Acórdão nº 0195/18.7BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01-02-2024

Data de Julgamento01 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão0195/18.7BEPNF
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Espécie: Recurso de revista de acórdão do TCA

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. AA, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que concedeu provimento ao recurso interposto pela Entidade Demandada, INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP (ISS, IP) – Centro Nacional de Pensões e revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Penafiel, julgando improcedente a ação em que aquela peticionara a declaração de nulidade do ato administrativo que lhe recusou a atribuição de pensão de velhice e o reconhecimento do direito da Autora à pensão por velhice, com a contabilização e reconhecimento como válidos de todos os períodos da respetiva carreira contributiva.

2. O TAF de Penafiel, por sentença de 30/06/2019, julgou a ação procedente e condenou a Entidade Demandada a considerar, no período de remunerações da Autora, os anos que haviam sido desconsiderados no ato impugnado que recusou a atribuição de pensão de velhice, com fundamento no não preenchimento do prazo de garantia de 15 anos de descontos para o ISS, IP.

3. Inconformado com esta sentença, o ISS, IP, interpôs recurso jurisdicional para o TCAN, o qual, por acórdão datado de 25/03/2022, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou a ação improcedente.

4. A Autora, ora Recorrente, inconformada com o julgamento do TCAN, interpôs o presente recurso de revista para este STA, formulando, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões:
A. O presente Recurso de Revista tem por base o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 10 de março de 2022, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Nacional de Pensões, revogando, por consequência, a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
B. Quanto à admissibilidade de Recurso de Revista, violando a decisão recorrida o disposto no artigo 624.º, do Código de Processo Civil, bem como os princípios segurança jurídica e da confiança, bem como o direito à pensão e o instituo do caso julgado, os requisitos de admissão do presente recurso encontram-se preenchidos, nos termos do artigo 150.º, do CPTA.
C. A questão aqui em causa - dilucidar se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” poderá ignorar a circunstância de ter sido judicialmente reconhecida a função da recorrente de trabalhadora por conta de outrem (exclusivamente, nunca tendo exercício funções de gerência), mediante a prolação de sentença penal absolutória transitada em julgado – apresenta inegável relevância social, com capacidade de repercussão em situações idênticas, que apraz uma melhor aplicação do Direito, intensificada pelo facto de o Aresto de que se recorre contrariar errónea e ostensivamente uma sentença penal absolutória, para além da contradição entre a primeira e segunda Instâncias administrativas.
D. A sentença proferida em sede de 1.ª instância decidira pela procedência do pedido de impugnação do ato administrativo deduzido pela Recorrente, dando cabal cumprimento, outrossim, ao vertido em sentença penal absolutória, proferida em 2013.
E. Nessa sentença penal, a ora Recorrente foi absolvida do crime de burla tributária, uma vez que se deu como provado que a mesma, perante a sociedade, sempre foi trabalhadora, exercendo funções de empregada de limpeza.
F. O Tribunal da Maia ancorou essa convicção cm base na prova produzida em audiência de julgamento: ou seja, foi convicção do tribunal que a Recorrente nunca exercera funções de gerência.
G. Considerando tal sentença penal, o TAF de Penafiel decidira pela procedência do pedido da Autora, considerando todo o período de tempo para efeitos de remunerações ilegíveis para acesso à pensão de reforma.
H. Sucede que, por força do recurso deduzido pela Segurança Social, o TCA Norte entendeu que a pretensão material da Autora nunca iria produzir efeitos, uma vez que o período enquadrado em trabalho por conta de outrem – 97 a 98 – nunca seria suficiente para completar os 15 anos mínimos para aceder à reforma, dando provimento ao recurso.
I. Verifica-se, deste modo, que o Tribunal a quo levou em consideração que, nos restantes períodos trabalhados, a Autora exercera funções enquanto membro de órgão estatutário.
J. Indicando que, para todos os efeitos, a Recorrente apenas detém um ano de exercício de funções enquanto trabalhadora por conta de outrem, não sendo suficiente para atingir os 15 anos mínimos para acesso à reforma.
K. Ora, tal entendimento é completamente oposto ao que foi dado por provado em sede de sentença penal, e posteriormente tomado em consideração pela 1.ª instância.
L. O Aresto de que ora se recorre ignora ostensivamente o conteúdo da sentença penal absolutória, negando a eficácia extra processual inerente à sentença penal absolutória, conforme é previsto no artigo 624.º, do Código de Processo Civil.
M. De facto, a sentença penal absolutória transitada em julgado constitui presunção legal da inexistência dos factos, sendo certo que delineia e estabiliza no ordenamento jurídicos os factos dados como provados e não provados.
N. Para assentar no contrário do que aí se expendeu, sempre se teria de fazer prova de tal.
O. Porém, in casu, nem as alegações de Recurso da Recorrida suscitam qualquer questão bastante para refutar a presunção, nem o enquadramento da Recorrente enquanto membro de órgão estatutário corresponde à realidade factual.
P. Aliás, à presente data, à Autora, no seu extrato de remunerações, é-lhe reconhecida pela própria Recorrida 17 anos de remunerações, sendo elegível para aceder à reforma.
Q. Ademais, nunca é colocado em causa ter ou não período suficiente de acesso à reforma pela própria recorrida, no seu recurso.
R. A decisão do Tribunal Central colide, assim, com o teor de uma sentença penal absolutória, negando o seu valor e eficácia extra processual que a carateriza, à luz do disposto no artigo 624.º, do Código de Processo Civil.
S. É que, para se considerar algum período exercido enquanto MOE, por parte da Recorrida, sempre disso se teria de produzir prova, uma vez que a sentença penal absolutória atribuiu presunção ilidível sobre os factos aí ínsitos.
T. ademais, a realidade fática reconhecida pela própria recorrida concede, na presente data, à Autora, a possibilidade de aceder à reforma, atento ser-lhe reconhecidos 17 anos de salários.
U. O Acórdão proferido colide com os princípios da confiança e da segurança jurídica, impondo uma decisão errónea, tanto ao nível do Direito – pela violação de lei substantiva e processual – como ao nível fático.
V. Decidindo de forma oposta à decisão da 1.ª Instância, o Acórdão recorrido errou, pois, violando o disposto nos artigos 623.º e 624.º, do Código de Processo Civil, bem como desrespeitou o/os valores da certeza e segurança jurídica, próprios do instituto do caso julgado, o princípio da proteção da confiança e das legítimas expectativas, bem como os direitos fundamentais de acesso à pensão e de segurança económica das pessoas idosas (artigos 63.º e 72.º, CRP).
W. Devem assim os Exmos. Colendos Conselheiros revogar o acórdão recorrido confirmando a sentença proferida em 1.º instância.”.

