Acórdão nº 03478/14.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22-01-2021

Data de Julgamento22 Janeiro 2021
Número Acordão03478/14.1BEPRT
Ano2021
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

O ABRIGO NOSSA SENHORA DA ESPERANÇA, pessoa coletiva sem fins lucrativos, com sede no Porto (devidamente identificada nos autos), autor na ação administrativa especial que instaurou em 22/12/2014 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o MUNICÍPIO DE (...) – na qual impugnou os despachos de 22/05/2013 e de 03/01/2014, atinentes à demolição levada a cabo pelo réu Município em prédio urbano pertença da autora, peticionando a sua declaração de nulidade ou anulação bem como a declaração de ineficácia do despacho de 22/05/2013 em relação à autora e a declaração de nulidade da operação material de demolição, por inexistência de situação de estado de necessidade administrativa – inconformada com a sentença datada de 05/02/2016 (fls. 118 SITAF) que julgou a ação improcedente absolvendo o réu do pedido, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 187 SITAF), formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:

1) Vem o presente recurso interposto da sentença, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por juiz singular, que julgou "(...) a acção totalmente improcedente, por totalmente não provada, e, em consequência, mantenho na ordem jurídica os atos administrativos impugnados, absolvendo ainda o R. dos pedidos." - (Cfr. com sentença recorrida). Salvo o devido e merecido respeito, não partilhamos do mesmo entendimento.
2) Não pode, todavia, e salvo o devido respeito, a apelante conformar-se com a decisão do tribunal a quo, insurgindo-se contra os seguintes pontos: a) Apreciação e interpretação da matéria de facto dada como provada e b) Aplicação do direito à matéria de facto dada como provada.
3) A questão essencial do presente recurso prende-se com a correta interpretação e aplicação dos artigos 89º, 90º, 91º e 108º do RJUE à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
4) A fls. 16 da sentença ora posta em crise, de forma a estribar a sua decisão, o Tribunal “a quo”, quanto à alegada ineficácia do despacho proferido pelo Vereador do Pelouro da Proteção Civil Fiscalização e Juventude, por falta de notificação, vem dizer: "Volvendo ao caso vertente, resulta da matéria de facto assente que em 20/06/2013 foi emitido o ofício com o n.° I/111365/13/CM_ pelo Departamento Municipal de Proteção Civil do ora R., dirigido à aqui A., por mera carta simples, com a junção da informação técnica n.° I/55825/13/CM_ e respectivos despachos de concordância e ratificação (cfr. ponto 11. do probatório). Todavia, pretendendo-se assegurar aos interessados um conhecimento pessoal e formal dos actos administrativos, importa garantir que essa diligencia ou formalidade procedimental se encontre documentada no respetivo processo, não só através de cópia do ofício remetido, bem como, do comprovativo dessa remessa ou entrega, o que dos autos não resulta, uma vez que apenas é feita menção no processo administrativo do seu envio por carta simples, não registada (refira-se que o respetivo talão de registo serviria de prova em que a mesma foi enviada e em que data, podendo presumir-se que o serviços postais entregariam nos prazos normais a correspondência expedida). Ou seja, não resulta da matéria de facto assente em juízo que a A. tenha sido notificada do sobredito ofício, eventualmente remetido para a mesma, sendo que, não procede sequer outra data de notificação ou do conhecimento dos despachos cuja falta de notificação a Impetrante alega, desconhecendo-se porque não constante dos autos e processo administrativo, a data em que a A. teve conhecimento dos despachos cuja falta de notificação alega, e com razão, face ao que se extrai dos autos. (...) Nesta medida, tendo a presente ação administrativa especial por objeto a declaração de nulidade ou anulação dos atos impugnados, não pode proceder o vício ora em causa, o qual não atinge a validade desses mesmos atos mas tão só a sua eficácia." - (Cfr. com decisão recorrida, sublinhado nosso).
5) Determina o artigo 54º, n.º 1 do CPTA que, "Os atos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzam efeitos." Esclarecendo o n.º 2, alínea a) do referido normativo que, "O disposto no número anterior não exclui a faculdade de impugnação de atos que não tenham começado a produzir efeitos jurídicos quando: Tenha sido desencadeada a sua execução;"
