Acórdão nº 03009/18.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06-02-2020
Data de Julgamento | 06 Fevereiro 2020 |
Número Acordão | 03009/18.4BEPRT |
Ano | 2020 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
I - RELATÓRIO
1. A………… instaurou, no TAF do Porto, contra a “Caixa Geral de Aposentações, I.P” (“CGA”), ação administrativa urgente de reconhecimento de direito, ao abrigo do disposto no art. 48º nº 1 do DL 503/99, de 20/11 (“Regime Jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública”), peticionando que a CGA seja condenada a reconhecer e pagar à Autora, em consequência de acidente em serviço ocorrido em 7/7/2009: capital retificado de remição pela IPP (incapacidade permanente parcial) sofrida; pensão anual vitalícia por IPATH (incapacidade permanente absoluta para o seu trabalho habitual) sofrida, incluindo retroactivos e actualizações legais vencidas e vincendas; subsídio por elevada incapacidade; e correspondentes juros de mora.
2. A Autora, em 7/7/2009, na altura soldado do Exército Português, então com 23 anos, lesionou-se no joelho esquerdo, no decurso de instrução militar.
Em resultado de tal ocorrência, qualificada como acidente em serviço, resultaram para a Autora: uma incapacidade permanente para o exercício das suas funções (IPATH), com capacidade residual de 100% para o exercício de outra função compatível, e uma incapacidade permanente parcial de 9,72% - segundo parecer da Junta Médica da “CGA”, homologado pela Direção da “CGA”.
3. Não obstante a contestação da Ré “CGA”, o TAF do Porto, por sentença de 8/4/2019 (cfr. fls. 1280 e segs. SITAF), depois de absolver a Ré “CGA” quanto ao peticionado subsídio por elevada incapacidade, condenou a mesma a:
«I) (…) reconhecer à Autora o direito a auferir uma pensão anual vitalícia pela incapacidade permanente parcial no montante global de EUR 873,15, correspondente à prestação única de EUR 15.324,66, a título de capital de remição, e nessa medida, proceder ao pagamento à Autora do diferencial que se encontra em falta no montante de EUR 2.185,97;
II) (…) reconhecer à Autora o direito a auferir uma pensão anual vitalícia pela incapacidade permanente absoluta no montante de EUR 6.416,55, acrescida das correspondentes actualizações legais, com efeitos reportados ao dia seguinte ao da alta (16 de Fevereiro de 2011); (…)».
Isto, para além de condenação em prestações e juros de mora vencidos e vincendas.
4. A Ré “CGA”, inconformada com esta sentença do TAF do Porto, apelou para o TCAN insurgindo-se contra o entendimento do tribunal “a quo” de atribuir à Autora, cumulativa e autonomamente, duas pensões: uma pela IPATH e outra pela IPP, constituindo esta condenação, em sua opinião, um erro, quer por errada apreciação da situação de facto, quer de direito, defendendo que a Autora teria direito a uma única pensão, atribuída com base na incapacidade permanente para o trabalho habitual, ainda que no seu cálculo se reflicta o grau de IPP sofrida.
5. Porém, o TCAN, por seu Acórdão de 30/8/2019 (cfr. fls. 1388 e segs. SITAF), negou provimento ao recurso da Ré “CGA”, confirmando totalmente a sentença do TAF do Porto.
6. Mantendo-se inconformada, agora com este Acórdão proferido pelo TCAN, veio a Ré “CGA” interpor, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1427 e segs. SITAF):
«A- O presente recurso é admissível nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), uma vez que das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos “pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo (…) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e, em especial, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, quando tenha por fundamento violação de lei substantiva ou processual, no caso, por inobservância da alínea b) do artigo 10.º e alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.
B- O presente recurso circunscreve-se a uma única questão: pode um sinistrado de acidente de trabalho cumular, pelo mesmo evento, as mesmas lesões e a mesma incapacidade, uma pensão por IPP e outra por IPATH?
C- As prestações por incapacidade, vêm previstas no artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, que define os parâmetros do seu cálculo de acordo com natureza da incapacidade avaliada ao sinistrado.
D- Decorre medianamente claro desta norma que existe uma graduação da incapacidade que determina quer o direito à prestação a reconhecer, quer a forma de fixar o seu montante, sendo que as duas primeiras correspondem a uma incapacidade para o trabalho e as restantes a uma incapacidade de ganho normal.
E- O mesmo facto produtor do mesmo dano não dá origem a duas pensões vitalícias, mas a uma única pensão, de acordo com a natureza da incapacidade, sendo esta realidade assumida por toda a jurisprudência do direito do trabalho.
