Acórdão nº 02132/14.9BELRS 0308/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03-07-2019

Data de Julgamento03 Julho 2019
Número Acordão02132/14.9BELRS 0308/18
Ano2019
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. BANCO A............, S.A., impugnou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, o despacho do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes que indeferiu a reclamação n.º 3263201404004248, relativa às autoliquidações das contribuições do sector bancário, referente aos exercícios de 2012 e 2013, datadas de 29/06/2012 e 27/06/2013, no montante de 1.018.177,13 €, peticionando a procedência da ação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 24/05/2017 (fls. 225/273) julgou a impugnação improcedente.
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1.3. É dessa decisão que a recorrente vem interpor o presente recurso para este Supremo Tribunal, terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1.° A douta sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente relativa aos atos de autoliquidação CESB 2012 e 2013;
2.° Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na qualificação do tributo como contribuição financeira;
3.º A evolução de regime jurídico de tributação sectorial da Banca em Portugal foi a seguinte: em 2011 e 2012 vigorou no nosso ordenamento um regime extraordinário de tribulação do sector bancário, a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais; em 2013 e 2014, vigoraram em paralelo dois regimes distintos de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, e (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais. periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas; a partir de 2015, inclusive, vigoram em paralelo três regimes de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas, e (iii) as contribuições comunitárias cobradas pelo Fundo de Resolução;
4.° Sustenta o Recorrente que apenas as contribuições para o Fundo de Resolução (contribuições dos participantes, iniciais, periódicas e especiais) e as contribuições comunitárias (ex ante e ex post) pela sua estrutura, pressuposto e desígnio, são verdadeiras contribuições, não assim a CESB;
5.° De acordo com o Tribunal a quo, a criação do Fundo de Resolução e a afetação de receitas a esta entidade assumiria uma relevância determinante para a qualificação do tributo como contribuição; contudo, no que concerne a CESB 2012, inexistindo qualquer afetação da correspondente receita, revela-se erróneo aludir à posterior existência do Fundo de Resolução;
6.° No que concerne a CESB 2013, inexistiu uma afetação a priori da correspondente receita ao Fundo de Resolução;
7.° O artigo 153.º-F do RGICSF foi então derrogado pela Lei do Orçamento do Estado para 2013, que destinou a receita do imposto às despesas estaduais gerais;
8.° Por outro lado, a transferência prevista na Lei n.º 75-A/2014, após a aplicação de uma medida de resolução, é irrelevante para efeitos da qualificação jurídica do tributo pois aquela transferência de receita, quando já há muito estava extinta a obrigação tributária, não é passível de desvirtuar a posteriori a natureza do imposto CESB 2013;
9.° No âmbito da caracterização da natureza do tributo, também não releva a finalidade alegada pelo legislador de prevenção de riscos sistémicos;
10.º Não se pode concluir por um perfil preventivo do tributo pela simples circunstância da incidência objetiva da CESB sobre o passivo pois a atividade bancária consiste, por natureza e definição, na receção de depósitos do público para a concessão de crédito, o que significa que a assunção de passivos é-lhe intrínseca;
11.º O regime da CESB prevê uma incidência objetiva sobre o passivo de toda a espécie em balanço, não operando distinções em relação ao tipo de passivo e não atendendo ao perfil de risco das instituições de crédito, diferentemente das demais contribuições setoriais:
12.° A base de incidência residual do tributo — instrumentos financeiros derivados — tão-pouco traduz uma dissuasão de comportamento avesso ao risco porquanto os instrumentos financeiros derivados têm, muito frequentemente, uma função de cobertura do risco e não especulativa e o facto de a lei desatender à função do instrumento (diferentemente da base de incidência da contribuição comunitária) revela a ausência, também aqui, de desígnio dissuasivo de comportamentos;
13.° O desígnio primordial da CESB é o financeiro e não a prevenção de comportamentos, desde logo porque o imposto extraordinário, avulso e temporário aqui em causa, sempre foi exógeno (aplicado a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que o sujeito passivo possa adequar a sua atuação);
14.° Porém, mesmo que os fins da extrafiscalidade estivessem de facto presentes na CESB, tal natureza pigouviana do imposto mais reforçaria a correspondente natureza fiscal, e não a natureza de contribuição;
