Acórdão nº 018490/16.8T8LSB.L1.S1 de Tribunal dos Conflitos, 19-06-2024

Data de Julgamento19 Junho 2024
Número Acordão018490/16.8T8LSB.L1.S1
Ano2024
ÓrgãoTribunal dos Conflitos - (CONFLITOS)
*

recurso


Acórdão:


O Tribunal dos Conflitos acorda: ----------------------


**

a. Relatório:


AA intentou, em 18/07/2016, na então Instância Central Cível ... do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, ação declarativa de condenação com processo comum, contra: ---------------


- Banco Espírito Santo, S.A.,


- Banco de Portugal,


- Novo Banco, S.A.,


- Fundo de Resolução,


- CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários; e


- BB,


formulando os pedidos seguintes: --------------------------

- A condenação solidária dos réus, a título de responsabilidade civil, enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no art. 304º-A do CVM, no pagamento ao autor da quantia de € 244.949,836, acrescida de: -----

i) € 47.518,70 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, calculados desde a data de utilização ilícita pelos réus das quantias monetárias do autor;

ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória.

- Subsidiariamente, a declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no art. 321.º do CVM, com a consequente condenação solidária nos réus a restituírem ao autor a quantia de € 244.949,836, acrescida de: -------------------

i) € 47.518,70 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, calculados desde a data de utilização ilícita pelos réus das quantias monetárias do autor;

ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;

- A condenação dos réus a ressarcirem solidariamente o autor dos danos não patrimoniais que lhe causaram, em valor a ser calculado em liquidação de sentença.

*


Os réus contestaram:


O Banco Espírito Santo SA suscitou a questão da inutilidade superveniente da lide.


O Novo Banco, SA e BB excecionaram a sua ilegitimidade substantiva.


O Banco de Portugal, o Fundo de Resolução e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários deduziram, além do mais, a exceção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais comuns, em razão da matéria, para tramitar e julgar a presente ação, considerando serem competentes para o efeito os tribunais administrativos.


O Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 1, que sucedeu à aludida Instância, por despacho de 26/01/2017, suscitou oficiosamente a exceção dilatória da incompetência em razão do território do Tribunal para conhecer dos autos, oferecendo o contraditório às partes.


O autor pronunciou-se pela competência territorial do Juízo Central Cível onde os autos têm corrido os respetivos.


O Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 1, por decisão de 31/12/2018: -----

- declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita à ré Banco Espírito Santo, S.A.;

- julgou procedente a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria relativamente aos réus Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM, absolvendo-os da instância e determinando que os autos prosseguissem com os réus Novo Banco, SA e BB;

- julgou improcedente a ação relativamente aos autos réus Novo Banco, SA e BB, absolvendo-os do pedido.

Em concreto, sustenta que no caso em análise, apesar de formular o pedido contra todos os réus, solidariamente, é notório que o autor não alega quaisquer factos dos quais se possa concluir pela imputação de responsabilidade solidária.


Nessa decorrência conclui pela competência do Tribunal Judicial para conhecer do pedido formulado contra os réus BES, Novo Banco e BB, e competentes os tribunais da ordem administrativa para conhecer do litígio em causa contra o Fundo de Resolução, Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Imobiliários.


Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.


A Relação de Lisboa, por Acórdão de 10/10/2019, julgou a apelação totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida, proferida pelo tribunal de primeira instância.


Notificado, o autor pediu revista excecional junto do Supremo Tribunal de Justiça, visando discutir, além do mais, a questão da competência material para conhecer da causa.


Remata a alegação de recurso com as conclusões seguintes (no que para aqui releva).

F. Entende o Apelante que andou mal a apreciação pelo Tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto nos artigos 99º nº 1 e 278º nº 1 al. a) do CPC, já que não se verifica a incompetência em razão da matéria, quanto aos RR. Banco de Portugal, Fundo de Resolução e CMVM já que:

G. Para a decisão do presente pleito não há necessidade de recurso a qualquer norma de direito administrativo, estando a discussão centrada no plano puramente privado e civilístico, que, recorde-se, se prende com a responsabilização civil dos RR. Por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado no artigo 305º A e 321º do Código dos Valores Mobiliários.

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 15/09/2021, admitiu a revista excecional.


Distribuído o recurso, o Exmo. Conselheiro relator, por decisão singular, de 05/04/2024, determinou a remessa dos autos ao Tribunal dos Conflitos, para apreciação do recurso na parte em que vem questionada a declarada incompetência material do tribunal (relativamente aos réus CMVM, Banco de Portugal e Fundo de Resolução), ficando com traslado para assegurar o prosseguimento da revista na parte sobrante.

b. Parecer do Ministério Público:


No Tribunal dos Conflitos o Digno Procurador-Geral Adjunto, na vista a que alude o art. 11.º, n.º 4, da Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro, emitiu parecer pronunciando-se pela: --------

- Revogação do acórdão recorrido no segmento em que absolveu da instância o Fundo de Resolução, declarando-se competente a jurisdição comum para conhecer dos pedidos deduzidos contra este réu;

- Manutenção do acórdão recorrido na parte em que absolveu da instância os réus Banco de Portugal e Comissão do Marcado dos Valores Mobiliários, declarando-se competente a jurisdição administrativa e fiscal para conhecer dos pedidos contra eles formulados.

*


c. exame preliminar:


Este Tribunal dos Conflitos é o competente para julgar o recurso no que respeita à questionada incompetência material do tribunal cível para conhecer da causa intentada contra o Banco de Portugal e a CMVM – art. 3.º alínea c) da Lei n.º 91/2019 de 4 de setembro e art. 101.º n.º 2 do CPC.


Não existem questões processuais que obstem ao prosseguimento do recurso para julgamento e que se decida por acórdão.

d. objeto do recurso:


Cumpre, assim, definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio em causa contra aquelas três entidades cabe aos tribunais da jurisdição comum ou se, como se decidiu no acórdão recorrido, compete aos tribunais da jurisdição administrativa.


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e. fundamentação:

1. o direito:

i. da competência material:


Da arquitetura constitucional e do quadro legal orgânico, estatutário e adjetivo que a desenvolve, resulta que aos tribunais judiciais comuns está atribuída a denominada competência residual. Que, na expressão do legislador, se traduz no poder-dever de conhecer das “causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Resulta ainda que na ordem dos tribunais judiciais comuns, aos juízos cíveis compete conhecer das causas que não estejam atribuídas a tribunais ou juízos “dotados de competência especializada”.


Assim, não cabendo uma causa na competência material, legalmente atribuída a outro tribunal, será a mesma da competência residual do tribunal comum.


Estabelece a Constituição da República - art. 212.º, n.º 3 – e regulamenta a Lei de Organização do Setor Judiciário/LOSJ – art. 144.º, n.º 1 que aos tribunais administrativos e fiscais compete “o julgamento das ações e recursos contenciosos” “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, “tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição”.


Especificando o art. 1.º, n.º 1, do ETAF na atual redação, dada pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro -posterior à data da propositura da vertente ação -, que nos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal recai a competência para administrar a justiça “nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.


Norma que anteriormente – na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de...

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