Acórdão nº 02616/08.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 21-03-2019

Data de Julgamento21 Março 2019
Número Acordão02616/08.8BEPRT
Ano2019
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
MJSBS, Lda., pessoa colectiva n.º 50xxx20, com sede na Rua L…, no Porto, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30/11/2012, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2002 e 2003, no montante global de €2.720.661,44.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A nulidade da Sentença por violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes:
A. A Juiz que efectuou e presidiu à inquirição de testemunhas realizada não foi a mesma que, na Sentença recorrida, apreciou e valorou a prova testemunhal produzida. Assim, o Tribunal não observou um dos princípios estruturantes do contencioso tributário (e do direito processual em geral), o princípio da plenitude da assistência do Juiz, o qual se encontra consagrado no n.° 1 do artigo 654° do CPC e dispõe, precisamente, que o juiz que profere decisão acerca da matéria de facto deve necessariamente coincidir com o que assistiu aos actos e diligências relativos à prova da factualidade sub judice, desde logo às audiências de inquirição de testemunhas.
B. Este princípio não perde validade no caso concreto por a substituição do julgador se ter ficado a dever à passagem do processo para a Equipa Extraordinária criada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao abrigo da Lei n.° 59/2011, de 28 de Novembro: não é possível defender-se que, ao emanar o diploma em causa, o legislador entendeu consagrar a possibilidade de, em alguns casos, se verificarem excepções ao princípio da plenitude da assistência dos juízes.
C. Uma interpretação conjugada desta Lei com o artigo 654° do CPC da qual resultasse uma excepção ao princípio em referência seria inconstitucional não só por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva mas também por desrespeito pelo princípio da igualdade: desse modo, passariam a estar mais salvaguardados jurisdicionalmente os direitos de uns contribuintes em relação aos de outros — uns com o direito a terem uma decisão proferida por quem apreciou directamente a prova dos factos, outros sem esse direito —, não com base em qualquer motivo juridicamente atendível, mas apenas porque aos direitos subjectivos dos primeiros corresponde um valor processual inferior a um milhão de euros e aos dos segundos um valor processual superior a esse montante.
D. Sendo os recursos em matéria tributária interpostos, processados e julgados como os agravos em processo civil, nos termos do artigo 281° do CPPT, então é aplicável ao caso vertente o disposto no artigo 201° do CPC, segundo o qual a prática de um acto que a lei não admita produz a nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
E. Ora, é precisamente para garantir a prolação de decisões adequadas à realidade, em que o julgador a capta com o maior rigor possível, que se consagrou o princípio da plenitude de assistência dos juízes, no artigo 654° do CPC, pelo que a violação do mesmo implica necessariamente, por definição, a prática de uma irregularidade que influi no exame ou na decisão da causa.
F. Assim, deve julgar-se a Sentença recorrida nula, ao abrigo do regime conjugado dos artigos 201° e 654° do CPC, aplicáveis por força da alínea e) do artigo 2° do CPPT.
G. Uma vez que a presente nulidade foi praticada na própria Sentença, só aí se consumando, o meio processual de reacção pelo qual a mesma pode ser arguida é o recurso jurisdicional da decisão final, aplicando-se o respectivo regime de interposição e de apresentação de alegações, conforme Jurisprudência estabilizada e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo.
A nulidade da Sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto:
H. A especificação da factualidade não provada é inadmissível por ser verdadeiramente inexistente: na realidade, existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente na sua petição inicial, e, por outro, o desleixo com que a Sentença a tratou.
I. Nas alegações finais, a Recorrente fez a descrição de um conjunto vasto de factos que, apreciados de modo interligado, teriam a susceptibilidade de ter implicado que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não pudesse ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de "indícios" de que as facturas contabilizadas pela MJSB não titulam transacções reais. Assim sendo, perante a relevância dos factos aduzidos, que têm a capacidade de refutar os alegados "indícios" da AT, deveria a Sentença recorrida ter-lhes feito uma referência e dedicado uma apreciação expressas.
J. Se o Tribunal deu por integralmente provados os factos do Relatório, e se os tratou como "indícios" suficientes, então teria necessariamente de fazer constar do rol da matéria não provada os factos que a MJSB defendeu serem idóneos à demonstração do contrário, de que aquela natureza indiciária seria de afastar, explicando, com suficiente rigor, o porquê de os não ter considerado credíveis. Se o Tribunal achou que a matéria em causa não resultou provada, devia tê-lo dito claramente, assim como deveria ter desenvolvido circunstanciadamente as razões pelas quais ficou com essa convicção. O que não poderia ter feito foi — como fez — ter, pura e simplesmente, excluído dos autos essa matéria controvertida, sem justificar o valor ou o desvalor que lhe atribuiu, logo no momento processual em que esse esforço era devido.
K. A falta de especificação dos fundamentos de facto é uma nulidade prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 668° do CPC, bem como no n.° 1 do artigo 125° do CPC, sendo que para efeitos deste último a falta de discriminação da matéria de facto não provada é equiparada à falta de indicação da matéria de facto provada.
L. Posto que a decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos não provados, é insuficiente, nos termos sobreditos, ela acaba inexoravelmente por ser inadmissível também por resultar da ausência de exame crítico da prova — outro vício acerca do qual os Tribunais Superiores têm vindo a construir jurisprudência sólida.
M. Para além de excessivamente breve, a Sentença é nesta parte, em grande medida, inócua, podendo até dizer-se que em parte a "motivação" não revela, verdadeiramente, motivação alguma.
N. Por outro lado, todavia, o pouco que, do segmento em causa, se pode caracterizar, ainda que com dificuldade, como motivação da decisão da matéria de facto reduz-se a meras fórmulas vazias e genéricas, não podendo também ser considerada motivação suficiente.
O. Assim, deve concluir-se que o Tribunal, ao declarar quais os factos que julgou provados e os que entendeu não provados, não analisou criticamente uma parte grande e fundamental das provas ao seu dispor, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme lhe é exigido pelos artigos 653°, 655° e 659° do CPC.
P. Por falta de especificação dos fundamentos de facto, a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, prevista no n.° 1 do artigo 125° do CPPT e na alínea b) do n.° 1 do artigo 668° do CPC, podendo ser anulada oficiosamente, ao abrigo do n.° 4 do artigo 712° do CPC.
O erro no julgamento da matéria de direito:
Q. O Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do artigo 23° do Código do IRC: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório.
R. Para que o artigo 23° do Código do IRC se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrente com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o "animus nocendi" em desfavor do Estado.
S. No entanto, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva — não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a MJSB nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito — a algum conceito — de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e — diga-se —preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.
T. De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos "indícios" se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).
U. Do Acórdão do TCA-Norte de 01/03/2007,...

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