Acórdão nº 01900/12.0BELRS 0383/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07-11-2018
Data de Julgamento | 07 Novembro 2018 |
Número Acordão | 01900/12.0BELRS 0383/17 |
Ano | 2018 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1. RELATÓRIO
1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida, após indeferimento da reclamação graciosa, pela sociedade acima identificada como Recorrida, anulou a autoliquidação da derrama estadual na parte em que se refere ao primeiro semestre de 2010 e condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios relativos a essa parte, fazendo recair as custas em partes iguais sobre ambas as partes, «com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda 5.000.000,00 Eur».
1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«I- Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a Impugnação deduzida por A………… SA Nif. ……….., contra o Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3255201104008081, que teve por objecto a autoliquidação da Derrama Estadual do exercício de 2010, no valor total de € 1.429.446,06, correspondente à liquidação de IRC n.º 2011 2310410343, na parte referente ao primeiro semestre.
II- Considera a Fazenda Pública que a Sentença ora recorrida deve ser reformada quanto a custas, devendo haver dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que exceda os € 275.000,00, nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, enfermando esta decisão também de erro de julgamento da matéria de direito.
III- No que concerne às Custas, considerou a douta Sentença ser adequado e proporcional dispensar o pagamento da taxa de justiça na parte que exceda os € 500.000,00, sendo que Fazenda Pública, em sede de alegações, tinha solicitado a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que exceda os € 275.000,00, nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP.
IV- Ora, dispõe o n.º 7 do Art. 6.º do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o Juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento, ou seja, são dois os requisitos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: a complexidade da causa e a conduta processual das partes.
V- Da mesma forma, pretende-se que a taxa de justiça corresponda ao valor que cada interveniente deve pagar como contrapartida do serviço prestado, devendo ser adequada ao tipo de processo em causa e aos custos concretos de cada processo para o sistema judicial (cfr. preâmbulo do D.L. n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o RCP).
VI- No que tange à complexidade, no processo em apreço, foi apresentada a Petição Inicial, seguindo-se a Contestação e posteriormente as Alegações escritas, sendo que, findos os articulados, foi proferida Sentença, não tendo havido qualquer incidente, nem produção de prova testemunhal ou pericial, apenas prova documental, pelo que ainda que o processo em apreço exija algum trabalho, não se pode dizer, em nossa opinião, que se esteja em presença de um processo elevada especialização jurídica ou especificidade técnica.
VII- No que toca à conduta processual das partes, sempre se dirá que durante a tramitação dos presentes Autos se verificou um comportamento normal de litigantes, sem qualquer conduta censurável.
VIII- Sendo que, se, apenas em primeira instância, for dispensado o pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que exceda os € 500.000,00, o valor total a pagar de taxa de justiça pelas partes será quase o triplo do que seria pago se for dispensado o pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que excedesse os € 275.000,00.
IX- De facto, a não ser o valor de € 275.000,00 a considerar como valor de processo para efeitos de custas, o montante exigível a título de taxa de justiça será muito superior aos serviços prestados pelo Tribunal, pecando por excessivo, desajustado e desproporcionado, sendo, por isso, as normas aqui chamadas à colação inconstitucionais, na medida em que envolvem uma violação do princípio constitucional da Proporcionalidade (Art. 18.º, n.º 2 da CRP) em sentido amplo, nas suas vertentes da adequação ou justa medida e da proibição do excesso, e também do Direito de acesso aos Tribunais (Art. 20.º da CRP), como já decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 421/2012, proc. 907/2012.
X- Pelo que deve a presente Sentença ser reformada no sentido de ser dispensado o pagamento do remanescente da Taxa de Justiça na parte que exceda o montante de € 275.000,00, nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP e do art. 616.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, em conformidade com o requerido pela Fazenda Pública em sede de alegações.
XI- Por outro lado, a Sentença ora em recurso considerou parcialmente procedente a presente Impugnação, determinando a anulação da autoliquidação da Derrama Estadual na parte referente ao primeiro semestre de 2010, mantendo o restante, isto é, a Derrama Estadual do segundo semestre, entendendo, grosso modo, que a Lei n.º 12-A/2010, de 30/06, apenas é aplicável a partir de 01/07/2010 (data da sua entrada em vigor), de harmonia com o previsto no art. 12.º, n.º 2 da LGT, condenando ainda a AT no pagamento de Juros Indemnizatórios relativamente àquela parte anulada (primeiro semestre).
