Acórdão nº 0279/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27-05-2009

Data de Julgamento27 Maio 2009
Número Acordão0279/09
Ano2009
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA – (2ª Subsecção):
1 – A…, requereu no TAF de Lisboa a intimação do INFARMED INSTITUTO NACIONAL DE FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO (INFARMED), para esta prestar pedido de informação destinado ao acesso para consulta e eventual reprodução do dossier de registo relativo ao medicamento B… 12,5 mg e 16 mg comprimidos, contendo substância activa Candersartan, associado à Hidroclorotiazida.
2 – Por sentença, de 09-09-08, o TAC de Lisboa deferiu o pedido de intimação da ora Recorrente, intimando a Autoridade Requerida, a facultar o acesso para consulta e eventual reprodução, ao dossier de registo, com exclusão das partes consideradas confidenciais, relativo ao medicamento B…8 mg/12,5 mg e 16 mg/12,5 mg. comprimidos, contendo a substância activa Candesartan associada à Hidroclorotiazida.
2.1 - Decisão essa que acabou por ser revogada, em sede de recurso jurisdicional, pelo acórdão do TCA Sul, de 15.01.09 (fls. 175/178), com o consequente indeferimento do pedido de intimação.
Considerou em suma o TCA Sul que, no tocante à consulta dos documentos em questão, a requerente “não é detentora de um interesse directo e legítimo na consulta do procedimento, uma vez que apenas se apresenta na qualidade de detentora de uma putativa intenção de pedidos de autorização de medicamentos genéricos daqueles cujos processos de autorização de introdução no mercado se pretende consultar e reproduzir”. E que tal “posição jurídica, não lhe confere (…) legitimidade para consultar e reproduzir elementos cuja eventual reprodução podem resultar violações de direitos de propriedade industrial.”.
Assim sendo, no entender do acórdão do TCA Sul, a sentença do TAF teria violado “os artº. 188º, nºs 2 e 3 do DL. N.º 176/2006, o art. 268º, nº 2 da CRP e os artº. 61º a 64º do CPA).
2.2 - Vem agora a requerente da intimação A…, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, interpor “recurso extraordinário de revista”, para este Supremo Tribunal.
Concluiu a alegação do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I - É manifesta a admissibilidade do presente recurso excepcional de revista, por se encontrarem preenchidos os requisitos vertidos no artigo 150º, nº 1 do CPTA;
II - A questão jurídica em causa no presente recurso é, no essencial, a de saber se a ora Recorrente, pretendendo produzir e introduzir no mercado um determinado medicamento genérico produzido à base de uma determinada substância activa, tem ou não legitimidade para proceder à consulta e obter certidões de documentos do processo de autorização de introdução no mercado (adiante abreviadamente designada de "AIM") de determinado(s) medicamento(s) com a mesma substância activa;
III - A possibilidade e os termos da comercialização de medicamentos genéricos encontra-se legalmente dependente da protecção conferida ao medicamento de referência objecto de anterior AIM;
IV - O respeito pelos direitos de propriedade industrial dos titulares de AIM's de medicamentos originais constitui condição sine qua non da sua comercialização pelo que as empresas que pretendem introduzir no mercado medicamentos genéricos devem acautelar o estrito respeito desses direitos cujos títulos jurídicos são, no essencial, as patentes e as AIM'S respectivas;
V - É manifesto o interesse público da comercialização de medicamentos genéricos e, por isso, também o interesse público na promoção de procedimentos adequados e garantísticos quanto à sua qualidade em termos científicos e quanto à sua conformidade com todos os requisitos legais aplicáveis;
VI - Em suma, a garantia do direito de acesso à informação contida nos procedimentos administrativos de AIM – da responsabilidade do INFARMED ora recorrido – é indispensável à efectiva qualidade dos medicamentos genéricos e à correcta e efectiva promoção do uso de genéricos em Portugal;
VII - A permissão pelo INFARMED da consulta dos documentos constantes do processo de AIM e a sua eventual reprodução constituem, simultaneamente, condições essenciais ao correcto e saudável funcionamento do mercado, em especial no que concerne à concorrência entre as empresas que operam no mercado dos medicamentos, em especial, entre as empresas titulares de AIM`s de medicamentos de referência e aquelas – como a Recorrente – que comercializam medicamentos genéricos;
VIII - No caso sub judice, estão já – e é altamente previsível que venham a estar cada vez mais – na situação da Recorrente – ou seja, com pretensões de consulta de processos de AIM de medicamentos originais – inúmeras outras empresas do sector com interesses comerciais legítimos na introdução no mercado de novos medicamentos genéricos e para as quais a garantia do exercício do seu direito de acesso aos documentos administrativos relativos aos processos de AIM se revela indispensável;