F- Encontra-se provado que à sinistrada, ora Recorrida, foi verificada uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual, pelo que a mesma tem direito à pensão anual vitalícia a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.
G- Mas não o capital de remição que lhe foi, por erro, fixado pela CGA, correspondente a uma mera IPP. E dizemos claramente por erro por se verificar que quer a resolução que fixou o capital de remição, quer a notificação que foi endereçada à sinistrada indicam ter tomado por base e por erro o auto da junta médica que foi anulado relativo à junta médica de 2017-09-21.
H- Questão diferente e muito controvertida, quer na doutrina, quer na jurisprudência é a confluência que deve ter aquela IPP na pensão a atribuir pela IPATH.
I- Ou seja, há jurisprudência que entende que a IPP verificada no âmbito de uma IPATH conflui no cálculo da pensão para efeitos de determinação da capacidade residual para o exercício de função compatível, fazendo por isso variar a fixação da pensão mais próxima ou mais afastada dos limites mínimo do montante a atribuir (entre os 50% e os 70%).
J- Salvo o devido respeito, adere a CGA à doutrina que tem sido expressa pelos citados e reputados em Direito do Trabalho, mormente Vítor Ribeiro e Carlos Alegre. Refere, com efeito, este último autor, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado”, 2.ª edição, página 97, que “…a capacidade funcional residual, (…) tem de ser, necessariamente, objetiva, na medida em que se trata de apurar o que, sob o ponto de vista funcional (da chamada “força de trabalho” ou “capacidade de ganho”), o sinistrado ainda é capaz de fazer, apesar das sequelas do acidente”, o que não coincide, como aqueles frisam, com o critério jurisprudencial, onde se realiza a mera diferença entre a incapacidade verificada e a capacidade restante, solução que, como naquela obra se faz notar, e ora se repete, não tem apoio na letra da lei.
K- Daí que na fixação da pensão única, por IPATH, tenha se ter atenção o laudo da junta médica da CGA que considerou existir uma capacidade residual para o exercício de função compatível de 100%, o que significa que a pensão vitalícia a fixar pelo acidente será correspondente a 50% da retribuição.
L- Razão pela qual a CGA já procedeu à alteração da pensão devida pela IPATH a qual já foi fixada e comunicada à Autora (cfr. Doc. 1).
M- Contudo, haverá que descontar o montante que foi indevidamente pago a título de capital de remição, já que a pensão por IPP está contida na pensão por IPATH.
N- Em suma, a Recorrida beneficia de uma pensão anual vitalícia por incapacidade permanente absoluta (IPATH), na medida em que já lhe foi calculada desde a data da alta (2011-02-15), devendo, no entanto, ser esgotado o capital de remição fixado e já pago pela CGA, correspondente a uma mera IPP.
O- Pelo que ao decidir de modo diferente, violou o acórdão Recorrido o disposto na alínea b) do artigo 10.º e alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.
Termos em que deve proceder o presente recurso, e ser revogado o Acórdão recorrido, com todas as consequências legais».
7. A Autora, ora Recorrida, contra-alegou, mas sem apresentar conclusões (cfr. fls. 1448 e segs. SITAF):
8. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 12/11/2019 (cfr. fls. 1505 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, nos seguintes termos:
«(…) 3. Como a CGA assinala, esta revista “circunscreve-se a uma única questão: pode um sinistrado de acidente de trabalho cumular, pelo mesmo evento, as mesmas lesões e a mesma incapacidade, uma pensão por IPP e outra por IPATH?” controvérsia onde sustenta que o “mesmo facto produtor do mesmo dano não dá origem a duas pensões vitalícias, mas a uma única pensão, de acordo com a natureza da incapacidade, sendo esta realidade assumida por toda a jurisprudência do direito do trabalho.” Deste modo, encontrando-se “provado que à sinistrada, ora Recorrida, foi verificada uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual a mesma tem direito à pensão anual vitalícia a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 17º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro”.
Esta é uma questão não só de relevante importância jurídica e social como susceptível de frequente replicação. Questão cuja actualidade é tão mais pertinente quanto é certa a ambiguidade da norma que a regula. Com efeito, do art° 48° da Lei 98/2009, de 04/09, resulta que, se do acidente decorrer redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito a prestações por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e por incapacidade permanente parcial sem explicar se essas prestações são alternativas ou são cumulativas. Daí a divergência da Recorrente com o Acórdão sob censura, havendo que reconhecer que, atenta aquela indefinição, a mesma tem...
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