XII- Contudo, entendemos que não lhe assiste razão.
XIX- A Derrama Estadual é, pois, mais uma taxa, na multiplicidade de taxas do IRC (nomeadamente as previstas no Art. 87.º do CIRC), que, tal como as outras taxas, possui uma incidência real e pessoal próprias.
XX- E, como se referiu, a multiplicidade de sujeitos passivos incidências e taxas é uma característica intrínseca ao próprio IRC, como imposto plural que é, nos termos da Constituição.
XXI- Em sede de tributação das empresas, o comando constitucional é a tributação do seu rendimento real, sendo que a Derrama Estadual não deixa de ser imposto sobre rendimento das empresas, e como tal, taxa adicional ao IRC.
XXII- O actual n.º 4 do Art. 87.º-A do CIRC estabelece que a Derrama Estadual deve ser aplicada à parte do lucro tributável que exceda € 2.000.000,00, daqui resultando que o montante apurado em tal liquidação é, inquestionavelmente, parte integrante do montante apurado na declaração periódica de rendimentos.
XXIII- Assim, dado que estamos, inquestionavelmente, perante uma tributação (adicional), que nem materialmente nem formalmente difere do IRC, todas as regras de aplicação generalizada às várias tributações previstas no CIRC ser-lhe-ão também aplicáveis.
XXIV- O que significa que, consubstanciando a Derrama Estadual IRC, baseia-se, naturalmente, nas suas normas e regras, designadamente, as normas atinentes à liquidação (Art. 90.º do CIRC), bem como as que definem o período de tributação.
XXV- Com efeito, nos termos do n.º 1 do Art. 8.º do CIRC, o IRC, aqui se incluindo, naturalmente, Derrama Estadual, é devido por cada período de tributação, ou seja, é um imposto anual, que em regra coincide com o ano civil, como sucede no caso da Impugnante.
XXVI- Sendo que, nos termos do n.º 9 deste art. 8.º, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, no caso, 31/12/2010, sendo o lucro tributável uno e indivisível, não sendo tributável cada rendimento per se.
XXVII- Aliás as próprias normas relativas à contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação e da prescrição apontam claramente no sentido da anualidade dos impostos periódicos, como sejam o IRS e o IRC, como bem entendeu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 399/10 (Procs. 523/10 e 524/10), a propósito do IRS, mas que se aplica inteiramente ao IRC.
XXVIII- Deste modo, atendendo a que o facto tributário de formação do imposto é um facto complexo e de formação sucessiva, tal como o define a doutrina, iniciando-se a 1 de Janeiro, mas só se verificando, no rigor ou plenamente, a 31 de Dezembro, por força da lei, devendo, pois, ser nesta data (31 de Dezembro) que se produzem todos os efeitos que dependam da verificação do facto tributário.
XXIX- Como preconiza o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, proferido no processo 150/12, (referente a Tributação Autónoma), no caso do IRC – imposto em causa nos presentes autos uma vez que a Derrama Estadual configura verdadeiro IRC –, vigorando o princípio da anualidade do imposto, “não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC)”.
XXX- Sendo que, na situação “sub judice”, e como já vimos, o facto tributário só ocorreu, em rigor e plenamente, a 31/12/2010, ou seja, posteriormente à entrada em vigor da Lei aqui em causa.
XXXI- Deste modo, ainda que a Lei tenha entrado em vigor no dia 1 de Julho, ou seja, durante o período de formação do facto tributário, a verdade é que este efectivamente se verificou depois da entrada em vigor da mesma.
XXXII- Pelo que, na prática e no rigor dos conceitos, não há qualquer aplicação retroactiva da lei, estando a Lei n.º 12-A/2010 a aplicar-se única e exclusivamente para futuro, a factos ocorridos depois da sua entrada em vigor.
XXXIII- Não se verificando assim, ao contrário do considerado na douta Sentença, qualquer violação das normas que regulam a aplicação da lei no tempo, nomeadamente, o Art. 12.º, n.º 2 da LGT.
XXXIV- Por outro lado, como já referimos, a criação desta sobretaxa visou atingir objectivos perfeitamente identificados que se prendem com a consolidação orçamental e a absoluta necessidade de angariar...
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