a fls. 85, onde referiu afigurar-se-lhe ocorrer uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, de incompetência em razão da matéria, por entender ser o Tribunal Administrativo o competente para conhecer do litígio, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.° 1, alíneas b) e f) do ETAF, pelo que determinou a notificação das partes para querendo, se pronunciarem sobre a mencionada excepção dilatória.

O Réu apresentou requerimento onde entende dever ser reconhecida a existência da excepção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria e, em consequência, ser a ré absolvida do pedido.

A autora “A..............., SA” apresentou requerimento, onde afirma que nunca o tribunal (comum) foi declarado por qualquer tribunal superior como incompetente para tal, (o que parece de alguma forma contraditório com o afirmado na réplica e com a ressalva constante do mesmo requerimento “à excepção do preço fixo”), pelo que não se verifica qualquer excepção dilatória que possa ser conhecida.

Foi proferida a decisão de fls. 93 e ss, onde se decidiu julgar por verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta e consequentemente declarar o Tribunal Judicial de Fafe materialmente incompetente, absolvendo-se o réu da instância.

Inconformada com a douta decisão, veio a autora “A....................................., SA” interpor recurso para a Relação de Guimarães que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 113) mas, sem êxito, uma vez que este tribunal proferiu acórdão a negar provimento ao recurso jurisdicional e a manter a sentença recorrida.

Vem ora a A. requerer nos termos do artigo 107°, n.° 2, do CPC e dos Decretos 19243, de 16.1.1931 e 23185, de 30.10.33, a resolução do pré-conflito de jurisdição configurado, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª - Vem o presente recurso interposto do aliás douto acórdão de fls..., datado de 23 de Janeiro de 2012, através da qual se decidiu julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta e consequentemente declarar o Tribunal Judicial de Fafe materialmente incompetente para julgar a acção que a ora Recorrente intentou contra o ora Recorrido, absolvendo os aí Réus da instância.
2.ª - Sustenta tal decisão que é “da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e não dos Tribunais Judiciais, a preparação e julgamento de um litígio entre um particular consumidor de água e uma empresa concessionária de um serviço público próprio de um Município ao abrigo de um contrato administrativo celebrado entre ela e a autarquia no exercício da sua actividade de gestão administrativa para a prática de actos de utilidade pública e interesse colectivo, impróprios de relações de natureza tipicamente privada, como é o sistema multidimensional de contínuo abastecimento de água e de saneamento”, sustentando tal decisão no argumento de que “a causa de pedir da acção desenha-se pela prática de actos característicos da actividade administrativa” (apesar de estar me causa apenas uma AECOPEC) e que, portanto, tratando-se de “questões suscitadas no âmbito do referido contrato (…) não pertence aos tribunais judiciais, mas, essencialmente nos termos dos artigos 178º, n.º 1 e n.º 2, al.s g) e h) do CPA e dos artigos 1 e 4 n.º 1 al. f) do ETAF, aos tribunais administrativos”.
3.ª - Porém a relação contratual em causa nestes autos é uma relação jurídica de direito privado, no âmbito de um contrato de prestação de serviços (abastecimento de água e saneamento), com obrigações emergentes desse mesmo contrato.
4.ª - A Recorrente não actua revestida de um poder público, não tendo as partes submetido a execução do contrato em causa a um regime substantivo de direito público (cfr. artigo 4°. n° 1, alínea f, a contrario, do ETAF).
5.ª - A Recorrente não impõe taxas, nem tarifas, antes presta serviços, por força de um contrato celebrado com o recorrido, cuja contrapartida se intitula de preço, nos termos do Regulamento do Serviço de Abastecimento de Água ao Concelho de Fafe e do Contrato de Concessão celebrado entre a Autora e o município de Fafe, regulamento esse que impõe as referidas taxas e tarifas, bem como outras regras de conduta, seja à recorrente, seja ao recorrido.
6.ª - No caso em apreço não está em causa a competência para conhecer das questões relativas à validade de regulamentos administrativos ou de contratos administrativos, mas sim da competência para conhecer das questões relativas à validade do contrato celebrado entre a ora Recorrente e o ora Recorrido e da execução e do seu cumprimento pelos outorgantes, o qual é uma manifestação de uma relação jurídica de direito privado.
7.ª - Nesta parte, em que a recorrente se limita a fornecer bens ao Recorrido, tendo este como obrigação pagar o preço correspondente e os acréscimos legais e regulamentares, não está em causa qualquer relação jurídico-administrativa, nem o contrato celebrado entre as partes tem natureza de contrato administrativo, logo à partida porque a relação em causa se destina a prover as necessidades dos recorridos e não quaisquer fins de “interesse público”.
8.ª - Apesar da Recorrente se tratar de uma empresa concessionária de um serviço público essencial, para determinar a natureza pública ou privada das relações jurídicas que esta estabelece, será necessário determinar em concreto se o fim visado de interesse público ou geral, sendo este corolário exibido de forma plana pela doutrina existente.
9.ª – O regime substantivo previsto na Lei n.º 23/96 de 26 de Julho, que regula o fornecimento e prestação de “serviços públicos essenciais”, apesar de conter normas imperativas de direito público é um regime substantivo de direito privado, enformando não só a relação entre recorrente e recorrido, mas igualmente a actividade das distribuidoras de gás, electricidade, operadoras de serviços de transmissão de dados ou serviços postais.
10.ª – A expressão “serviços públicos essenciais”, prevista na Lei nº 23/96, de 26 de Julho não tem correspondência com a definição de interesse público.
11.ª – Ao invés, ao relacionar a actividade da Recorrente e os serviços que presta ao Recorrido na supra identificadas lei, o legislador pretendeu submeter todos os contratos dessas categorias a um regime idêntico, que é de direito civil.
12.ª - É certo que, no tocante à criação e fixação de taxas pela prestação de um serviço público, correspondendo ao exercício de poderes públicos, apenas a jurisdição administrativa se pode pronunciar, mas tal questão não tem qualquer correspondência com o objecto do litígio, tal qual foi conformado pela Recorrente na petição inicial, uma vez que este se destina unicamente a obter a cobrança da contra-prestação que lhe é devida pela Recorrida pelo fornecimento de água e saneamento e respectivos acréscimos regulamentar e legalmente impostos.
13.ª - A continuação, resulta que o contrato celebrado entre a Recorrente e os Recorridos não é enquadrável no artigo 178° do CPA, não podendo ser classificado como um contrato administrativo, não se tratando, pois, de um contrato de “fornecimento contínuo e de utilidade pública imediata”, nas asserções previstas nas alíneas g) e f) do n.° 2 do mesmo artigo.
14.ª - Isto porque aqueles contratos de “fornecimento contínuo e de utilidade pública imediata” são os que se destinam ao suprimento do interesse público e, portanto, ao prosseguimento dos fins visados (atribuições) por determinado entre público, no...

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