Acórdão nº 02/19.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05-06-2019

Judgment Date05 June 2019
Acordao Number02/19.3BALSB
Year2019
CourtSupreme Administrative Court (Portugal)
Recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência

Decisão recorrida – decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal
no proc. n.º 207/2018-T em 27 de Novembro de 2017.
Acórdão fundamento – acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 09178/15, de 22 de Fevereiro de 2018, disponível em www.dgsi.pt


1.
A……., S.A., notificada da decisão proferida no âmbito do processo n° 207/2018-T, ao abrigo do disposto no n° 2 do art. 25° do Decreto-Lei no 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), veio interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo por entender verificar-se oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito - apreciação da suficiência de prova recolhida em fase de inspecção tributária, para justificar liquidações adicionais de imposto -, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 22/02/2018 proferido no processo n° 09178/15, pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões:

1. O presente recurso é apresentado nos termos do n° 2 do art. 25° do Decreto-Lei n° 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), por se verificar oposição quanto ao acórdão do CAAD para o processo n° 207/2018-T e os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/02/2018 para o processo n° 09178/15 e; para o processo nº 08342/15, ambos já transitados em julgado em Abril de 2018.

2. O cerne da oposição centra-se sobre a suficiência de prova para considerar determinada factura como falsa.

3. A Administração Tributária para proceder à correcção de declarações fiscais por via de liquidações adicionais de imposto, tendo como causa a identificação de facturas falsas, precisa de demonstrar indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada das facturas não titularem operações reais e efectivas, embora não precise de demonstrar o acordo simulatório ou a falsidade das facturas quando procede a tais correcções.

4. O efeito resultante da recolha de tais indícios é o de fazer recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova sobre a veracidade das prestações de serviços ou transacções tituladas pelas facturas.

5. Ora, o Acórdão recorrido entendeu suficiente a simples menção de indícios externos recolhidos junto de outros contribuintes para “abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte”, fazendo assim operar a inversão do ónus da prova que pendia sobre a ATA, o que permitiu a manutenção de notas de liquidação adicional de IVA no valor de €2 554 135,98, acrescidas de juros.

6. Tais notas de liquidação adicional resultaram de correcção de imposto, em sede de IVA, nomeadamente da limitação ao direito de dedução do IVA constante das facturas que a ATA reputou de falsas, por “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada”.

7. Tal correcção decorreu de procedimento inspectivo onde nenhuma questão, esclarecimento, visita ou elemento foi pedido à Recorrente, pelo que nenhuma das conclusões apresentadas no RIT resulta de testes ou verificações efectuadas junto do contribuinte. Antes a ATA se bastou com a consulta de um processo crime em fase de inquérito.

8. A ATA não cuidou de “conhecer a A……….” o seu procedimento de compras, o método de transformação ou venda, a documentação envolvida ou, o processamento, arquivo e detalhe daquela, não testou o caixa, não escrutinou o processo de catalogação de fornecedores ou visitou as instalações da Recorrente.

9. Pois se o tivesse feito tinha constatado que a A……… adoptou o mesmo procedimento interno para todos os fornecedores; procedeu aos respectivos pagamentos da mesma maneira; transformou a matéria prima adquirida da mesma forma e inclusive, exportou o seu produto acabado para o mesmo numero reduzido de clientes, a quem entregou e de quem recebeu da mesma forma, poupando a Recorrente a um tratamento fiscal diferenciado em consonância com os dados recolhido junto de fornecedores ou, de fornecedores de fornecedores.

10. Os fornecedores em causa são B……….., Lda e C………. Unipessoal, Lda. ambos sujeitos ao mesmo procedimento de fornecimentos pela A…….. e pagos com cheque ou transferência bancária, como qualquer outra dos fornecedores do referido período.

11. Quanto ao primeiro, tudo o que a ATA fez foi “concluir” com base numa analise de documentos que não identificou, nem referenciou e que nunca teve a A…… oportunidade de analisar e contrariar, visto serem o resultado de transacções comerciais às quais é completamente alheia e retiradas de inspecções tributária feitas a outros contribuintes, em cujos processos não esteve envolvida nem pôde participar e, cujos documentos não lhe foram disponibilizados, exibidos ou sequer individualizados, sumariados ou referidos.

12. Ainda assim apenas €1 427 000,00 dos €15.773.061,72 adquiridos a este fornecedor foram consideradas compras efectivas? E apenas o valor correspondente ao IVA contino nas primeiras facturas foi passível de dedução.

