Acórdão nº 0193/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29-01-2014
Data de Julgamento | 29 Janeiro 2014 |
Número Acordão | 0193/11 |
Ano | 2014 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A A…………………….., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferida em 21/10/2010, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento tácito do pedido de “reclamação graciosa” do acto de auto-liquidação de IVA relativo ao mês de Fevereiro de 2004, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1. O montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o artigo 16º, nº 1 e nº 6, al. c) do CIVA, o artigo 11º, A, nº 1, al. a) e nº 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977) e bem assim a jurisprudência emanada do TJCE.
2. A taxa de exibição devida pelos anunciantes é liquidada, por substituição tributária, pelos operadores ou distribuidores de televisão que a tem que entregar ao Estado no prazo referido no artigo 52º do Decreto-lei n.º 227/2006, e informar o mesmo sobre: teor das exibições, identificação dos anunciantes, importância sobre a qual recaiu a taxa e montantes de contribuição liquidados a cada anunciante.
3. No caso em apreço não ocorre retenção na fonte, contrariamente ao pressuposto de que parte o Tribunal “a quo” e que normalmente está associado ao mecanismo da substituição.
4. A melhor doutrina considera haver substituição tributária quando a lei determina que um dado sujeito passivo se substitua àquele relativamente ao qual se verificou o facto tributário, ocupando o seu lugar na obrigação de imposto e, via de regra, beneficiando do direito de haver aquilo que pagou.
5. Alexandre do Amaral distingue claramente entre “sujeito passivo por débito próprio” e o “sujeito passivo por débito alheio”, sendo o sujeito passivo por débito próprio aquele em que confluem as qualidades de sujeito passivo e contribuinte, enquanto o sujeito passivo por débito alheio é aquele que, sendo embora sujeito passivo, não é contribuinte. O ilustre autor dá como exemplo deste último caso o substituto tributário, qualidade que a ora Recorrente assume por força da lei no presente caso.
6. Todos os autores são unânimes em considerar que a substituição fiscal não se confunde com a retenção e em afirmar que a substituição não é ditada por nenhum princípio de equilíbrio ou justiça, mas tão só por um princípio de eficácia, ou seja, por razões de natureza técnica (vg. um pagamento mais rápido ao Estado, a redução do número de sujeitos, etc.).
7. De acordo com o probatório, a Recorrente prestou serviços de publicidade, emitiu facturas aos seus clientes anunciantes, exigiu-lhes a taxa de 4% a que alude o decreto-Lei nº 227/2006 e liquidou IVA sobre o valor dos serviços prestados e ainda sobre o montante arrecadado dos 4%, entregando-o ao Estado.
8. Mais se provou que a Recorrente contabilizou os montantes referentes à taxa de exibição acima referida em contas de terceiros, i.e., em contas transitórias referentes a cada um dos seus próprios clientes.
9. Não obstante a prova dos referidos factos, entendeu o Mº juiz “a quo” não se dever aplicar ao caso em apreço o disposto na alínea c) do nº 6 do artigo 16º do CIVA, porquanto, na sua óptica, o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedor do mesmo e, não suportando o encargo tributário, não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito sejam efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço.
10. Ora, salvo o devido respeito, não tem o Mº Juiz “a quo” razão e desde logo porque, receba ou não (e em tempo) dos anunciantes, a recorrente tem sempre que entregar o montante da contribuição ao Estado, o que resulta expressamente do artigo 52º do decreto-lei nº 227/2006, além de que sempre que a Recorrente recebe tais montantes – e é o mais comum – recebe-os a título de direito de regresso sobre os seus clientes.
11. O substituto realiza uma prestação que constitui objecto de uma obrigação alheia, i.e., do substituído, que é quem realiza o facto tributário. O substituto, embora seja devedor, “não preencheu o facto tributário, mas outro pressuposto de facto conexo ao facto gerador (Diogo Leite de Campos, ob. cit.).
12. Ao indicar ao Estado o nome dos anunciantes, ao calcular o valor das contribuições devidas pelos mesmos, ao recolher junto deles tais valores e entregá-los ao Estado, é evidente que a Recorrente entrega uma contribuição em nome e por conta de outrem.
