Acórdão nº 0361/20.5BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13-12-2023

Data de Julgamento13 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão0361/20.5BELLE
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “A... LLC” - inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 21 de Fevereiro de 2022, que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa que havia apresentado contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º ...34 e de juros compensatórios n.º ...47, efectuados pela Autoridade Tributária e referentes ao ano 2017, no seguimento de correcções aritméticas efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro - interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões:

«A. A Recorrente é uma entidade não-residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo sedeada no estado de ..., ..., que não tendo apresentado a declaração modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2017, foi sujeita a uma ação inspetiva tributária, interna e de âmbito parcial, promovida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro, Divisão DPIT 3, Equipa 11, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...11.

B. De acordo com as conclusões dessa ação de inspeção, deveriam ser promovidas, em sede de IRC, exercício fiscal de 2017, e em virtude de mais-valias imobiliárias realizadas, correções à matéria tributável da Recorrente, de natureza meramente aritmética, no valor de € 4.773.206,00.

C. No seguimento disto, com data de 15 de Outubro de 2018, foi emitida, em nome da Recorrente, a liquidação de IRC n.º ...34, a que corresponde o documento n.º ...30, no valor total a pagar de € 1.245.479,83, incluindo juros compensatórios no valor de € 52.178,33, conforme liquidação n.º ...47.

D. Visando obter a anulação destas liquidações, a Recorrente apresentou um procedimento tributário de reclamação graciosa, que correu termos junto da Direção de Finanças de Faro, sob o n.º 1066201904000684, tendo o mesmo sido parcialmente deferida.

E. Em sequência, foi elaborado, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a declaração n.º ...3, de 16 de Janeiro de 2020, em nome da Recorrente, apurando-se o valor de IRC de € 1.028.550,28, acrescido de juros compensatórios no valor de € 44.974,41.

F. Subjacente a estas liquidações de IRC/2017 e juros compensatórios estão as mais-valias derivadas da venda de um imóvel pela Recorrente, identificado como prédio urbano destinado a construção, denominado “Lote n.º ...0 - Loteamento ...”, sito na ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo n.º ...20, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...10.

G. Este prédio havia sido adquirido pela Recorrente à sociedade B... Limited, titular do NIPC ...10, em 26 de novembro de 2009, pelo valor declarado de € 238.000,00, através de escrito denominado “título de compra e venda”.

H. Em 31 de maio de 2017, a Recorrente alienou à sociedade C..., LLC, titular do NIPC ...23, pelo valor de € 5.050.000,00, através de escritura pública de compra e venda, o sobredito prédio urbano.

I. A Recorrente instaurou contra a sociedade B... Limited uma acção cível de processo comum, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro - Juiz 2, sob o n.º 888/20.9T8FAR, peticionando, a final, que “(…) [se determine] que o preço do contrato de compra e venda do prédio urbano composto por lote de terreno para construção - lote ...0 Loteamento ..., sito na ..., na Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...10, da referida Freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20 foi de 3.194.724 euros”.

J. A título principal, a Recorrente pediu a suspensão da presente impugnação judicial, dada a relação de prejudicialidade existente, e até que houvesse uma decisão transitada em julgado, com a ação cível de processo comum melhor identificada supra, na qual foi peticionado que o valor do contrato de aquisição celebrado em 26 de novembro de 2009, fosse fixado no montante de € 3.194.724,00,

K. E sem conceder, subsidiariamente, e pela ordem apresentada, defendeu a Recorrente a anulação da liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício fiscal de 2017, titulada pelo n.º ...34, e inerente liquidação oficiosa de juros compensatórios, titulada pelo n.º ...47.

L. Sucede que o Douto Tribunal a quo não o considerou assim, pelo que, e para restabelecimento da legalidade aplicável ao caso concreto, foi o presente recurso aqui submetido pela Recorrente.

M. Nesta medida, o Douto Tribunal a quo recusou a suspensão da presente instância sustentando: “Qualquer valor que por transação ou ganho de causa a Recorrente venha a obter na ação cível indicada como prejudicante da presente, não poderá relevar para efeitos de consideração, por tal não estar previsto na fórmula de cálculo utilizada, e bem.”.

N. E que, por outro lado: “Bem como, atento a fase processual do processo cível, adquirida, oficiosamente, pelo Tribunal, em Novembro passado próximo, aguardava-se a citação da Ré, pressupondo-se, por tal, a não verificação do n.º 2 do preceito do Código de Processo Civil que vem a ser referido.”.

