Acórdão nº 02773/11.6BEPRT 0501/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11-10-2018

Judgment Date11 October 2018
Acordao Number02773/11.6BEPRT 0501/18
Year2018
CourtSupreme Administrative Court (Portugal)
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A……………………. LDA recorre, nos termos do artº 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo, do Acórdão do TCA Norte, proferido em 26-1-2018 que, com um voto de vencido, revogou a sentença proferida pelo TAF do Porto, que por seu turno, julgou procedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si intentada e anulou o acto do INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS I.P. [IFAP, I.P.]


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Apresentou para o efeito, alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

«I. O douto acórdão recorrido decidiu sobre um tema que tem sido tratado diversas vezes pela nossa jurisprudência, sem que exista ainda uniformização de jurisprudência.

II. O estabelecimento do entendimento jurisprudencial sobre o que significa “despesa efectivamente realizada” no âmbito de projectos de investimento subsidiados por fundos comunitários é uma questão cujo interesse em dirimir extravasa o caso concreto aqui em análise.

III. A jurisprudência que tem sido prolatada não tem seguido sempre o mesmo sentido, e as realidades factuais que o tema pode configurar são susceptíveis de decisões diferentes.

IV. Este assunto merece, portanto, análise detalhada do STA, que melhore a aplicação do direito.

V. Tal como no douto acórdão de apreciação preliminar prolatado pela 1ª Secção do STA em 8/03/2017 (Procº 0187/17) deve ser admitida a revista “… estando em discussão o conceito de despesa elegível no âmbito do Programa AGRO”.

VI. Pelo que o presente recurso deve ser admitido nos termos do disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, por se revelar claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

VII. No presente caso não se verifica qualquer situação de cheque pré-datado, nem existe qualquer factualidade que evidencie a existência de algum putativo acordo entre o promotor do investimento e o fornecedor para que este atrasasse a apresentação do cheque a pagamento – o cheque era pagável a pronto, de imediato, à vista.

VIII. O desconto efectivo do cheque é um acto alheio à vontade do pagador, o beneficiário da ajuda comunitária.

IX. O Regulamento Comunitário Regulamento CE 1685/2000 – regra n.º 1, que define a elegibilidade da despesa exige que a despesa esteja efectivamente realizada, não exige que o pagamento esteja efectuada por saída efectiva do dinheiro da conta do promotor.

X. Não seria justo que a mora do credor, no desconto do cheque, viesse a prejudicar a aqui recorrente perante terceiros – nomeadamente perante o IFAP – perdendo, como promotor, o direito ao subsídio aprovado para um investimento realizado.

XI. Uma vez feito fisicamente o investimento, emitida a factura, entregue o cheque e emitido pelo fornecedor o competente recibo, a despesa está realizada.

XII. Assim será, salvo se se provar que no âmbito de acções de controlo se venha a constatar a ocorrência de situações de simulação ou conluio que visem iludir a falta de efectivação do pagamento.

XIII. Nestes termos, a despesa desconsiderada é elegível face à factualidade fixada nos autos.

XIV. O acórdão em revista violou o Regulamento Comunitário Regulamento CE 1685/2000 – regra nº 1, no que respeita às regras de elegibilidade da despesa».


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O recorrido IFAP, I.P., não apresentou contra alegações.

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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artigo 150º do CPTA] proferido a 24 de Maio de 2018, nele se tendo consignado:

«(…)

3.2. A primeira instância entendeu que o acto impugnado era ilegal por ter interpretado erradamente as disposições legais em matéria de elegibilidade das despesas, designadamente por ter considerado o simples desconto do cheque como o momento relevante de pagamento efectivo da factura.

O TCA Norte, embora com um voto de vencido, revogou a sentença e entendeu que a autora não "demonstrou um efectivo pagamento da despesa antes da apresentação ao aqui recorrente do respectivo comprovativo de pagamento da despesa; é que, como resulta do teor da sentença sob escrutínio o referido cheque, datado de 8-8-2005, apenas veio a ser efectivamente descontado em 15-12-2006, ou seja após ter sido processada a autorização de pagamento."

A questão suscitada tem gerado alguma controvérsia, desde logo patente na divergência de entendimento do TAF e do TCA e, neste, de um dos Adjuntos, que votou vencido.

