Acórdão nº 02S2238 de Supremo Tribunal de Justiça, 12-03-2003

Judgment Date12 March 2003
Procedure TypeREVISTA.
Acordao Number02S2238
CourtSupremo Tribunal de Justiça
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório
"A" (casada, residente na Rua da ....., Mirandela), intentou, no Tribunal do Trabalho de Bragança, acção declarativa condenatória, emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B (com sede na Rua ..., 1200 Lisboa ), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 3.853.710$00 a título de trabalho suplementar, ou, caso assim se não considere, a pagar-lhe a quantia de 1.926.855$00 a título de prestação de trabalho normal ou singelo e sempre e de qualquer modo, a pagar-lhe a quantia de 803.080$00 a título de trabalho nocturno, a quantia de 1.028.160$00 de trabalho prestado em domingos e dias feriados, a quantia de 1.874.880$00 de folgas não gozadas, a quantia de 1.268.500$00 de subsídio de isenção de horário de trabalho, bem como juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alegou, para o efeito, e em síntese, que foi contratada a termo certo pela ré em 05-12-94, por um período de 8 meses, com a categoria profissional de Chefe de Sector Estagiário, tendo rescindido unilateralmente o contrato de trabalho com efeitos a 17-04-97.
Apesar de lhe ter sido concedida a isenção de horário de trabalho, para a qual não reunia os requisitos legais, a ré impunha-lhe um horário de trabalho, sendo que nunca lhe pagou a retribuição especial devida por isenção de horário de trabalho.
O montante de retribuição acordado com a ré na celebração do contrato de trabalho, 160.000$00 mensais, deve ser considerado como remuneração mensal de base e nula a cláusula do contrato de renúncia à retribuição por isenção de horário de trabalho.
Porém, ainda que se entendesse que tal renúncia tinha cabimento para aquela retribuição especial, nunca seria válida para a retribuição normal, pelo que a ré sempre teria que lhe pagar, em singelo, as horas de trabalho que prestou para além do seu horário semanal.
Mais acrescenta que prestou 680 horas de trabalho nocturno e trabalhou em dias de descanso semanal (domingos e feriados), num total de 544 horas, tendo trabalhado, também, nas folgas semanais, num total de 992 horas.
Contestou a ré, sustentando que a autora tinha isenção de horário de trabalho e, por isso, não tinha direito a quaisquer horas de trabalho suplementar em dias que não fossem feriado ou de descanso semanal, que o valor de retribuição mensal acordado, 160.000$00, corresponde 128.000$00 à retribuição de base e 32.000$00 àquele subsídio.
Além disso, a autora apenas prestou mais 9 horas de trabalho diário nos dias de permanência à loja, nos dias de inventário geral ou intercalar, nos dias de preparação de campanhas de aquecimento e de electrodomésticos e nos dias que precederam e se seguiram à abertura da loja da ré em Mirandela, dias em que igualmente prestou trabalho entre as 20.00 horas de um dia e as 07.00 horas do dia seguinte, tendo nos dias de permanência à loja recebido um acréscimo de 2.000$00 e ainda 700$00 para custear o jantar e a partir de Janeiro de 1997 sempre lhe foram pagos o subsídio pelo trabalho prestado ao domingo e feriados, tendo recebido, respectivamente, 74.064$00 e 35.672$00.
Conclui, por isso, na parte não confessada, pela improcedência da acção, tanto mais que nunca ordenou prévia e expressamente à autora a realização de trabalho para além das 8 horas diárias e da excepção supra referida.
Respondeu a autora, mantendo, basicamente, o alegado na petição inicial.
Procedeu-se à realização da audiência preliminar, na qual se proferiu despacho saneador e se seleccionou a matéria de facto.
Posteriormente, realizou-se uma tentativa de conciliação, na qual não foi possível conciliar as partes.
Os autos prosseguiram os seus termos, com realização da audiência de discussão e julgamento e em 14-07-00 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 1.589.985$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Inconformadas, autora e ré recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 03-12-01, nos termos do n.º 5 do art.º 713, do CPC, negou provimento a ambos os recursos, confirmando a decisão recorrida, pelos fundamentos dela constantes.
Novamente inconformadas, autora e ré vieram recorrer de revista.
