Acórdão nº 030/18 de Tribunal dos Conflitos, 11-04-2019

Data de Julgamento11 Abril 2019
Número Acordão030/18
Ano2019
ÓrgãoTribunal dos Conflitos
I
Relatório

1. – A…………………. intentou no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juiz 3, acção declarativa de condenação com processo comum contra:

(I) Banco Espírito Santo, S.A.;

(II) Banco de Portugal;

(III) Novo Banco, S.A.;

(IV) Fundo de Resolução;

(V) CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e

(VI) B………………, pedindo, a final, a procedência da acção por provada estar:

"a) A responsabilidade civil dos RR enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no art. 304º-A, do Código dos Valores Mobiliários, devendo em consequência os RR. serem solidariamente condenados a pagar à A., a quantia de €204.266,915, acrescida de:

i) €38.470,57 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias da A.;

ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;

Caso assim não seja entendido:

b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no art. 321º do CVM, devendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir à A. a quantia de €204.266,915, acrescida de:

i) €38.470,57 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;

ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória.".

Pediu ainda a condenação solidária dos Réus no ressarcimento dos "danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença. ".

Para tanto, alegou, em síntese, ser cliente do 1º R. desde há cerca de 15 anos, tendo-se tal relação materializado na existência da conta bancária nº ……. EUR - sediada no departamento de "Private Banking" daquele, também denominado por "Sucursal Financeira Exterior - Madeira Branch" - de que a A. é titular.

Mais alegou que foi por critério e exclusiva determinação do 1º R., que a conta bancária da A. passou a ser sediada e tratada pelo denominado "Private Bank", exercido pelo 1º R. na República da África do Sul, tendo sido atribuída, à A., desde então, uma Gestora de Conta, a 6ª R., que a convenceu a criar um "Trust Cheraton Holdings Limited".

E que face às "ofertas" de investimento feitas pela 6ª R., a A. sempre lhe deu instruções de que não desejava aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado, querendo ter a certeza de que tinha o seu capital garantido e disponível para qualquer eventualidade, sempre lhe sendo garantido pela 6ª R. que aqueles produtos eram como "depósitos a prazo". Concluiu alegando que no âmbito das suas funções e sob a subordinação do 1º R., a 6ª R., no seio do departamento de "Private Bank" do 1º R., aplicou €549.265,25 da A., depositados no 1º R., na compra de produtos estruturados que constam actualmente da sua "Carteira de Títulos Custódia".

Alegou também que, em 03.08.2014, o 2º R., Banco de Portugal, decidiu-se pela aplicação da medida de resolução ao 1º R., criando assim o Novo Banco, o 3° R., sendo que, com aquela decisão de Resolução, o 2° R determinou que os activos de real valor, e que poderiam responder sobre os credores do 1º R., fossem transferidos para o 3º R., cujo capital social é inteiramente detido pelo 4º R..

Invocou ainda que o 1º R. criou uma provisão do valor de produtos vendidos, assumindo assim o seu reembolso, e que a rubrica contabilística "Provisão" constituída pelo 1º R., em momento anterior à medida de resolução, não consta dos itens excluídos e elencados no Anexo 2 à Deliberação do 2º R., de 03.08.2014, tendo concluído que aquela obrigação de reembolso terá sido transferida para o 3° R. existindo uma assunção de obrigação de reembolso conjunta do 2° R. (Banco de Portugal) e do 3º R. (Novo Banco).

Por fim, alegou que legalmente competiam ao 2º R. e 5ª R. deveres de supervisão sobre a actuação do 1º R., que não foram cumpridos, sendo que tal incumprimento terá como consequência a sua co-responsabilização nos danos causados à A. pela actuação do 1º e 6ª R., recorrendo aos montantes sob tutela do 4º R..

2. - Contestações ao pedido da Autora

2.1 - O 1º R., "BES - Em Liquidação" contestou a acção, pedindo que a instância seja, quanto a si, julgada extinta nos termos do art. 277º, al. e), do CPC, em consequência da deliberação tomada no dia 13.07.2016 pelo BCE, que revogou a autorização para o exercício da actividade do BES, deliberação essa que, nos termos do nº 2 do art. 8º do DL 199/2006, de 25 de Outubro, produz os efeitos da insolvência. Impugnou ainda os factos invocados pela A..