O. Quanto a este primeiro vício, a Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo padece de vários erros de direito que urge analisar-se, começando pelo facto de negar a suspensão da instância, de forma simplista e à revelia do princípio da capacidade contributiva assente na tributação pelo lucro real.

P. Efetivamente, esta negação da suspensão deriva de uma interpretação do valor de aquisição ínsito no artigo 46.º, n.1, do Código do IMT que esvazia frontalmente o princípio da tributação pelo lucro real ínsito no artigo 104.º, n.2, da Constituição da República Portuguesa, enquanto medida da capacidade contributiva da Recorrente, já que o Douto Tribunal a quo não atribui qualquer relevância fiscal ao verdadeiro valor de aquisição, baseando-se apenas no valor declarado, mesmo que não tenha sido determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

Q. Por outro lado, a remissão para as regras de IMT não é uma operação automática, destituída de uma hermenêutica sistemática, tal como defendeu a própria Recorrida, no seu Código de IRS comentado e anotado, página 180, ano de 1990, quando enuncia em comentário ao artigo 44.º do Código do IRS, atual artigo 46.º, que: “Os números 1 e 2 deste artigo, mais uma vez, fazem apelo às regras constantes noutro código fiscal – o da SISA, uma vez que está em causa a aquisição, a título oneroso, de bens imóveis.”.

R. A referida ação civil visa precisamente fixar o real valor de aquisição para que o cálculo fiscal seja feito tendo por base a verdade material e a efetiva capacidade contributiva da Recorrente, e nunca antes tendo por base um negócio simulado e um valor de aquisição fictício.

S. Deste modo, a posição defendida pelo Douto Tribunal a quo é totalmente incompreensível, porquanto significa que a verdade material deixa de ser um critério interpretativo a seguir na tributação do rendimento, o que não é aceitável.

T. De facto, subjaz à posição do mesmo que a Justiça no caso sub judice deve ignorar a verdade, e deve antes aceitar o valor simulado para, com isso, exigir-se imposto a quem não o deve de todo.

U. Ora, um Estado de Direito não pode permitir que sejam exigidos impostos baseados em factos simulados.

V. Além que não cabe ao Direito Fiscal substituir-se ao Direito Penal e aos seus mecanismos de ação e repressão penais.

W. Em suma, uma ilegalidade não pode ser “corrigida” com a prática de uma outra ilegalidade.

X. Sob pena de contender com diversos princípios tributários, como sejam, o da capacidade contributiva inerente à tributação assente no lucro real, o da verdade material e o do inquisitório.

Y. Como sublinhou o Tribunal Constitucional, no seu Douto Acórdão nº 211/2017, de 2 de maio de 2017: “estas exigências constitucionais não podem deixar de ser observadas nas normas de incidência tributária, configurando-se como princípios-garantia dos contribuintes. É que, na definição da incidência do imposto, a determinação da matéria coletável constitui um elemento essencial da relação jurídico-fiscal, quantificando a obrigação tributária e, assim, a medida do imposto devido. Deste modo, o legislador não pode fixar a medida do imposto sem atender à capacidade revelada pelo seu devedor.”.

Z. Deste modo, considera a Recorrente que a interpretação adotada pelo Douto Tribunal a quo de que a suspensão da instância não poderia ser decretada porquanto o artigo 46.º do Código do IRS apenas considera relevante o valor que tenha servido para efeitos de liquidação de IMT é uma interpretação que padece de um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, sendo, nessa medida, ilegal e, em última instância, inconstitucional.

AA. Quanto ao fundamento jurídico de não aplicação do regime da suspensão da instância ínsito no artigo 272.º do CPC assente no facto de “atento a fase processual do processo cível, adquirida, oficiosamente, pelo Tribunal, em Novembro passado próximo, aguardava-se a citação da Ré, pressupondo-se, por tal, a não verificação do n.º 2 do preceito do Código de Processo Civil que vem a ser referido.”, o mesmo é claramente ilegal.

BB. De facto, estipula o n.2 daquele preceito legal que: “Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”.

CC. Ora, conforme se afere de imediato, o facto de a citação da Ré ainda não ter operado não consubstancia um fator impeditivo da aplicação deste regime de suspensão.

DD. Neste sentido, o Tribunal a quo deveria ter ordenada a suspensão, porquanto a decisão desta impugnação...

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