Para o efeito, a autora formulou nas suas alegações as seguintes conclusões:
A) O tribunal recorrido ao distinguir e dar como provado, que a retribuição base da recorrente é de 128.000$00, e a retribuição especial por isenção de horário de trabalho é de 32.000$00, labora em erro de interpretação dos factos e prova produzida;
B) Pois a fórmula matemática interpretativa não pode conduzir ao resultado apontado, pois fazendo variar as parcelas apontadas, também se chegará sempre ao mesmo resultado final;
C) Ou seja, não é possível discriminar as parcelas em questão, a não ser por tentativas ou somas parcelares aleatórias para chegar à soma global, o que em rigor nada se adianta;
D) E sendo assim era à entidade patronal, que incumbia discriminar contratualmente, as parcelas da retribuição da A.;
E) Na verdade, em todos os documentos dos autos, seja nomeadamente nos recibos juntos com a petição inicial como docs 5 e 6, se conclui que nem a própria entidade patronal ora recorrida conseguia discriminar tais parcelas;
F) E a verdadeira razão era o desconhecimento de tais parcelas, sendo a desculpa do programa informático através do qual foram processados os recibos de que não previa qualquer rubrica autónoma relativa à retribuição especial, é mera desculpa para evitar os pagamentos reclamados - cfr. Ponto 17, da douta sentença;
G) Não sendo pois possível como é o caso, de se saber as parcelas pagas à A., a retribuição a considerar para todos os efeitos legais será a de 160.000$00, com as legais consequências;
H) Ora as consequências legais, não podem ser outras senão a fixação como retribuição base da recorrente os alegados 160.000$00 e deste modo considera-se como não pago o subsídio de isenção de horário de trabalho;
I) Tal subsídio deve ser calculado sobre os referidos 160.000$00, ou seja de 40.000$00/mês;
J) A mesma retribuição base deve ser aplicada, para determinar o pagamento do trabalho suplementar, mesmo antes do período da isenção concedido e determinado na douta sentença;
L) De qualquer modo, acresce ainda que, apesar da isenção de horário concedida, deve ser paga à A. a sua retribuição normal;
M) Na verdade, o recebimento da alegada compensação, não pode significar a dispensa de pagamento do trabalho normal;
N) A isenção de horário de trabalho, dispensa o pagamento do acréscimo suplementar, isto é o pagamento da remuneração devida além do cálculo da hora simples, e não mais;
O) Ou seja, a isenção de horários de trabalho, não pode confundir-se com uma autorização de trabalho gratuito;
P) Significa apenas, que a quantidade de trabalho realizado a mais, não tem o tratamento de trabalho suplementar;
Q) Tais considerações de Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 9ª Edição, Pág. 327/328, são por nós sufragadas, concluindo pois como aquele ilustre autor de que o tempo de trabalho excedente em relação ao período normal semanal, deve ser pago, mas pelo valor do salário hora normal, isto é a singelo;
R) Portanto, neste caso, deve ser paga a retribuição horária da recorrente em singelo, durante pelo menos os períodos referidos em 9 da Sentença (I da Esp.), ponto 23, alín. d) e) e f), da sentença e todos aqueles períodos e dias que não foram incluídos na cálculo em II) a fls. 279 da douta sentença;
S) Deve pois também nesta parte decidir-se de modo diverso do tribunal recorrido;
T) O douto acórdão em recurso violou, além do mais, por erro de interpretação e aplicação, assim como determinação da norma aplicável, o art. 7.º, n° 4 do D.L. 421/83 na redacção do D.L. 398/91, art. 15 e 14, n.º 2 da LDT, o art. 29 do D.L 874/76 de 28/12 e ainda o CCT, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 12, de 29/03/94, devendo por isso ser alterado no sentido proposto.
Por sua vez, a ré formulou nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. Era à A. que competia provar o conhecimento da prestação do trabalho suplementar sem oposição por parte da Ré ou se o mesmo foi executado por ordem expressa desta.
2. Contudo, nenhuma prova foi feita daquele conhecimento ou ordens da Ré, nem nenhum dos factos provados na sentença recorrida aponta nesse sentido.
3. Das funções exercidas pela Autora, do tipo de estabelecimento comercial explorado pela Ré ou do horário de funcionamento deste, não se poderia nunca inferir que a Ré tivesse tido conhecimento do trabalho suplementar prestado pela A. fora das situações de inventários gerais e intercalares, campanhas de promoção de produtos, dias de permanência à loja, bem como da situação que precedeu e se seguiu à abertura da loja de Mirandela, em 05.04.95 ou do trabalho suplementar prestado pela A., na última semana de estágio, em Braga.
4. Pelo que não deveria a Ré ter sido condenada a pagar à Autora as remunerações por trabalho suplementar decididas nas alíneas 6), 9) (a partir de 20.04.95) e correspondente descanso compensatório da alínea 10) de I e dos itens 1.3, 1.4, 1.5, 2.2, 2.3, 2.4, 3.2 e 3.3 de II, todos de fls.288 v.278 e 280 da sentença da 1.ª Instância.
5. A remuneração pela isenção de horário de trabalho não constitui elemento integrante da retribuição devida pelo trabalho.
6. Pelo que, na sentença da 1.ª Instância, dever-se-ia ter calculado todo o trabalho suplementar, não pela remuneração da isenção de horário de trabalho, mas apenas pela remuneração de base auferida pela A. .
7. O que teria feito com que os
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