Acórdão nº 0346/15.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04-10-2018

Judgment Date04 October 2018
Acordao Number0346/15.3BALSB
Year2018
CourtSupreme Administrative Court (Portugal)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Município de Lisboa (ML), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do TAC de Lisboa, de 08.07.14, que julgou parcialmente procedente, por provada, a acção declarativa de condenação com processo ordinário que A………. e outros, ora recorridos e igualmente identificados nos autos, moveram contra o ML, peticionando a sua condenação no pagamento de indemnizações pecuniárias, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em decorrência de obra executada em terreno contíguo ao prédio em que eram proprietários de várias fracções.

2. O ML, ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 2188 a 2195):

“1. Da fundamentação da sentença proferida no Processo nº 45/2002 decorre que a B……… SA, para além de não estar habilitada tecnicamente à execução da referida obra, iniciou-a pelo menos dois meses antes de ter sido emitida a respectiva licença;

2. A referida escavação exigia particular cuidado decorrente do facto de a retirada de terras poder provocar movimentos no prédio dos Autores e a Ré B…….. através dos seus agentes ou representantes, não utilizou a diligência devida;

3. Mais resultou provado que a Ré B………, através dos seus agentes e representantes, agiu de forma negligente e imprevidente e contra ou em desrespeito das mais elementares regras de arte, de técnica, de segurança e de cuidado que no caso se impunham e a que estavam obrigados, e que se tivessem tomado teriam evitado o desmoronamento do prédio;

4. Neste quadro, a Ré B………… foi condenada;

5. A decisão agora posta em crise voltou a condenar pelos mesmos factos;

6. Ora, a primeira decisão, ou seja, a decisão proferida no Processo nº 45/2002, impõe-se a esta por força da autoridade do caso julgado;

7. De facto, a autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade;

8. Ao decidir como decidiu a douta decisão sob recurso violou frontalmente os artigos 619º e 621º do CPC;

9. Sustenta a sentença em crise que pese embora os pedidos serem inteiramente coincidentes em ambas as acções, quer quanto à natureza dos danos, quer quanto às quantias peticionadas, os AA. e intervenientes estariam legalmente impedidos por força da distribuição de competências entre as duas ordens jurisdicionais de demandar o aqui Recorrente conjuntamente com os RR. na acção cível;

10. Ora, tal afirmação não corresponde minimamente à verdade, tanto mais que o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 28.11.2007 (Processo nº 06/07) sufragou jurisprudência inteiramente contrária;

11. Deste modo, e nesta perspectiva, a sentença recorrida andou mal e merece ser revogada;

12. Resulta da sentença sob recurso que em 27 de Agosto de 1998 a B……… apresentou um pedido de autorização para o início dos trabalhos de escavação;

13. Para além de outros elementos, este pedido foi acompanhado de termo de responsabilidade;

14. Este pedido deu entrada cerca de seis meses antes da aprovação do projecto de arquitectura, que só viria a ocorrer em 8 de Fevereiro de 1999;

15. A licença para escavações foi emitida em 21 de Abril de 1999 e, por conseguinte, após a aprovação do projecto de arquitectura;

16. Sucede, porém, que a B……… iniciou os trabalhos de escavação dois meses antes desta mesma licença, ou seja, por volta de Fevereiro de 1999;

17. Acresce que conforme se retira do facto assente em 14) o pedido para início dos trabalhos de escavação foi acompanhado, para além do termo de responsabilidade subscrito pela empresa e técnicos responsáveis, por projecto de contenção periférica provisória por parede de Berlim;

18. Estabelece o nº 5 do artigo 6º do DL nº 250/94 que as declarações de responsabilidade dos autores dos projectos das especialidades – como é o caso do projecto de escavações – constituem garantias bastantes do estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, dispensando a sua verificação prévia pelos serviços camarários;

19. In casu, foi a B………..que iniciou as escavações sem que para tanto estivesse munida do respectivo licenciamento, ou seja, não foi a actuação dos serviços camarários a causadora da derrocada do prédio;

20. O prédio não ruiu em consequência das condições em que foi aprovado o respectivo projecto de arquitectura e de contenção periférica nem por causa dos alegados erros, omissões ou deficiências destes;

21. Bem como não ruiu pelo facto de a obra não ter sido embargada;

22. Ainda que a sentença sob recurso acolha a existência de responsabilidade da B………., não deixa de imputar responsabilidades ao ora Recorrente, embora de uma forma um pouco contraditória;