13. Tudo porque alegadamente a B……… tinha como “principal fornecedor” a D………e esta sociedade não declarante foi entendida como “empresa de fachada”.

14. Sem mais pormenores ou outras quantificações.

15. Já quanto ao segundo foi relevado o depoimento do sócio gerente (anexo 11 ao RIT) que, na interpretação da Recorrente aponta como única desconformidade para a sua actividade comercial, a interposição real de pessoa nas transacções comerciais.

16. Pois que, o declarante criou a sociedade e sempre forneceu todos os elementos necessários para criar na A…….. a convicção de que contratava com quem se apresentava à venda, ainda que por intermediário, agente, estafeta ou funcionário.

17. Embora assim não o tenha entendido a ATA e o Acórdão recorrido, que encontraram naquele depoimento indício suficiente enquadrar as vendas daqueles fornecedores como inexistentes e as facturas como falsas.
18. Em suma, tudo quanto a ATA demonstra no seu RIT é que dois fornecedores da A……. terão desconformidades na sua contabilidade e falhas nas suas obrigações declarativas, mas detinham mercadoria para concretizar fornecimentos e aparência societária para o tracto comercial, relacionando-se com a A…….. naquela qualidade.

19. Mas a grande divergência entre o Acórdão Recorrido e os acórdãos do TCA é que o primeiro se bastou com a prova apresentada, já os segundos valorizam a prova que, podendo ser apresentada, não foi. O que deveria ter encontrado eco nos presentes autos.

20. A ATA teve à sua disposição todos os documentos contabilísticos e extracontabilísticos, computadores e arquivos da Recorrida que, foram apreendidos à ordem do processo crime 131/12.4TELSB (e para a A……… foram mantidos em segredo de justiça), de onde constavam guias de entrega de ouro, contactos, anotações em documentos, registo de marcações e uma serie de outros instrumentos de trabalho, de cuja analise se imponha que a ATA conseguisse evidenciar contradições ou indícios de fraude, burla ou evasão fiscal.

21. Mas não o logrou fazer.

22. A A…….. transaccionou vendas na ordem do Bilião de euros, desde a sua constituição em finais de 2009 até ao termo do ultimo exercício sujeito a inspecção (2013), pelo que alegar desconformidades na esfera de dois fornecedores responsáveis por fornecimentos representativos de 0,26% das compras da Recorrente em igual período, por alegação de facturas falsas, sem qualquer desconformidade apontada às práticas ou documentos da A……. é completamente descabido e desproporcional.

23. E é por essa razão que o presente recurso é apresentado.

24. Porque os Acórdão do TCA reconhecem ser preciso mais:
“É por essa razão que afirmamos várias vezes que não basta, é insuficiente, o apuramento de indícios junto do fornecedor (emitente das facturas) impondo-se que esses indícios sejam completados, confrontados e relacionados com os apurados junto da contabilidade do cliente (receptor das facturas), sob pena de se estar a extrair automaticamente uma conclusão de facturas fictícias a partir de factos que são alheios ao contribuinte. Neste contexto, sublinhe-se, uma vez mais, a necessidade de analisar junto daquele os meios de pagamento utilizados e dos extractos bancários e restantes elementos existentes na contabilidade...”

25. Estabelecendo ambos os Acórdão que “A AT pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as facturas não correspondem a operações efectivas (facturas falsas ou fictícias)”;

26. É que nos termos do disposto no art. 63.º da LGT sob a epígrafe, “Inspecção” os órgãos competentes podem desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, trata-se de um poder-dever, atendendo, também, ao princípio do inquisitório consagrando no art. 58.° do mesmo diploma;”.

27. Perante a ausência de indícios sérios, objectivos e consistentes, que demonstrem uma probabilidade elevada das facturas não titularem operações reais e efectivas, particularmente a ausência de qualquer indicio recolhido na esfera da A………, fica assim incumprido o ónus de prova previsto no art.° 74.º da LGT e do art.° 240.° e 241.° do Código Civil que pendia sobre a ATA, pelo que ter-se-á de considerar como anuláveis as declarações adicionais impugnadas.
Requereu que seja concedido provimento ao recurso.

2.
Admitido liminarmente o recurso foram presentes alegações por parte sociedade recorrida que culminam com as seguintes conclusões:
1. A Recorrente vem interpor recurso, nos termos do artigo 25. °, n.º 2 do...

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