Acórdão nº 01630/10.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 12-11-2015
Data de Julgamento | 12 Novembro 2015 |
Número Acordão | 01630/10.8BEPRT |
Ano | 2015 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
E..., LDA., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, 4425-364 Maia, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 10/02/2014, que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º 1805201001019929, a correr termos no Serviço da Finanças da Maia, por dívidas de IVA do período de 200612T, no montante de €10.884,68.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1º
Da matéria dada como provada resulta, que o cheque emitido pela oponente, no valor de € 11.115.17 correspondia ao montante efectivamente devido à A.T..
2°
Fundamenta o meritíssimo juiz “a quo” a sua douta decisão de julgar a oposição improcedente, no circunstancialismo de o dito montante de € 9.872,05 ter sido destinado a pagar um tributo devido por terceiro, e como tal, não tendo sido paga a dívida reclamada pela A.T., era devido tal montante pela oponente.
3°
Sendo inequívoco que há comportamento abusivo do TOC da oponente, não é menos verdade que a A.T., e particularmente o serviço de Finanças de Famalicão 2, não agiu segundo as regras funcionais que lhe eram exigíveis, porquanto,
4º
Concedeu que a mesma forma de pagamento (cheque) fosse destinado ao pagamento de tributos de entidades jurídicas diferentes.
5°
Havendo violação de deveres funcionais da própria A.T., impõe-se a imputabilidade à mesma do facto de ter sido dado destino diverso do querido pela oponente, à quantia que esta pretendeu entregar à A.T..
6°
Aliás, este é o pensamento que o ilustre Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, acompanha, porquanto relativamente a factos em tudo idênticos aos que ocorreram com a aqui oponente, deduziu acusação imputando a um funcionário do serviço de Finanças de Famalicão 2, responsabilidade criminal no seu comportamento, por alegada violação de regras funcionais. Cfr. neste sentido itens 20,21,38,39,58,59,74,75, entre outros, bem como e ainda os itens 858, 859 e 860 do documento junto com as presentes alegações.
7°
A A.T. é co-responsável pelos actos praticados pelo seu funcionário.
8°
A prova produzida evidencia que a oponente entregou à A.T. a quantia que esta diz ser-lhe devida, sendo que, o seu não recebimento por parte desta é-lhe imputável, e como tal é inexigível à oponente o pagamento da quantia exequenda.
9º
A douta sentença ao assim não conceder evidencia um erro na apreciação da prova produzida, pelo que, se impõe a sua revogação, sendo em sua substituição proferido douto acórdão que julgue a oposição procedente, e a extinção da execução nos termos do disposto no art. 662° do C.P.C..
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.****
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se, a fls. 184 e 185 dos autos, no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter efectuado incorrecta valoração da prova e dos factos e errada aplicação do direito. Suscitou, ainda, a nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto, já que se omitiu a discriminação dos factos não provados, não se tendo, igualmente, efectuado um exame crítico das provas – cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil e artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.Atenta esta questão suscitada pelo Ministério Público, as partes foram notificadas do teor do respectivo parecer, não tendo emitido qualquer pronúncia.
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Na medida em que a Recorrente juntou um documento com as suas alegações de recurso, ínsito nos autos a fls. 70 a 175 do processo físico, foi a Fazenda Pública notificada do seu teor.Tendo considerado a junção do citado documento manifestamente inoportuna, a Fazenda Pública solicitou o seu desentranhamento, por não dever ser admitida a sua junção aos autos.
A Recorrente foi ouvida acerca deste pedido de desentranhamento de documento, tendo respondido não existir motivo de facto e de direito atendível para que seja dado provimento ao requerido desentranhamento, conforme pronúncia de fls. 197 do processo físico.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIARCumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se se verifica erro na apreciação da prova produzida e, consequentemente, erro de julgamento.
Impõe-se, ainda, apreciar a questão suscitada pelo Ministério Público - nulidade da sentença, por não discriminação dos factos não provados e por falta de exame crítico da prova.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância, foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:
a) Contra a oponente foi instaurado o processo executivo n° 1805201001019929, relativo a dívidas de IVA do período de 2006/12T, no montante de €10.884,68 (cfr. fls. 13, 14 e 19 dos autos).
b) A oponente foi citada via postal em 01/03/2010 (cf. fls. 19 dos autos).
c) A oponente emitiu em 15/02/2007, à ordem da Direcção Geral do Tesouro, o cheque n° 2938783027, no valor de €11.115,17 (cf. fls. 7 dos autos).
d) O cheque referido em c) foi recepcionado pelo Serviço de Finanças de Famalicão 2, e foi utilizado para pagar, através da guia P1, o IVA de 2006/12T no valor de €1243,12 referente à oponente e efectuar também o pagamento integral do processo executivo n° 3590200701003534, no valor de €9.872,05, em que era executada a firma “T…, Lda” (cf. fls. 17 a 19 dos autos).
e) A presente oposição foi apresentada em 29/03/20 10, com fundamento no pagamento do imposto através de cheque (cf. fls. 2 a 7 dos autos).
Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
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O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos.” ***
2. O Direito
Começamos a nossa apreciação pela arguição de nulidade da sentença recorrida, de harmonia com o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Sustenta o Ministério Público não existir qualquer indicação dos factos considerados como não provados, limitando-se a fundamentação apresentada à consideração dos documentos juntos aos autos quanto à forma como operou o apuramento da matéria de facto dada como provada.
O actual regime do Código de Processo Civil (CPC) relativo à elaboração da sentença aproximou-se do regime que já vigorava no CPPT, consagrado no n.º 2 do artigo 123.º deste diploma; norma que, contudo, vai aparentemente mais longe que o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, já que impõe que o juiz discrimine “a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
A exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial na sentença, pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto.
É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da referida discriminação entre "a matéria provada da não provada" – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora, 2011, página 320, citando a declaração de voto do Senhor Conselheiro Dr. Brandão de Pinho proferida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2003, no processo n.º 0869/02.
É precisamente por ter sido eliminado o julgamento da matéria de facto, previsto no anterior artigo 653.º do CPC, que no regime actual do CPC se acolheu uma solução idêntica à prevista no CPPT.
Actualmente é, portanto, incontroverso que, na elaboração da sentença, quer em processo civil quer em processo tributário, o juiz deve declarar quais os factos que julga não provados.
Perfilhamos, no entanto, o entendimento de...
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