23. Na verdade entende, por um lado, que no caso em apreço não houve comparticipação directa do Réu Município nos factos praticados pela B………. e, por outro, que o Réu Município comparticipou ou colaborou na produção do dano, pois os seus actos (e omissões ilícitas), quer no âmbito do licenciamento das referidas obras de escavação e de contenção periférica, quer no âmbito de fiscalização das mesmas, foram, eles próprios causa do dano;

24. Ora, tal afirmação não pode ser sufragada e, para tanto, bastaria que a sentença atentasse no disposto no nº 5 do artigo 6º do DL nº 250/94;

25. Ao não fazê-lo, violou esta norma legal;

26. No caso em análise, o deferimento do projecto de escavações, quando foi notificado à B………., já esta havia, por sua conta e risco, iniciado essas mesmas escavações que, por sinal, deram origem à ruína e consequente demolição do prédio;

27. De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 20º e 21º do DL 445/91, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 250/94, as obras apenas podem ser iniciadas após a obtenção do respectivo alvará de licença de construção;

28. No que se reporta às escavações, a autorização a que se reporta o artigo 18º daquele diploma legal, apenas é possível após a aprovação do projecto de arquitectura, mediante a apreciação do projecto de estabilidade ou de escavação e contenção periférica, só podendo, no entanto, essas obras terem início após a notificação dos deferimentos desses pedidos;

29. Ora, pese embora a B………. ter apresentado pedido para início dos trabalhos de escavação, não consta que essa autorização lhe tenha sido dada pelo Recorrente;

30. Deste modo, tendo a ruína e consequente demolição do prédio tido origem única e directa nessas mesmas escavações, conforme profusamente salienta a decisão sob recurso, e não tendo essa autorização sido emitida, bem sabia a B………. que não podia e/ou devia ter iniciado essas mesmas escavações;

31. Ou seja, para além das escavações terem sido levadas a cabo sem que para tal a B………. estivesse autorizada – o que só por si afasta o nexo de causalidade – a ruína do prédio não pode ser considerada como consequência directa de qualquer actuação ilícita ou culposa por parte do ora Recorrente;

32. Falta, por conseguinte, o nexo de causalidade entre o facto e o dano;

33. Ao entender de forma diversa, a douta decisão em crise violou, por errada interpretação, o artigo 483º nº 1 do Código Civil;

34. A douta decisão sob recurso sustenta que “Da matéria de facto acima resumida e da demais matéria exaustivamente enunciada no ponto 2. da presente sentença, resulta provado inequivocamente que a ruína do prédio sito no n.º 13 da Rua ……… foi directamente causada pelas obras de escavação e contenção levadas a cabo pela B………. no terreno confinante”.

35. Face a esta afirmação, esperar-se-ia a não condenação do ora Recorrente; Mas, por ser solvente, viria a sê-lo;

36. Ora, neste segmento, a sentença patenteia uma manifesta contradição entre os seus fundamentos e a conclusão/decisão que veio a tirar;

37. Em clara violação da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

TERMOS EM QUE
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão em crise, assim se fazendo inteira JUSTIÇA

3. Os AA., ora recorridos, apresentaram alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 2202 a 2212):

1ª - Como resulta expressamente do disposto no nº 1 do artigo 619º do CPC, para que o caso julgado se imponha fora do processo, vinculando o juiz e as partes, é indispensável que concorram os requisitos do artigo 581º do CPC, isto é, que entre a acção em que se formou o caso julgado e a acção em que se pretende fazer projectar a sua eficácia se verifiquem as três identidades previstas no artigo citado, a saber, sujeitos, pedido e causa de pedir;

2ª - Entre a presente acção e a que correu termos na 7ª Vara Cível de Lisboa sob o Procº nº 45/2002 não existe identidade de sujeitos, já que os RR. naquela acção nada têm a ver com a presente acção, ou seja, não figuram aqui seja em que qualidade for, sendo certo que o aqui R. Município de Lisboa não foi parte na acção que correu termos na 7ª Vara Cível de Lisboa, pelo que esta manifesta e inequívoca falta de identidade de sujeitos é suficiente, face ao disposto nos artigos 580º e 581º do CPC (ex - artigos 497º e 498º), para que não se verifique na situação em apreço violação do princípio do caso julgado;

3ª - Por outro lado, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a douta sentença recorrida também não ofendeu a autoridade do caso julgado decorrente da sentença proferida na 7ª Vara Cível de Lisboa;

4ª - Com efeito, a autoridade do caso julgado visa salvaguardar a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais e o prestígio dos tribunais;

5ª - Ora, no caso em apreço, não ocorre inconveniência ou risco de serem proferidas decisões de mérito diversas por tribunais distintos, desde logo porque a...

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