Acórdão nº 037/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11-09-2008

Data de Julgamento11 Setembro 2008
Número Acordão037/08
Ano2008
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
A A…, Lda., intentou, no TAC de Lisboa, a presente acção declarativa contra o Município de Lisboa pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 655.234$00, acrescida de juros legais, fundamentando esse pedido na responsabilidade civil extracontratual do réu por danos causados no exercício da sua actividade de gestão pública.
O Réu contestou por impugnação.
A acção foi julgada parcialmente procedente e o Município de Lisboa condenado a pagar à Autora a quantia de 2.820,46 euros acrescida de juros legais até integral pagamento.
Inconformado, o Município de Lisboa interpôs o presente recurso onde formulou as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida não concatena uma correcta apreciação da matéria de facto, a qual carece de reapreciação (designadamente da prova documental autuada), por forma a providenciar a reparação do manifesto erro de julgamento.
b) Verifica-se erro na apreciação da prova sujeita a julgamento quanto ao quesito 27.º (que deveria ter sido julgado integralmente provado e não, como sucedeu), perante a prova documental e a eloquente prova testemunhal produzida em julgamento.
c) Acresce que a Recorrida não produziu, nem ensaiou produzir, qualquer contraprova sobre tal matéria.
d) Em resumo, verifica-se erro na apreciação da indicada prova, pelo que se impõe a reapreciação da matéria de facto.
e) O Digníssimo Magistrado do Ministério Público entendeu igualmente que a acção deveria improceder, absolvendo-se o ora Recorrente do pedido.
f) Ao julgar como julgou a matéria de facto subjacente à sentença recorrida, o M.mo Juiz a quo inquinou o seu raciocínio por uma incorrecta apreciação da matéria de facto sujeita à sua cognição, violando os art.ºs 342.°, n.º 1, e 493.°, n.º 1, ambos do CC e viciando o seu douto juízo por manifesto erro de julgamento.
g) Consequentemente, impõe-se considerar que não se encontram verificados os pressupostos, cumulativos e taxativos, de que depende a imputação de responsabilidade civil extracontratual, pelo que ao condenar o Recorrente no pagamento da indemnização peticionada nestes autos a esse título, o Tribunal a quo viola o Decreto-Lei n.º 48051, de 21/11, maxime os seus artigos 3.° e 4.°.
h) Por outro lado, verifica-se a nulidade da sentença, por oposição dos fundamentos com a decisão, nos termos previstos pela al.ª c) do n.º 1 do art.º 668.° do CPC, pois que se não está demonstrado a falta de limpeza e desobstrução da rede de colectores de esgoto (antes pelo contrário), a inundação da via só pode ter ocorrido por razões alheais ao cumprimento dos deveres funcionais que legalmente impendem sobre o Recorrente.
A Recorrida contra alegou para formular as seguintes conclusões:
A) O Recorrente Município de Lisboa pretende alterar a presente sentença com base (fundamentalmente) na resposta dada ao n.° 27 da Base Instrutória.
B) Ora, não dar como provado o texto do n.° 27 da P.I. mas a informação prestada pelo Município, o Tribunal a quo fê-lo no pleno desempenho da sua função sem ofensa a qualquer norma legal.
C) Aliás, essa resposta ao quesito não mereceu qualquer reclamação por parte do Recorrente.
D) Daí que não tendo logrado o R/Recorrente provar que tenha procedido à limpeza e desobstrução das sarjetas e sumidouros do local, na Av. da República, não cumpriu o dever a que estava obrigado, tendo agido com culpa.
E) E provados os factos por parte da A/Recorrida a que estava obrigada, ao Tribunal a quo só restou condenar a R/Recorrente em tais danos.
F) Não se alcança, assim, que tenha havido por parte do Tribunal "a quo" violação de qualquer norma legal.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso merecia provimento por entender que o Recorrente tinha provado que nenhuma culpa teve na produção do acidente e dos danos daí resultantes.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO.
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Em 2/11/97 a autora era proprietária do veículo ligeiro de passageiros com matricula …-…-…, licenciada para serviço de aluguer (Táxi) na praça de Lisboa, constando da certidão, emitida pela Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa em 27.10.2000, que a propriedade do veículo matrícula …-…-…, marca "OPEL", esteve Registada em nome da autora entre 01.06.1994 e 17.08.2000 (A) da especificação).