13. O momento exacto em que essa recolha é feita – antes ou depois do prazo definido no artigo 52º do referido Decreto-lei nº 227/2006 para entrega ao Estado, ou seja, saber se estamos perante um adiantamento ou perante um reembolso do anunciante devidamente registado em conta de terceiros transitórias – não pode alterar o facto de, perante o Estado, tratar-se sempre de um pagamento que, embora obrigatório, é feito em nome e por conta de outrem.
14. Assim entendeu a Advogada-Geral no Processo nº C-98/05, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), a respeito da interpretação do artigo 11º, A, nº 3, al. c) da Sexta Directiva: “O momento em que o imposto deve ser pago não representa, pelo contrário, um critério distintivo em si mesmo … Se, designadamente, o imposto for de qualificar como valor a registar na conta transitória, na acepção do artigo 11º, A, nº 3, alínea c) da sexta Directiva, não é incluído na matéria colectável, ainda que o fornecedor o tenha pago antes da entrega”.
15. Por conseguinte, fica claro que o momento em que o tributo é recolhido junto do cliente (substituído) não contende com o enquadramento desse montante na alínea c) do nº 3 do artigo 11º, A da Sexta Directiva.
16. É certo que a Recorrente, quando liquida e entrega ao Estado as quantias devidas pelos anunciantes, fá-lo no interesse de terceiros e por isso mesmo é tão feliz a expressão “sujeito passivo por débito alheio” de Alexandre do Amaral.
17. Só em face do exposto se atenderá ao princípio da qualificação dos factos de acordo com a sua substância económica, aliás consagrado no nº 3 do artigo 11º da LGT.
18. Em face do exposto, o entendimento consagrado pelo Mº juiz “a quo” contraria o disposto na al. c) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e a al. c) do nº 3 do artigo 11º, A da sexta Directiva, sendo certo de que de acordo com a orientações que tem sido seguida pelo TJCE (Chaussures Bally S.A. contra o Estado Belga), “a alínea c) destina-se a precisar que existem montantes que o fornecedor na prática recebe do comprador, mas que não deve, porém, incluir na matéria tributável, uma vez que só correspondem a um reembolso de despesas efectuadas pelo fornecedor no interesse do comprador e que não podem ser consideradas parte da contrapartida do bem entregue”.
19. No conhecido Acórdão do TJCE proferido no Processo nº C-98/05 (Danske Bilimportorer contra Skatteministeriet) a respeito do Imposto Automóvel Dinamarquês,...
RELATÓRIO
1.1. A A…………………….., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferida em 21/10/2010, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento tácito do pedido de “reclamação graciosa” do acto de auto-liquidação de IVA relativo ao mês de Fevereiro de 2004, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1. O montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o artigo 16º, nº 1 e nº 6, al. c) do CIVA, o artigo 11º, A, nº 1, al. a) e nº 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977) e bem assim a jurisprudência emanada do TJCE.
2. A taxa de exibição devida pelos anunciantes é liquidada, por substituição tributária, pelos operadores ou distribuidores de televisão que a tem que entregar ao Estado no prazo referido no artigo 52º do Decreto-lei n.º 227/2006, e informar o mesmo sobre: teor das exibições, identificação dos anunciantes, importância sobre a qual recaiu a taxa e montantes de contribuição liquidados a cada anunciante.
3. No caso em apreço não ocorre retenção na fonte, contrariamente ao pressuposto de que parte o Tribunal “a quo” e que normalmente está associado ao mecanismo da substituição.
4. A melhor doutrina considera haver substituição tributária quando a lei determina que um dado sujeito passivo se substitua àquele relativamente ao qual se verificou o facto tributário, ocupando o seu lugar na obrigação de imposto e, via de regra, beneficiando do direito de haver aquilo que pagou.
5. Alexandre do Amaral distingue claramente entre “sujeito passivo por débito próprio” e o “sujeito passivo por débito alheio”, sendo o sujeito passivo por débito próprio aquele em que confluem as qualidades de sujeito passivo e contribuinte, enquanto o sujeito passivo por débito alheio é aquele que, sendo embora sujeito passivo, não é contribuinte. O ilustre autor dá como exemplo deste último caso o substituto tributário, qualidade que a ora Recorrente assume por força da lei no presente caso.
6. Todos os autores são unânimes em considerar que a substituição fiscal não se confunde com a retenção e em afirmar que a substituição não é ditada por nenhum princípio de equilíbrio ou justiça, mas tão só por um princípio de eficácia, ou seja, por razões de natureza técnica (vg. um pagamento mais rápido ao Estado, a redução do número de sujeitos, etc.).
