Acórdão nº 0301/21.4BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09-12-2021

Data de Julgamento09 Dezembro 2021
Número Acordão0301/21.4BELRA
Ano2021
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

A…………………, com os sinais dos autos, vem, nos termos dos artºs 1º do CPTA e artºs 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC, reclamar para a conferência da Decisão Sumária proferida em 08-09-2021, que decidiu conceder provimento ao recurso e revogar a sentença do TAF de Leiria, substituindo-se por outra que julgue improcedente o pedido de intimação para prestação de informações, deduzido contra a Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças de Alcobaça.

O reclamante A………………….. veio apresentar os fundamentos que se seguem:

Quanto à diferença com o processo 856/20.0BELRA,
1. Refere a decisão que as questões que se suscitam no presente recurso são precisamente as mesmas do recurso no processo 856/20.0BELRA, mas, salvo melhor entendimento, entendemos que tal não sucede.
2. Na sentença do TAF de Leiria, no âmbito do processo 856/20.0BELRA, não havia sido demostrado qualquer interesse, cfr motivação da não procedência da intimação para prestação do NIF no doc_1, que refere que “o Autor não demostra interesse direto pessoal e legitimo na obtenção da informação pretendida.”
3. Já na sentença do TAF de Leiria do presente processo foi demostrado e provado o interesse no acesso à informação, e por isso tinha a ação sido procedente para a prestação do NIF, cfr doc_2, que refere que “resulta dos autos que o Demandante desenvolveu diligências para obtenção da informação relativa aos prédios confinantes na Câmara Municipal de Alcobaça, Conservatória do Registo Predial de Alcobaça e Direção-Geral do Território (…) que o terreno se encontra à venda (…) consta na descrição predial 2.000 metros quadrados mas terá cerca de 3.400 metros quadrados (…) trata-se de assegurar a segurança jurídica nas transações de bens imóveis e a correta definição do direito de propriedade constitucionalmente consagrado (…) as demais entidades administrativas informaram não ter qualquer forma de facultar a informação solicitada (…) consideramos que o demandante demostra ter interesse pessoal direto e legítimo, constitucionalmente protegido e suficientemente relevante para a obtenção da informação em causa”.
4. Pelo qual não se concorda que seja proferida decisão sumária com o fundamento de se tratar de uma questão apreciada anteriormente.
Quanto à falta de pronúncia,
5. O objeto do presente recurso não é avaliar se existe de facto interesse no acesso à informação (essa matéria já foi assente), mas sim se o NIF pode ser fornecido quando se demostra esse interesse.
6. Aplicando o ainda mais recente acórdão do STA de 9 de junho de 2021, no âmbito do processo 1079/20.4BELRA de 9 de junho de 2021, que refere que o acesso aos dados constantes na matriz predial rege-se, também, pelo disposto na lei de acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa – Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, a informação solicitada pode ser obtida. E quanto a isso a decisão não se pronuncia.
7. Caso se entenda que a informação não é acessível pela Lei n.º 26/2016, existirá contradição com o referido acórdão do STA do processo 1079/20.4BELRA. No âmbito desta lei nº26/2016, dados pessoais de terceiros podem ser revelados, feita a ponderação a que alude a alínea b) do ponto 5 do artº 6º (demonstração de interesse direto pessoal e legitimo – o que foi feito).
8. Pelo que, em face da demostração do interesse direito pessoal e legítimo, e da possibilidade de aceder à informação aplicando a Lei n.º 26/2016, diferente do que aconteceu no processo 856/20.0BELRA, deve o tribunal de se pronunciar sobre as alegações de recuso entregues.
9. Pese embora tal já tenha sido explicado, à cautela, se reitera: no presente processo o requerente explicou e provou que necessita saber quem são os vizinhos (proprietários dos prédios confinantes) para com eles confirmar as estremas dos seus prédios, uma vez que nenhuma outra entidade tem essa informação.
10. Necessita do NIF, primeiro, para corretamente identificar de forma inequívoca o titular do direito, e depois, para obter a caderneta predial do prédio (por intermédio de profissional qualificado), onde pode consultar o nome e morada do titular e os elementos identificativos do prédio.
11. Ou seja, o NIF é meramente instrumental para obter a morada, necessária para conseguir contactar os titulares para confirmar as estremas do prédio. Era nesse sentido que ia o pedido alternativo e inicial feito à AT - caso não fosse fornecido o NIF, era pedido, em alternativa, os elementos identificativos do prédio e a morada do titular. Porque era esse o objetivo final do acesso ao NIF.
12. Toda esta informação - NIF, nome e morada do titular e elementos identificativos do prédio - podem livremente ser consultados no registo predial, se os prédios tiverem registados.
