Acórdão nº 033881 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18-04-2002

Data de Julgamento18 Abril 2002
Número Acordão033881
Ano2002
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo,
I. Relatório
A ..., identificado nos autos, interpôs recurso para este pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Acórdão da Subsecção, de 5 de Abril de 2001 (fls. 104 a 114), que negou provimento ao recurso contencioso por ele interposto contra o despacho de 23 de Novembro de 1993 do Ministro da Justiça que, na sequência de processo disciplinar, lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva.
O recorrente apresentou a alegação de fls. 129 a 144, no termo do qual formulou as seguintes conclusões:
“1 ° O Acórdão Recorrido de 5/4/01 entendeu que tinham sido dados como provados os factos que foram imputados ao então arguido A ... e ora Recorrente por parte da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais através da Nota de Culpa de 16/10/91;
2° De acordo com a referida Nota de Culpa, o então arguido, enquanto guarda prisional em serviço no Estabelecimento Prisional do Linhó, em síntese, teria aceite dinheiro e bebidas alcoólicas por parte da mãe de um recluso, o recluso B..., para, em troca, conceder-lhe um regime prisional mais favorável;
3º Porém, a prova produzida no processo disciplinar instaurado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais ao então arguido guarda A ... e ora Recorrente, não foi nem suficiente nem esclarecedora no sentido de demonstrar que o arguido teria aceite a recepção de dinheiro e bebidas alcoólicas para concessão de um regime prisional mais favorável ao recluso B...;
4° Com efeito, os depoimentos prestados no processo disciplinar pelos reclusos C..., e D..., provaram que existia uma dívida contraída pelo recluso B... perante aqueles reclusos e ainda perante o recluso E...
5° E para pagamento dessas dívidas, a mãe do recluso B... entregou dois cheques no valor de 50 contos ao ora Recorrente, a fim de este se encarregar de pagar aos citados reclusos o dinheiro que lhes era devido pelo recluso B..., o que foi feito;
6° Não se provou assim que o então arguido e ora Recorrente tenha utilizado tal dinheiro em beneficio próprio;
7° Também não se provou que alguma vez a mãe do recluso B... tenha entregue ao então arguido e ora Recorrente quaisquer garrafas ou garrafões de whisky;
8° E que, as únicas pessoas que poderiam testemunhar a entrega de bebidas alcoólicas ao ora Recorrente foram, de acordo com a própria mãe do recluso B..., os senhores G... e H...;
9° Acontece que, no seguimento de um parecer da Auditoria Jurídica do Ministério da Justiça de 21/10/92, o qual apontava várias deficiências à acusação formulada pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, sendo necessário, segundo o referido parecer, realizar mais diligências de prova, o Sr. Instrutor procedeu à audição do senhor G..., tendo este afirmado que, numa única deslocação à casa do guarda A ..., não tinha testemunhado a recepção de quaisquer bebidas alcoólicas por parte deste, dada a sua ausência de casa;
10° No entanto, esta última testemunha declarou que tinha conhecimento que teria havido tais entregas e que elas teriam sido presenciadas pelo seu irmão H...;
11º Acresce que, no seguimento do citado parecer, o Sr. Instrutor procedeu a uma acareação entre os dois reclusos C... e D..., da qual resultou a confirmação de que o guarda A .. e ora Recorrente tinha procedido à cobrança dos cheques entregues pela mãe do recluso B..., pagando aos referidos reclusos o dinheiro que o B... lhes devia;
12° Ficou pois provado, definitivamente, que o então arguido tinha auxiliado estes reclusos a regularizarem a dívida que existia entre eles, não se tendo apropriado indevidamente de qualquer quantia para si;
13° Apesar de tudo o que resultou da referida acareação e da audição do G..., o Sr. Instrutor, no seu relatório final de 11/8/93 entendeu que tinham sido provadas as acusações que pendiam contra o ora Recorrente;
14° Ora, toda a prova que então foi produzida no processo disciplinar apontou exactamente no contrário da acusação, ou seja, que o guarda A ... apenas tinha intervido para ajudar a resolver uma dívida entre reclusos, aceitando cheques entregues pela mãe de um deles para, posteriormente, ir entregando o dinheiro que era devido a cada um dos reclusos credores e que o mesmo guarda nunca tinha recebido quaisquer bebidas alcoólicas por parte da mãe de um dos reclusos, o recluso B...;
15° Assim sendo, contrariamente ao que foi afirmado e sustentado pelo Acórdão Recorrido, a recolha de prova no processo disciplinar instaurado ao ora Recorrente foi retirada de presunções e conhecimentos indirectos, recolha esta que, de modo algum, se pode considerar válida face ao nosso ordenamento jurídico;
16° Em face de tudo isto, este Pleno pode perfeitamente conhecer da materialidade dos factos dados por assentes em processo disciplinar, ora declarando que a prova que serviu de base à aplicação de uma sanção disciplinar não tem qualquer apoio no procedimento instrutório ora afirmando que por força do princípio da presunção da inocência e do "in dubio pro reo", não é possível aplicar uma sanção disciplinar a um funcionário, sem que tenha ficado suficientemente esclarecido que tal funcionário violou os deveres a cujo cumprimento se encontra adstrito;
17° É pois o que decorre da jurisprudência deste STA em matéria disciplinar- Acordãos de 15/3/90, AD 349/15 e 13/4/89, AD 339/331;
18° Assim, em respeito pelo princípio do acusatório aplicável ao Dto. Disciplinar, era à Administração e não ao ora Recorrente que incumbia provar os factos constitutivos da infracção imputada ao então arguido guarda A ..., conforme também jurisprudência dominante deste STA - Acordãos de 18/10/79, AD 251/549 e 21/4/78, AD 320-321/1045;
19º Deste modo, o Acórdão recorrido ao entender que a prova produzida no processo disciplinar apontava para a concessão de um regime de favor dado pelo ora Recorrente a um recluso em troca de dinheiro e bebidas alcoólicas, sem que, no entanto, tal prova tenha chegado a ser realmente produzida, violou os princípios da presunção da inocência e de "in dubio pro reo", princípios esses que impossibilitam uma punição disciplinar sem que tenha ficado suficientemente esclarecido se alguma vez o ora Recorrente recebeu dinheiro e...

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