7. De acordo com o probatório, a Recorrente prestou serviços de publicidade, emitiu facturas aos seus clientes anunciantes, exigiu-lhes a taxa de 4% a que alude o decreto-Lei nº 227/2006 e liquidou IVA sobre o valor dos serviços prestados e ainda sobre o montante arrecadado dos 4%, entregando-o ao Estado.
8. Mais se provou que a Recorrente contabilizou os montantes referentes à taxa de exibição acima referida em contas de terceiros, i.e., em contas transitórias referentes a cada um dos seus próprios clientes.
9. Não obstante a prova dos referidos factos, entendeu o Mº juiz “a quo” não se dever aplicar ao caso em apreço o disposto na alínea c) do nº 6 do artigo 16º do CIVA, porquanto, na sua óptica, o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedor do mesmo e, não suportando o encargo tributário, não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito sejam efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço.
10. Ora, salvo o devido respeito, não tem o Mº Juiz “a quo” razão e desde logo porque, receba ou não (e em tempo) dos anunciantes, a recorrente tem sempre que entregar o montante da contribuição ao Estado, o que resulta expressamente do artigo 52º do decreto-lei nº 227/2006, além de que sempre que a Recorrente recebe tais montantes – e é o mais comum – recebe-os a título de direito de regresso sobre os seus clientes.
11. O substituto realiza uma prestação que constitui objecto de uma obrigação alheia, i.e., do substituído, que é quem realiza o facto tributário. O substituto, embora seja devedor, “não preencheu o facto tributário, mas outro pressuposto de facto conexo ao facto gerador (Diogo Leite de Campos, ob. cit.).
12. Ao indicar ao Estado o nome dos anunciantes, ao calcular o valor das contribuições devidas pelos mesmos, ao recolher junto deles tais valores e entregá-los ao Estado, é evidente que a Recorrente entrega uma contribuição em nome e por conta de outrem.
13. O momento exacto em que essa recolha é feita – antes ou depois do prazo definido no artigo 52º do referido Decreto-lei nº 227/2006 para entrega ao Estado, ou seja, saber se estamos perante um adiantamento ou perante um reembolso do anunciante devidamente registado em conta de terceiros transitórias – não pode alterar o facto de, perante o Estado, tratar-se sempre de um pagamento que, embora obrigatório, é feito em nome e por conta de outrem.
14. Assim entendeu a Advogada-Geral no Processo nº C-98/05, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), a respeito da interpretação do artigo 11º, A, nº 3, al. c) da Sexta Directiva: “O momento em que o imposto deve ser pago não representa, pelo contrário, um critério distintivo em si mesmo … Se, designadamente, o imposto for de qualificar como valor a registar na conta transitória, na acepção do artigo 11º, A, nº 3, alínea c) da sexta Directiva, não é incluído na matéria colectável, ainda que o fornecedor o tenha pago antes da entrega”.
15. Por conseguinte, fica claro que o momento em que o tributo é recolhido junto do cliente (substituído) não contende com o enquadramento desse montante na alínea c) do nº 3 do artigo 11º, A da Sexta Directiva.
16. É certo que a Recorrente, quando liquida e entrega ao Estado as quantias devidas pelos anunciantes, fá-lo no interesse de terceiros e por isso mesmo é tão feliz a expressão “sujeito passivo por débito alheio” de Alexandre do Amaral.
17. Só em face do exposto se atenderá ao princípio da qualificação dos factos de acordo com a sua substância económica, aliás consagrado no nº 3 do artigo 11º da LGT.
18. Em face do exposto, o entendimento consagrado pelo Mº juiz “a quo” contraria o disposto na al. c) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e a al. c) do nº 3 do artigo 11º, A da sexta Directiva, sendo certo de que de acordo com a orientações que tem sido seguida pelo TJCE (Chaussures Bally S.A. contra o Estado Belga), “a alínea c) destina-se a precisar que existem montantes que o fornecedor na prática recebe do comprador, mas que não deve, porém, incluir na matéria tributável, uma vez que só correspondem a um reembolso de despesas efectuadas pelo fornecedor no interesse do comprador e que não podem ser consideradas parte da contrapartida do bem entregue”.
19. No conhecido Acórdão do TJCE proferido no Processo nº C-98/05 (Danske Bilimportorer contra Skatteministeriet) a respeito do Imposto Automóvel Dinamarquês,...
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