13. O que também é do interesse do titular do NIF, para se evitar eventuais conflitos futuros quanto à localização exata das estremas dos prédios. Porque, lembre-se, o direito de propriedade tem efeito erga omnes, e ainda que o direito não esteja registado, ele existe, e é público – afinal é essa uma característica intrínseca dos direitos reais.
14. Por ter sido explicado o motivo da necessidade do NIF no pedido feito à AT, a sentença em primeira instância foi favorável, ao contrário do que aconteceu no processo 856/20.0BELRA.
15. Por ter sido, salvo melhor entendimento, erroneamente considerado igual, houve falta de pronúncia.
16. Também não houve pronúncia quanto ao pedido alternativo formulado perante à AT (morada e elementos identificativos do prédio), que o tribunal de primeira instância se absteve de conhecer por ter dado provimento ao primeiro pedido (NIF).
Quanto à inconstitucionalidade,
17. No processo 856/20.0BELRA também não tinha sido suscitada quaisquer inconstitucionalidades das normas invocadas, ao contrário dos presentes autos.
18. No presente processo foi suscitada a inconstitucionalidade. E como bem referiu a sentença do TAF de Leiria no presente processo, “no modelo de fiscalização judicial difuso ou desconcentrado, consagrado na constituição da República Portuguesa, recai sobre todos os juízes o dever de, por um lado aferir da constitucionalidade da interpretação, e, por outro lado, de, no caso concreto, a título acidental, e na eventualidade de entender existir uma interpretação desconforme à constituição, promover a desaplicação.”
19. Assim, e apesar de a sentença em primeira instância ter sido favorável ao autor, nas contra-alegações de recurso, à cautela, logo foi suscitada a inconstitucionalidade da norma contida no ponto 1 e ponto 2 alínea e) do art. 64 da LGT, caso seja interpretada no sentido de considerar que o NIF pode apenas pode ser fornecido nos casos elencados naquele ponto 2, por ser considerado um elemento relativo à intimidade das pessoas, quando o NIF é um elemento obrigatoriamente público no registo predial de acordo com a alínea e) do artº 93º do Código do Registo Predial e é solicitado à AT pela identificação do número de artigo do prédio na matriz predial, por violação do ponto 2 do artº 268º da CRP e nº 2 do art 18º da CRP. Pelo que, tendo esta norma agora sido aplicada na decisão sumária, deve de o tribunal se pronunciar quanto à sua inconstitucionalidade nesta aplicação, ou desaplicá-la.
20. Caso fosse dado provimento ao recurso, suscitou‐se também a inconstitucionalidade da norma contida no nº1 do artigo 130.º do CIMI. Esta norma também permitiria o acesso à informação. Não sendo dada a informação, e sendo interpretada no sentido de considerar que o NIF é um elemento respeitante à intimidade das pessoas e que por isso não pode ser revelado, ainda que ponderado com o interesse direto, pessoal e legítimo demostrado pelo autor, por violação do ponto 2 do artº 268º da CRP e do nº 2 do art 18º da CRP.
21. Considerar que o NIF é um elemento relativo à intimidade das pessoas quando ele tem que ser obrigatoriamente público no registo predial e é solicitado à AT pela identificação do número de artigo do prédio na matriz predial, viola o ponto 2 do artº 268º da CRP.
22. Da mesma forma, suscitou‐se também a inconstitucionalidade das normas contidas no ponto 5 do artº 6º da Lei n.º 26/2016 caso seja aplicada e interpretada no sentido de considerar que o NIF é um elemento relativo à intimidade das pessoas e por isso não pode ser fornecido quando ele é obrigatoriamente público no registo predial, cfr já referido, e é solicitado à AT pela identificação do número de artigo do prédio na matriz predial, por violação do ponto 2 do artº 268º da CRP.
23. Por fim, suscitou-se também a violação do nº 2 do art 18º da CRP, caso seja vedado o acesso ao NIF por aplicação do ponto 1 e ponto 2 alínea e) do art 64 da LGT, porque a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Existindo a possibilidade de o acesso ao NIF ser feito, também, pela aplicação da lei 26/2016 e do nº1 do artigo 130.º do CIMI, não deve de ser aplicada a norma mais limitativa, limitando ao autor o acesso à informação, quando demostrou o interesse direto pessoal e legítimo, e o acesso à propriedade privada em segurança é um direito protegido.
24. A alínea b) do ponto 5 do artº 6º da lei 26/2016, o nº1 do artigo 130.º do CIMI, e bem assim a obrigatoriedade de constar o NIF no registo predial decorrente da alínea e) do artº 93º do Código do Registo Predial, são todos casos excecionais previstos para acesso a dados pessoais de terceiros, previstos no ponto 4 do artº 35º da CRP.
25. Repara-se que o NIF é obrigatório em escrituras públicas, no registo predial, bem como na lista pública de devedores à AT, publicidade de insolvência, como em muitos...

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