Como se disse no acórdão desta formação de 8-3-2017 (processo 0187/17), que perante questão similar admitiu recurso de revista:

"(...)

Em acórdão de 24.1.2012, processo 486/11, este Supremo Tribunal discutiu já o problema do que é despesa paga, despesa realizada, despesa cumprida, prova de cumprimento por quitação.

Nesse acórdão, estavam em causa apoios no âmbito de programa diferente do que ora está em discussão. Mas a matéria de base é similar.

Nesta Formação, no processo 748/16, a que respeita acórdão de 23.6.2016, e em sede de outro regime de apoios, discutia-se também se o recebimento das ajudas dependia de ter havido prévio pagamento efectivo das despesas. Na circunstância, as instâncias haviam decidido que o recebimento não dependia desse efectivo pagamento, e a revista não foi admitida.

No caso presente, não está em causa que houve despesa mas aparenta-se que o efectivo pagamento da despesa foi realizado após o recebimento da ajuda e com ela, o que levou à decisão contenciosamente impugnada.

Este tipo de problemas repete-se e coliga-se com a própria interpretação de regulamentação comunitária (UE) sendo, pois, de todo o interesse a sua apreciação por este Supremo Tribunal."

Pelas razões expostas quanto à relevância das questões suscitadas, transponíveis para o presente caso deve admitir-se a revista».


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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, parecer este, que notificado às partes, mereceu resposta por parte do IFAP, I.P., no sentido desde sempre manifestado nos autos.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

«1. A aqui Autora apresentou uma candidatura ao Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, que tomou a designação de Agro Medida 1, à qual foi atribuído o número de projeto 2003110012709 – cf. documento de fls. 18 a 43 do processo administrativo apenso aos autos;

2. Na sequência da aprovação dessa candidatura, a Autora e o então Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, I. P., outorgaram um contrato intitulado “De atribuição de ajuda ao abrigo do programa Agro – Medida 1: Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas”, pelo qual foi concedido à Autora o montante de 29.536,20€ a título de incentivo financeiro ao investimento, não reembolsável – cf. documento de fls. 134 a 138 do processo administrativo apenso aos autos;

3. No âmbito da execução do projeto aprovado a que vem de referir-se, foi realizada ação de inspeção pelos serviços do então Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, I. P. (doravante, IFADAP) – cf. documento de fls. 228 do processo administrativo apenso aos autos;

4. Por ofício datado de 26.01.2007, de referência 123/UI-Porto/2007, expedido por carta registada com aviso de receção que a Autora recebeu em 30.01.2007, os serviços do IFADAP comunicaram-lhe o seguinte:

“(…)

Na sequência da acção de verificação que se encontra em curso, incidente sobre a candidatura acima identificada, constatamos o seguinte.

- O cheque nº 2343529634 no valor de 53.782,05 euros emitido em 08.08.05, apenas foi movimentado no Banco em 15.12.06, isto é, depois do crédito em conta do subsídio, situação que equivale à existência de recibos de favor e pode conduzir à inelegibilidade desta despesa.

Atendendo ao referido, tem V. Exa(s) o prazo de 10 (dez) dias úteis, a contar da recepção desta carta, para nos informar(em) para a morada abaixo indicada sobre o que tiver(em) por conveniente sobre o assunto.

(…)”; - cf. documentos de fls. 246 e 247 do processo administrativo apenso aos autos;

5. A Autora respondeu por carta datada de 09.02.2007 – cf. documento de fls. 257 e 258 do processo administrativo apenso aos autos;

6. Em 04.10.2007, os serviços da entidade demandada elaboraram informação de referência n.º 328/DINV/SAG/2007, da qual consta, na parte que aos autos releva, o seguinte:

“(…)

No que se refere à acção de acompanhamento propriamente dita e quanto à execução física, o relatório refere que os investimentos se encontravam implementados de acordo com o aprovado, com excepção do muro de vedação em que só foi confirmada a construção de 425 metros dos 450 metros aprovados e comprovados. Embora a rubrica de investimentos referente à plantação da vinha não tenha ainda sido comprovada, verificou-se a instalação de 6,5 ha de vinha, quando estava inicialmente previsto a plantação de 6,895 ha. Deste modo, e uma vez que no âmbito do Programa VITIS foram pagas ajudas...

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