15.º Assente que para a CESB 2012 e CESB 2013, aquando da sua génese, é indiferente em absoluto o Fundo de Resolução, então apenas resta o teste da “estrutura” do tributo para aferir da natureza unilateral ou bilateral da CESB;
16.º Não é possível identificar na CESB a contraprestação de uma prestação pública específica porquanto: (i) a intervenção estatal para resgate de um banco, na era pré-resolução, não é juridicamente uma prestação que se possa dizer, com certeza, segura, e (ii) a estrutura do tributo, no caso particular da CESB 2012 e 2013, não reflete uma comparticipação nos potenciais encargos estatais com uma futura intervenção pública no sector bancário;
17.º Diferentemente das posteriores contribuições para o Fundo de Resolução ou diferentemente das contribuições comunitárias, não existe na CESB qualquer pretensão de onerar em função de uma prestação pública específica, não existe qualquer pretensão de onerar em função do risco
18.º Em suma, desassociando a CESB daquilo que lhe não está associado (a criação e funções do Fundo de Resolução), como se impõe que se faça em termos jurídicos, não pode senão concluir-se que não é contrapartida de nenhuma prestação pública específica, mas antes se qualifica como imposto (tal como classificada pelo legislador orçamental);
19.º No que concerne a violação da proibição da retroatividade da lei fiscal, o Tribunal recorrido identificou, em erro de julgamento de direito, um facto tributário «em formação», no início da vigência da lei agravadora, quando, na realidade, os factos tributários aqui em causa estão totalmente formados antes da lei nova.
20.º No caso vertente, o facto tributário – facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência da taxa e que determina o nascimento da obrigação tributária – é a assunção/manutenção dos passivos e instrumentos financeiros derivados, num determinado período, e, ao contrário do que se refere na sentença recorrida, a aprovação das contas não forma parte do facto tributário, não assume, de acordo com o previsto no regime da CESB, o relevo jurídico de fazer eclodir a obrigação tributária;
21.º As normas sob sindicância prescrevem um agravamento tributário incidindo sobre passivos e instrumentos financeiros, aplicando-se a tais factos ocorridos antes do início da respetiva vigência, ao abranger exercício económico já encenado;
22.º A técnica legislativa de prorrogação de vigência equivale, em tudo, à criação inovatória de um tributo de natureza retroativa, ou a um agravamento de taxa retroativo, uma vez que tal prorrogação ocorre numa data em que já havia cessado a vigência do normativo anterior e na qual já se produziram os factos tributários que a prorrogação do regime visa atingir;
23.º São materialmente inconstitucionais, por violação do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, o normativo do artigo 182.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro e o do artigo 252.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, por conjugadamente com a norma do artigo 3.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, ao determinarem a incidência sobre exercício anual encerrado antes de 1.01.2012 e 1.01.2013, respetivamente (sobre os passivos e instrumentos financeiros detidos nesse período), imporem a tributação de factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor;
24.º Mesmo que assim não se entendesse, sempre seriam atentatórios do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, corolário do princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP;
25.º Desde logo, o tributo não obedece ao propósito de prevenção de riscos sistémicos pelo que nunca poderia apelar-se a um tal fito como sendo o interesse constitucional prevalecente e justificador da retroatividade,
26.º Por outro lado, atendendo à existência de alternativas viáveis do mesmo tipo e que permitiam obter a mesma receita sem infringir a Constituição, designadamente a consideração do período de referência subsequente à entrada em vigor da nova lei, deveria ter concluído o Tribunal a quo que as disposições sindicadas não passam o teste da necessidade;
27.º No que concerne a violação do princípio da legalidade, considerou o Tribunal recorrido que os referidos normativos não violam o princípio da legalidade fiscal consagrado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;
28.º O Tribunal a quo assenta a sua conclusão no pressuposto de que a CESB tem a natureza de contribuição financeira e, como tal, não estava sujeita a uma reserva integral de lei;
29.º Discorda o Recorrente de tal entendimento, desde logo, por considerar que, enquanto o legislador não aprovar o regime geral das contribuições financeiras, elas deverão seguir o regime jurídico dos impostos, quando o sujeito passivo não aufira um benefício...

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