Acórdão nº 0351/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26-05-2010

Data de Julgamento26 Maio 2010
Número Acordão0351/10
Ano2010
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. FUNDAMENTAÇÃO
1.1. A…, devidamente identificado nos autos, propôs, no TAC de Lisboa, acção declarativa de condenação, contra o Município de Cascais, para efectivação da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos de gestão pública deste, na qual pediu a sua condenação no montante de 9 973 721$00 (49748,71€), acrescida dos respectivos juros de mora, pelos danos que alegou terem-lhe sido provocados por inundações ocorridas na sua casa nos dias 9 e 10 de Março de 1999, que imputou a deficiente funcionamento do sistema público de saneamento que servia essa casa.
Por sentença de 25.10.2009, foi a acção julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar-lhe a quantia de 4 678,18 €, acrescida do valor que se vier a apurar em execução de sentença referente aos bens pessoais e mobiliário danificados, bem como pela perda no valor da venda da casa caso esta tivesse sido reparada dos danos decorrentes da inundação, acrescida de juros de mora calculados sobre o montante liquidado, à taxa legal supletiva, desde a citação até integra e efectivo pagamento.
Com ela se não conformando, o Réu interpôs o presente recurso para este STA, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1.ª) - Da matéria de facto dada como provada, não resulta que a inundação da casa do autor tenha resultado do sistema de saneamento público.
2.ª) - Da factualidade dada como provada, resulta somente que na nos dias 9 e 10 de Março de 1999, o autor se deparou com o chão de toda a casa inundado de dejectos.
3.ª) - E que esta situação lhe acarretou prejuízos vários;
4.ª) - Desconhece-se em absoluto a causa das inundações,
5.ª) - Pelo que não se impunha à entidade demandada elidir a presunção de culpa que sobre a mesma recairia, se se tivesse demonstrado que a inundação ocorrida teve a origem no sistema de saneamento público.
6.ª) - Não se sabe se a inundação teve origem no funcionamento do sistema de esgotos do prédio, ou no sistema de saneamento público.
7.ª) - Concluir que, não tendo a entidade demandada provado que fiscalizava, vigiava e efectuava com regularidade a manutenção dos sistemas de saneamento básico público, é a mesma responsável pelos danos causados pela inundação, carece em absoluto de suporte factual e consequentemente legal.
8.ª) - Pelo que, ao decidir, como decidiu a douta sentença recorrida, enferma de erro de julgamento, violando como já se disse as disposições legais contidas no decreto-lei nº 48.051 de 21 de Novembro de 1967, bem como o disposto no artigo 483° do Código Civil, impondo-se desta forma a sua revogação.
1. 2. O Autor, ora recorrido, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.ª) - Ao apresentar o presente recurso, cuja falta de fundamento não ignora, o Recorrente está a fazer do processo um uso manifestamente reprovável para, mais uma vez, entorpecer a acção da justiça, protelando, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão condenatória, o que o qualifica como litigante de má fé, nos termos do art. 456°, n.º 2, al. a), do CPC.
2.ª) - O ora Recorrente, na sua, aliás, douta, contestação, assumiu, de forma bem clara, e não por mera cautela de patrocínio, que as inundações resultaram de problemas de construção e manutenção do sistema de saneamento básico público.
3.ª) - O ora Recorrente tomou mesmo medidas para reparar o sistema de saneamento básico público e evitar a repetição das inundações, tendo inclusivamente mandado remodelar o colector, baixando a respectiva cota, numa extensão de 50 metros (cfr. Relatório Pericial, a fls... dos autos), o que constitui prova mais do que suficiente de que sabia perfeitamente, e assumiu, que as inundações resultaram do mau funcionamento desse sistema básico de saneamento.
4.ª) - A admissão deste facto pelo ora Recorrente é mesmo anterior à sua contestação, pois desde a primeira reclamação do A. e dos seus vizinhos que o ora Recorrente sempre assumiu que a origem das inundações estava no sistema de saneamento público.