2.2 - O 3º R., "Novo Banco, S.A.", e a 6ª R., B……………., também contestaram pugnando pela verificação da excepção que designaram de "ilegitimidade passiva", tendo terminado pedindo:

"Devem os 3° e o 6.° Réus ser declarados parte ilegítimas nos presentes autos, absolvendo-se, em consequência, do pedido (consumpção da legitimidade pelo mérito) ou, pelo menos, da instância (artigos 278.º/1/alínea d), 576.°/2, 577.º/alínea e) do Código de Processo Civil), devendo a excepção ser conhecida no despacho saneador, na medida em que o estado do processo permite, sem mais provas, o conhecimento da excepção de ilegitimidade arguida (artigo 595.°/1 CPC)".

No mais, impugnaram a factualidade invocada pela A..

2.3 - Os 2º, 4º e 5º RR., Banco de Portugal, Fundo de Resolução e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, por sua vez, deduziram a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais comuns, em razão da matéria, para tramitar e julgar a presente acção, considerando serem competentes para o efeito os tribunais administrativos.

3. - A A. respondeu às excepções invocadas pelos RR., pugnando pela sua improcedência.

4. - Em 1ª instância foi declarada a incompetente em razão da matéria por serem competentes os tribunais administrativos e os RR. absolvidos da instância.

Isto por ser considerado que a presente acção consubstanciava a situação prevista na al. f) do nº 1 do art. 4º e do ETAF e nº 2 do mesmo preceito legal.


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5. - A A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 06.02.2018, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

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6. - Inconformada, a A. interpôs recurso que (indevidamente) qualificou como de "revista excepcional", tendo o mesmo sido admitido como recurso para o Tribunal dos Conflitos, nos termos do art. 101°, nº 2, do CPC.

Concluiu nos seguintes termos as suas alegações (transcrição):

A) Vêm as presentes alegações de recurso interpostas do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a Apelação e, em consequência, manteve a decisão da Primeira Instância.

B) Assim, não se conforma, o ora Recorrente, com a decisão de incompetência material do Tribunal Judicial Cível para julgar a presente ação, porquanto constitui doutrina e jurisprudência pacíficas que a competência material do tribunal é aferida em função dos termos em que a ação é proposta pelo Autor, atendendo-se a estruturação dada pelo Autor, ao pedido e a causa de pedir, relevando, assim, para fixação da competência do tribunal o "quid disputatum" e não o "quid decisum".

C) Ora, na presente ação, a Autora, ora Recorrente, peticiona pela responsabilização civil dos RR. por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado nos artigos 304.º A e 321.º do Código dos Valores Mobiliários, isto é, está em causa a apreciação da violação dos deveres de informação, diligência e lealdade que impendem sobre os intermediários financeiros, bem assim como a nulidade daquela relação jurídica por inobservância de forma, encontrando-nos perante o Direito dos Valores Mobiliários que representa uma área do Direito Comercial e/ou Financeiro - que não se confunde com Finanças Públicas -, constituindo um ramo do direito privado (in Paulo Câmara, Manual do Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2009).

D) Invoca-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/06/2015 (acórdão fundamento) que apreciou a mesma questão e julgou em sentido contrário ao Acórdão em recurso.

E) Assim, entende a ora Recorrente que o fundamento da presente Revista radica em erro de interpretação e aplicação da lei processual, concretamente, dos artigos 64.º, 96.º al. a), 99° n.º 1, 278º n.º 1 do C.P.C., 80º n.º 1 da L.O.S.J. e artigo 4.º n.º 1 al. f) e n.º 2 do E.T.A.F..

F) Pelo que, subjaz a correta interpretação e aplicação dos referidos normativos legais, concluir pela competência material do Tribunal Judicial (Civil) para apreciar e julgar o presente litígio, ou seja, para dirimir litígios nos quais entidades com natureza pública atuam como privados, à luz do direito privado e, nessa qualidade, devem ser responsabilizadas.

G) O Autor, ora Recorrente, peticionou contra os RR: "Nestes termos e nos mais de Direito que v/ Exa. doutamente suprirá deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada que ficou:

a) A responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304º-A do CVM, devendo em consequência os RR. serem solidariamente condenados a pagar ao A, a quantia do € 204.266,915 acrescida de:

i) € 38.470,57 a título dos juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;

ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;

Caso assim não se entenda:

b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321º do CVM, devendo em consequência serem os RR...

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