IX - Como se entendeu, e bem, na sentença proferida pela primeira instância e em estreita consonância com o que tem vindo a ser o entendimento do Tribunal Constitucional, o direito de acesso aos documentos administrativos decorre do artigo 268º, nº 2 da CRP, estando por isso em causa um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados (v. por todos, o Ac. do TC nº 254/99);
X - Para se aferir se certa questão se reveste ou não de relevância jurídica ou social fundamental para efeitos de verificação dos requisitos do nº 1 do artigo 150º do CPTA, o que releva é o juízo de prognose tendente a saber se pode ter-se como fundadamente expectável que tal situação se venha a repetir com certa frequência, ou seja, se for de prever que a solução dada para a situação tratada no processo ultrapasse os limites de utilidade para o caso concreto e possa também servir de orientação para outras situações;
XI - Como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo, para os efeitos do artigo 150.º n.º 1 do CPTA, a importância jurídica ou social fundamental afere-se pela situação objectiva do litígio, isto é, o litígio situado no contexto geral do contencioso e da aplicação do direito administrativo concernente àquele instituto ou tipo de questões, pelo que é necessário demonstrar que aquela específica relação jurídica hipoteticamente vai repetir-se em casos semelhantes havendo interesse em esclarecer e fixar o direito aplicável;
XII - Em face de todo o exposto, não pode deixar de concluir-se que a questão em causa no presente recurso se reveste de importância fundamental pela sua especial relevância social.
XIII - Para além do que ficou dito, é manifesta, no caso sob recurso, a necessidade da intervenção reguladora deste Venerando Supremo Tribunal, a qual se revela indispensável para uma melhor aplicação do direito, tanto mais que se vêm sucedendo, quanto à mesma questão jurídica, decisões contraditórias das várias entidades com competência na matéria;
XIV - Veja-se, desde logo, a divisão jurisprudencial que se verifica no seio da jurisdição administrativa, quer no seio dos tribunais da primeira instância, quer entre as decisões destes e do TCA quer mesmo entre as várias formações do TCA Sul;
XV - Na verdade, a matéria subjacente ao presente recurso tem motivado inúmeros processos judiciais, a correr nos tribunais administrativos, que têm obtido decisões divergentes. Donde, a clara necessidade de admissão do recurso para garantia de uma melhor aplicação do direito;
XVI - Por seu turno, a CADA, chamada várias vezes a pronunciar-se sobre esta mesma questão – direito de acesso das empresas que pretendem comercializar genéricos aos documentos não confidenciais dos processo de AIM dos medicamentos de referência –, tem entendido que o INFARMED se encontra legalmente vinculado a conceder o acesso à informação não confidencial dos processos de AIM, devendo informar o requerente da consulta, tal como se encontra estabelecido no artigo 15º, nº 2, alíneas r) e s) do novo Estatuto do Medicamento quais os documentos do processo que devem ser considerados confidenciais;
XVII - Por último, no sentido da admissibilidade do recurso de revista na situação dos autos, veja-se o recente Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 27.11.2008, proferido no recurso de revista que corre termos sob o nº 998/08, no qual expressamente se entendeu em processo em tudo idêntico que «(…), a matéria tem características que atestam a possibilidade de interessar a uma pluralidade de situações, apresenta relevância jurídica e a sua decisão pelo STA perspectiva-se capaz de poder claramente contribuir para uma melhor aplicação do direito
XVIII - É, pois, manifesta a admissibilidade do presente recurso excepcional de revista uma vez que, para além de se tratar de questão de especial importância ou relevância jurídica e social, a intervenção reguladora deste Venerando Supremo Tribunal revela-se indispensável para uma melhor aplicação do direito, tanto mais que se vêm sucedendo, quanto à mesma questão jurídica, decisões contraditórias das várias entidades com competência na matéria;
XIX - Encontra-se pendente neste Supremo Tribunal Administrativo o recurso de revista nº 998/08, interposto do Acórdão do TCA Sul de 18.09.2008, no processo nº 04191/08, o qual tem por objecto a análise e decisão da mesma questão jurídica objecto do presente recurso, pelo que se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a apensação de processos, com vista a evitar decisões contraditórias sobre a mesma matéria. Pelo que, desde já se requer a apensação do presente recurso de revista, ao recurso de revista nº 998/08, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 28º do CPTA e 275º-A do CPC.
XX - É igualmente manifesta a procedência do presente recurso porquanto, salvo o devido respeito, que é muito, o acórdão recorrido não fez correcta interpretação e aplicação das disposições;
XXI – Ao contrário do sustentado pelo tribunal a quo, o que está em causa nos presentes...

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