5.ª) - Este facto foi, assim, claramente admitido e confessado (art° 352º e sgts. do Código Civil) pelo Recorrente.
6.ª) - Como decorre dos arts. 659º, nº 3, e 646º, nº 4, ambos do CPC, a sentença pode basear-se nos factos admitidos por acordo ou provados por documento, ainda que não especificados.
7.ª) - Pelo que, apesar de o facto aqui em questão não ter sido levado à especificação, por ter sido admitido por ambas as partes, provado por documentos e confessado pelo Recorrente tinha necessariamente de ser tido em conta na decisão final, como muito bem fez o Meritíssimo Juiz.
8.ª) - Sem prescindir, devem considerar-se resolvidas pela sentença tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados os termos da causa, constituírem pressupostos ou consequência necessárias do julgamento expressamente proferido.
9.ª) - Quer isto dizer que se consideram resolvidas pela sentença também as questões que, por interpretação dela, deva entender-se que foram resolvidas, isto é, sejam tais que dos próprios termos da causa resulte que não podia resolver-se o que expressamente se resolveu sem igualmente se resolverem essas outras questões.
10.ª) - Portanto, a decisão de que o ora Recorrente é responsável pelos prejuízos causados ao Recorrido pressupõe necessariamente a decisão sobre a aludida questão prejudicial da origem das inundações, que, assim, ficou também resolvida na sentença.
11.ª) - Continuando sem prescindir, conforme estipula o n° 2 do art° 514° do CPC, não carecem de alegação os factos de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
12.ª) - Tratando-se de factos conhecidos do Tribunal, noutro ou no próprio processo, nem as partes precisam de os alegar, nem o Tribunal está inibido de os tomar em consideração para proferir a decisão.
13.ª) - No presente processo, dúvidas não subsistem de que a causa das inundações na casa dos autos foi o mau funcionamento do sistema de saneamento básico público, pois tal facto foi confessado pelo ora Recorrente e está documentalmente provado no processo de forma clara e inequívoca.
14.ª) - Conhecendo este facto, o Tribunal podia e devia considerá-lo, como o fez.
15.ª) - Ainda sem prescindir, entendem os AA., ora Recorridos, que é manifestamente abusiva a invocação da inexistência de prova sobre a causa das inundações dos autos, feita, sem qualquer escrúpulo, pelo Recorrente.
16.ª) - Nos termos do art. 334° do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
17.ª) - Há abuso de direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado, como sucedeu no caso dos autos.
18.ª) - Quem abusa do seu direito utiliza-o fora das condições em que a lei o permite e o efeito deve ser, portanto, o que resultaria do exercício de um direito só aparente, isto é, falta de direito.
19.ª) - O ora Recorrente, ao vir agora invocar, como fundamento do seu recurso, a inexistência de prova sobre a causa das inundações, em manifesta contradição com a sua conduta anterior em que assumiu e confessou claramente que o problema foi do sistema de saneamento básico público, está a abusar manifestamente do seu direito de invocar este alegado erro de julgamento, tomando, assim, ilegítimo o exercício de tal direito.
20.ª) - Ainda que o problema das inundações tivesse a sua origem num problema de construção dos esgotos do prédio - o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona - a responsabilidade do Recorrente manter-se-ia.
21.ª) - Isto porque foi ao Recorrente que coube a aprovação e licenciamento do projecto do prédio dos autos, incluindo do respectivo sistema de esgotos, bem como a fiscalização da sua construção e a emissão da respectiva licença de utilização, nos termos do disposto no Regulamento Geral das Edificações Urbanas e demais legislação aplicável.
22.ª) - Pelo que, se o respectivo sistema de esgotos não foi edificado como devia, a responsabilidade pelos prejuízos daí decorrentes para o Recorrido pertence ao Recorrente.
23.ª) - A douta sentença não enferma, assim, de qualquer erro de julgamento pois não viola nenhuma disposição legal, designadamente as contidas no Decreto-lei nº 48.051 de 21 de Novembro de 1967, ou o disposto no artigo 483° do Código Civil.
1. 3. O Excelentíssimo...

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