Pede que seja admitida a revista e, consequentemente, concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido.

5. O Recorrido, ISS, IP não apresentou contra-alegações.

6. O recurso de revista interposto pela Autora/Recorrente foi admitido por Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste STA, em formação de apreciação preliminar, de 30/06/2022, do qual consta: “Ora, como se vê as instâncias decidiram de forma oposta, a questão da aplicação do regime previsto no DL n.º 187/2007, de 10/5 quanto a saber se a Recorrente perfaz o prazo de garantia, de acordo com o disposto nos arts. 10°, n° 1 e 19° daquele diploma. Tal discrepância resulta de a 1.a instância ter entendido que ao prazo de 13 anos que a Recorrente perfaz, lhe devem ser contados os anos de 1998 a 2001, sendo que estes anos foram desconsiderados pelo acórdão recorrido. Ora, tal desconsideração que tem subjacente a existência de um processo crime (no qual a Recorrente foi absolvida) tem relevância jurídica, não sendo a questão isenta de dúvidas, como logo se vê da discordância das instâncias quanto à solução do caso.”.

7. O Ministério Público junto deste STA, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, defendendo que “(…) todo o tempo de trabalho prestado pela A. à entidade empregadora deve, salvo melhor opinião, ser considerado para efeitos de integração do prazo de garantia previsto no art.º 19º do DL n.º 187/2007, de 10/5, tendo a A. já completado à data do acto impugnado o prazo legal de 15 anos necessário ao reconhecimento do seu direito à pensão de velhice. Assim, o douto acórdão recorrido, ao não reconhecer à A. o prazo de garantia para atribuição da pensão de velhice, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto por não ter tomado em consideração presunção não ilidida, nos termos do art.º 624º nº 1 do CPC, consubstanciada no facto provado em processo penal de a A. sempre ter trabalhado para a entidade empregadora como trabalhadora por conta de outrém.”.
8. O processo vai, com os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

9. Constitui objeto do presente recurso de revista aferir se o acórdão do TCAN, ao conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar a ação improcedente, incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar que os descontos...

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