Acórdão nº 02207/10.3BEPRT 0439/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15-10-2020
Data de Julgamento | 15 Outubro 2020 |
Número Acordão | 02207/10.3BEPRT 0439/17 |
Ano | 2020 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
I – RELATÓRIO
1. A…………, devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAN, de 16.12.2016, que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto.
Na origem do recurso interposto para o TCAN esteve uma decisão do TAF de Porto, de 05.03.2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pela A. contra o Município do Porto com vista a obter: i) a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação proferida pela Câmara Municipal do Porto, em 04.05.2010, deliberação que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, e ii) a condenação da entidade demandada a pagar-lhe a quantia de € 31.230,39 para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu. Em consonância, a entidade demandada foi absolvida de ambos os pedidos.
2. Inconformada, a A., ora recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 1279-1300 – paginação SITAF):
“1ª - O procedimento disciplinar foi instaurado por despacho do Sr. Presidente da Câmara do Porto de 11 de Dezembro de 2008, e as infracções imputados à representada do A. ocorreram entre 04 Junho de 2003 e 04 de Dezembro de 2005;
2ª - Desses factos tomou conhecimento o Sr. Presidente da Câmara do Porto teve conhecimento detalhado, pelo menos, em 02 de Dezembro de 2005, como desde logo resulta do facto de nessa data ter participado os mesmos à Polícia Judiciária para efeitos de instauração de procedimento criminal;
3ª - Atento o disposto no nº 2 do artº 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública aprovado pelo Dec-lei nº 24/84 de 16/01, na altura em vigor, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescrevia "se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses".
4ª - Segundo a melhor jurisprudência, deve considerar-se que existe conhecimento da falta logo que deixe de ser razoável persistirem dúvidas no espírito do dirigente máximo do serviço quanto à prática pelo funcionário de determinada infracção disciplinar;
5ª - Ou seja, basta que a materialidade dos factos seja susceptível de conduzir à percepção do cariz disciplinar desses mesmos factos;
6ª - Iniciando-se com tal conhecimento o prazo de caducidade do direito de acção disciplinar, cujo termo ad quem ocorre com o despacho de instauração do procedimento disciplinar;
7ª - Ora, que os factos dos quais o Sr. Presidente da Câmara do Porto teve conhecimento detalhado em 02 de Dezembro de 2005 revestiam natureza jurídico-disciplinar, é o que resulta também, por maioria de razão, do facto de terem sido considerados como consubstanciadores de ilícitos de natureza jurídico-criminal;
8ª - Deveria, por isso, o Sr. Presidente da Câmara do Porto ter instaurado de imediato o competente procedimento disciplinar, ou de inquérito, até porque a tanto estava obrigado, face ao disposto no nº 2 do artº 4º do Dec-lei nº 118/83 de 25 de Fevereiro;
9ª - Assim não tendo acontecido e tendo o Sr. Presidente da Câmara do Porto tomado conhecimento de tais factos pelo menos em 2005.12.02, manifesto é que a instauração do presente procedimento disciplinar, decorridos que eram pelo menos três anos e nove dias após aquele conhecimento, se encontra desde há muito prescrita;
10ª - Na verdade, para a decisão de abertura de procedimento disciplinar é bastante a aquisição procedimental de factos que indiciem a prática e a ocorrência de uma ou várias infracções disciplinares;
11ª- A exigência de definição desses factos, nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar, verifica-se sim em relação à peça acusatória [por forma a exercer cabalmente o direito de defesa] e não em relação à notícia de factos integradores de ilícitos disciplinares;
12ª- No caso dos autos, os elementos probatórios coligidos pelo Município do Porto, ademais e especialmente, as cópias dos recibos que titulavam os aludidos tratamentos falsos, posteriormente remetidos à Polícia Judiciária, indiciam de forma segura a existência de factos integradores da prática e a ocorrência de uma ou várias infracções disciplinares;
13ª- Tal convicção surge particularmente reforçada pelo facto de, já antes da participação efectuada à Polícia Judiciária, os serviços camarários do Réu terem prestado informação a constatar a existência de indícios da prática de ilícitos disciplinares;
14ª- A partir deste momento, iniciou-se, pois, a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar;
15ª - Iniciando-se em finais de 2005 a contagem do prazo de prescrição, quando foi decidida pelo Presidente da Câmara Municipal a instauração do processo disciplinar [Dezembro de 2008], o mesmo já se encontrava prescrito, por inobservância do, quer do prazo de 3 meses previsto no D.L. 24/84, quer do prazo de 1 mês previsto no D.L. 58/2008.”
16ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, por ter considerado não verificada a prescrição, em ofensa ao disposto no nº 2 do artº 4º do DL 24/84.
17ª - O dever geral de zelo consubstancia-se num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os mesmos estejam adstritos;
18ª - Este dever assume-se como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e execução e funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador;
19ª - Viola tal conduta funcional o trabalhador que se apartar daqueles mesmos padrões ou objectivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou por subversão dos fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço;
20ª - Nessa medida, cabendo inferir da sua existência ou detectá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste a actividade funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo revelou desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como exercer as funções em desacordo com os objectivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução desses fins;
21ª - A montante dos factos narrados a categoria de tesoureira não foi ponderada na medida da pena aplicada, pelo que também não o poderia ser in actu exercito;
22ª - Como consta da acusação, a quantia indevidamente recebida pela Recte. ocorreu na sequência da entrega pela mesma dos atinentes recibos na secção de salários dos SMAS;
23ª - Para além de todos os demais recibos entregues pelos restantes arguidos o terem sido na mesma secção de salários, sendo suposto que tal secção estará ligada aos serviços de tesouraria, certo é que nada nos autos permite dar como assente que a Recte. tinha alguma ligação funcional a tal secção de salários;
24ª - Mesmo que assim se não entenda, certo é, também, que nada nos autos comprova, por nem sequer alegado, que a arguida, ora Recte., de alguma forma interveio no processamento e pagamento das quantias por ela recebidas correspondentes a comparticipações da ADSE;
25ª - O mesmo se oferece dizer quanto ao processamento e pagamento das comparticipações dos demais co-arguidos. Com efeito, se não foi possível ao dirigente máximo do serviço, mesmo em sede disciplinar, apurar quais os esquemas alegadamente usados pelos arguidos, quais os serviços efectivamente prestados, valores, etc., muito menos poderia a Recte. aquilatar sobre a maior ou menor credibilidade dos comprovativos de despesas médicas apresentados pelos demais funcionários;
26ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por ter considerado não verificada a prescrição e por ter considerado como violado o dever de zelo, em ofensa ao disposto nos artºs 3º, nº 4, al. b) e nº 6 e artº 4º, nº 2, do ED/84.
Termos em que, e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se o Acórdão sob censura e, julgando-se procedente a acção, deverá ser anulada a deliberação tomada pela C. M. do Porto em sua reunião de 2010.05.04, mediante a qual foi aplicada à Recte. a pena disciplinar de demissão, com o que se fará
JUSTIÇA!”.
3. A entidade demandada, ora recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou as suas contra-alegações produzindo as seguintes conclusões (cfr. fls. 1303-1366 – paginação SITAF):
“(a) O acórdão proferido pelo Tribunal a quo foi injustamente posto em crise, uma vez que procedeu a uma correta e cuidadosa análise de toda a matéria de facto, sendo corretas e ajuizadas as considerações jurídicas do mesmo constantes sobre as matérias aqui abordadas – que estão, além do mais, e como se viu, em perfeita sintonia com o que vem sendo defendido, de forma pacífica, pelos tribunais superiores – inexistindo assim a violação dos preceitos indicados pela Recorrente;
(b) A matéria de facto foi fixada pelo Tribunal a quo em dois momentos: no despacho saneador e na resposta à Base Instrutória, sendo que em ambos os momentos a Recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos provados (artigo 511.º, n.º 2 do anterior CPC e 653.º do atual CPC), nunca alegando qualquer insuficiência na fundamentação dos mesmos, não o podendo fazer agora;
(c) Na matéria de facto dada como provada é expressamente referido pelo Tribunal a quo quais os documentos ou fls. do processo disciplinar em que se baseou para o efeito, dando muitas vezes por reproduzidos esses documentos ou fls. do processo disciplinar, sendo que a demais matéria resulta de factos invocados por ambas as partes ou não contraditados;
(d) A Recorrente não especifica em concreto quais os pontos da matéria de facto que considera indevidamente fundamentados, sendo que, se alguma...
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