6) Com a presente ação visou-se a anulação do ato administrativo que manteve o despacho de cobrança praticado pelo chefe de Divisão Municipal da Receita em 03-01-2014, e comunicado à Autora pelo ofício com a seguinte referência “I/225378/13/CM_” de acordo com o qual a Câmara Municipal do Porto através de carta registada notificou a Autora, nos termos do artigo 108º do RGEU para que esta procedesse ao pagamento do montante de 18 070, 93 € (dezoito mil e setenta euros e noventa e três cêntimos) no prazo de 20 dias contados partir da recepção daquela notificação. - (Cfr. com documentos juntos aos autos sob os n.ºs 1, 2 e 3 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos).
7) Bem como aqueles que o precederam, designadamente, o despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Proteção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22 de Maio de 2013, no uso de competência delegada pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, o despacho proferido pelo Diretor do Departamento Municipal de Proteção Civil, a 04 de Abril de 2013, e o despacho proferido pelo Sr. Comandante a 08 de Abril de 2013. - (cfr. com documentos juntos aos autos sob os n.ºs 1, 2 e 3 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos).
8) Determina o artigo 89º n.º 2 do RJUE sob a epigrafe "Obras de Conservação" que: "Sem prejuízo do disposto no número anterior, a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético." Determinando o n.º 3 do artigo 89º do referido normativo que: "A câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas." Impondo o n.º 4 do artigo 89º do RJUE que, "Os actos referidos nos números anteriores são eficazes a partir da sua notificação ao proprietário."
9) Nos termos do disposto no art. 89º, n.º 2, do RJUE – como, aliás, sucedia ao abrigo do disposto no art. 10º do RGEU - as câmaras municipais devem ordenar a execução das obras necessárias para corrigir as más condições de segurança ou salubridade, com a faculdade de se substituírem aos proprietários, a expensas destes, e sem recurso aos tribunais, em caso de incumprimento das intimações (art. 91º). Isto, de resto, em sintonia com a genérica prerrogativa de substituição coactiva para cumprimento das obrigações que resultem do acto administrativo (art.149º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo).
10) O artigo 89.º do RJUE versa sobre as competências que são atribuídas à Administração Municipal no âmbito do dever de conservação do património edificado, reconhecendo-lhe o poder de ordenar a realização das obras de conservação necessárias, seja no âmbito das obras de conservação que devem ser efetuadas em todos os edifícios, pelo menos, uma vez por cada período de 8 anos (n.º1/89.º), seja no âmbito das obras necessárias à correção de más condições de segurança e salubridade (n.º2/89.º).
11) A obrigação de executar as obras de conservação necessárias à reposição da segurança e salubridade do imóvel, ordenadas pela Administração Municipal ao abrigo do artigo 89.º, n.º 2 do RJUE são da responsabilidade do proprietário, por se tratar de uma obrigação propter rem ou ob rem.
12) Comprovada a existência de uma alegada situação de degradação de um imóvel que afete o interesse público da segurança e da salubridade, impende sobre a Administração Municipal a obrigação de ordenar a realização das obras destinadas a estancar essa situação.
13) Para além dos dois tipos de obras de conservação, ordinária e extraordinária, o artigo 89º, n.º 3 do RJUE determina ainda a possibilidade de a Câmara Municipal ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.
14) A nossa legislação não diz expressamente o que deve entender-se por "ruína" apenas fornecendo em legislação avulsa a definição de "estado limite da estrutura" (artigo 4.1 do Regulamento de Segurança e Acções para estruturas de edifícios e pontes, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 235/83 de 31 de Maio), nos seguintes termos: "entende-se por estado limite um estado a partir do qual se considera a estrutura fica prejudicada total ou parcialmente na sua capacidade para desempenhar as funções que lhe são atribuídas."
15) É punível com contraordenação a não conclusão das operações urbanísticas referidas no n.º 2 e 3 do artigo 89º nos prazos fixados para o efeito, nos termos da alínea s) do n.º 1 do 98º do RJUE.
16) Naturalmente como decorre do n.º 4 do artigo 89º do RJUE apenas após a notificação ao particular dos actos emanados ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 89º do RJUE que definam um prazo razoável para o seu cumprimento é que se poderá afirmar a oponibilidade destes ao particular. - Neste sentido vide, RJUE Comentado, Paula Oliveira, Fernanda, Editora Almedina, 3ª Edição, páginas 604 e 605.
17) Determina o artigo 91º, n.º 1 do RJUE que, "Quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89º ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, pode a câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar...

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