2. No dia 2 de Novembro de 1997, cerca das 06 horas, circulava o táxi da autora pela Av. da República, em Lisboa, no sentido Sul/Norte (Campo Pequeno - Entrecampos), pela faixa mais à direita, atento o seu sentido de marcha. (quesitos 1°, 2° e 3°).
3. Na altura, chovia e aquela artéria já apresentava alguma água, em virtude da chuva que se fazia sentir (quesitos 5° e 6°).
4. O motorista do táxi da autora conduzia o veículo com atenção ao demais trânsito e às condições atmosféricas (quesito 8°).
5. Quando o condutor do táxi da autora passava pela Av. da República, esta artéria estava inundada (quesito 11°).
6. Ao aperceber-se que a artéria estava inundada, o condutor do táxi da autora tentou passar. Porém, a água entrou rapidamente para o motor do veículo da autora, deixando por isso o motorista incapacitado para evitar as águas e sair do local e tendo provocado que o motor do veículo se desligasse de imediato (quesitos 13°, 14° e 15°).
7. O condutor do táxi da autora nem sequer conseguiu voltar a pôr o motor do veículo a funcionar. Com efeito, quando o nível da água baixou o táxi da autora não voltou a circular pelos seus próprios meios, pelo que teve de ser rebocado até à garagem onde ficou guardado (quesitos 16° e 17°).
8. Em resultado do acidente sub judice, o veículo da autora sofreu danos, designadamente: na junta carter, junta cabeça, filtro ar, filtro de óleo, injectoras e motor de arranque (quesito 19°).
9. O custo da reparação do veículo da autora, de acordo com o orçamento elaborado pela oficina B…, Lda., e a oficina C…, Lda., importava em Esc. 319.566$00+Esc. 155.668$00 (quesito 20°).
10. A autora despendeu o montante de Esc. 475.234$00, com a reparação do veículo (quesito 21°).
11. Para permitir tal reparação o veículo da autora esteve imobilizado durante 15 dias (quesito 22°).
12. A autora fazia um apuro ilíquido (bruto) médio diário de 12.000$00 com a exploração do seu táxi (quesito 23°).
13. O réu efectua de modo regular, através da Direcção Municipal de Infra-Estruturas e Saneamento, especialmente através do seu departamento de Saneamento, a fiscalização, conservação e manutenção das vias públicas, quer no que se refere aos pavimentos, quer no que se refere às redes de colectores de esgoto (quesito 24°).
14. Tal fiscalização, conservação e manutenção dos pavimentos e rede de colectores de esgoto efectua-se por duas formas diferentes: pela observação "in loco" feita pelos fiscais das anomalias e na sequência das denúncias feitas pelos particulares ou outras entidades, nomeadamente autoridades policiais (quesito 25°).
15. Tanto num caso como noutro, quando se verificam anomalias, os fiscais procedem de imediato à sua sinalização e reparação (quesito 26°).
16. A Informação n.º 543/00 da Câmara Municipal de Lisboa, Departamento de Saneamento, a qual tem por assunto, "Cheias que tiveram lugar no túnel do Campo Pequeno no dia 02. 11. 1997 causando danos no veículo táxi com a matrícula ...-...-...",foi prestada no dia 31.03.2000 e é do seguinte teor:
Ex.mo Senhor Director,
As inundações tiveram origem em chuvadas anormais na cidade de Lisboa, factor incontrolável pelos Serviços do Departamento de Saneamento.
A Brigada de Colectores tem vindo a desenvolver um trabalho de limpeza e desobstrução de colectores, sarjetas e sumidouros não tendo havido até à data das inundações qualquer problema de funcionamento dos colectores neste local.
Deste modo não deverão ser imputadas responsabilidades à C.M.L. pelo que se julga de enviar este processo ao Departamento Jurídico para análise e parecer.
Esta informação surgiu na sequência de despacho de 15.03.2000 do Director do Departamento de Saneamento do seguinte teor: "Já lá vão mais de dois anos sobre os acontecimentos relatados. Rebuscar nos nossos...

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