Acórdão nº 0158/22.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21-03-2024
Data de Julgamento | 21 Março 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 0158/22.8BALSB |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Acórdão
1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, alegando que perfilharam entendimentos opostos relativamente à mesma questão fundamental de direito a decisão arbitralde 3 de Novembro de 2022, proferida no processo nº 160/2022-T (decisão recorrida) e a decisão arbitral de 13 de maio de 2021, proferido no processo n.º 417/2020-T (decisão fundamento), veio, ao abrigo, conjugadamente, do preceituado nos artigos 25º nº 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e 152º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor para este Supremo Tribunal Administrativo o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência.
1.2. Na motivação do recurso oportunamente apresentada formulou a Recorrente as seguintes conclusões:
«A – O Acórdão arbitral recorrido (160/2022-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral
“a) Julgar procedente, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas e das 24 liquidações de IUC, que lhe subjazem, respeitantes ao ano de 2020, relativamente aos veículos cujas matrículas estão identificadas nos autos.
b) E, em consequência, anular os actos tributários de liquidação correspondentes e determinar a restituição do imposto pago pela Requerente, no montante de 2.120,84.
c) Julgar procedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios favor da Requerente a partir da data do indeferimento da Reclamação Graciosa.
d) Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art.527º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi art.29º, nº 1, alínea e) do RJAT).”
B – E sustenta o referido acórdão arbitral que:
“Assim, é questionável se a natureza de presunção está ou não em causa na presente norma em análise.
Sobre a consagração no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação de uma presunção ilidível pronunciaram-se já diversas decisões arbitrais.
Seguindo, nesta sede, anteriores decisões arbitrais sobre esta matéria, designadamente proferidas pelo signatário, parece que devemos concluir que, de facto, o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC consagra uma presunção, pois, não é a substituição da expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se” que faz com que esta norma deixe de consagrar uma presunção, pois que, ambas as expressões têm sido utilizadas pelo legislador de forma equivalente. Assim, o argumento referido pela Requerida não nos parece merecer provimento.
No que se refere ao elemento racional e teleológico, importa fazer notar que o Imposto Único de Circulação tem subjacente o princípio da equivalência consagrado no artigo 1.º, do Código do Imposto Único de Circulação.
Ora, ao não admitir que a presunção constante do artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação é ilidível, estar-se-ia a desrespeitar o princípio da equivalência.
Assim sendo, também de acordo com este elemento, o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC é interpretado no sentido de estar em causa uma verdadeira presunção juris tantum.
Em face do exposto fica claro o entendimento de que o artigo 3.º do Código do IUC prevê uma presunção ilidível pelo que, a questão semântica em nada altera o sentido interpretativo desta norma.
Por outro lado, no que respeita à importância do registo automóvel, enquanto argumento invocado pela Requerida, para efeitos de considerar como proprietária e sujeito passivo de imposto a Requerente, importa também referir que o registo permite publicitar a situação jurídica dos bens e, bem assim, presumir que existe o direito sobre esses e que o mesmo pertence ao titular, conforme consta do registo. Com isto, podemos considerar que o registo não tem natureza constitutiva do direito, mas sim natureza declarativa, pelo que o registo não constitui condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.
Concluindo-se que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação consagra uma presunção ilidível, cumpre ainda analisar se esta presunção foi efetivamente ilidida por parte da Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis”. Assim, deve a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e, nesse sentido, que foi considerada pela Requerida como sujeito passivo de imposto, demonstrar mediante elementos de prova disponíveis que não é o real proprietário do veículo e, bem assim, que a propriedade foi transferida para outrem.
Ora, no caso em apreço, a Requerente produziu prova documental suficiente da alienação dos veículos, conforme consta e se justifica nos “Factos Provados”, e, consequente, perda da propriedade, ficando, assim ilidida a presunção que resulta das liquidações, de acordo com o disposto no artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
Neste sentido, considera-se que a Requerida ao não ter tido em consideração a prova documental junta pela Requerente, se encontra em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a anulação dos correspondentes actos de liquidação.
Razão pela qual, as mencionadas liquidações devem ser anuladas e, consequentemente restituído à Requerente pela Autoridade Tributária o imposto que indevidamente lhe foi cobrado e por esta pago na sua totalidade.”
C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 417/2020-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“15. Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição escrita, por cada uma das partes e, aos argumentos apresentados nas respetivas peças processuais, as principais questões a decidir prendem-se com a apreciação da legalidade da liquidação do ICU e decidir se existe uma errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado.
(…)
28. O presente pedido de pronúncia arbitral tem por questão essencial saber se o artigo 3.º do Código do IUC contém uma presunção e se a ilisão da mesma foi feita e, saber se, como alega a AT, a interpretação da Requerente não atende aos elementos histórico e teleológico de interpretação da lei.
29. O Código do IUC, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, estatuía, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º, o seguinte:
“Artigo 3.º – Incidência Subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
30. Contudo, com a entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 41/2016, o n.º 1 do referido artigo 3.º, passou a ter uma redação bem distinta:
“
Artigo 3.º – Incidência Subjetiva
1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.
31. Ora, ao retirar a parte “os proprietários dos veículos, considerando-se como tais”, a alteração operada visa, claramente, passar a incidência subjetiva do IUC do proprietário do veículo para a pessoa em nome da qual está registada a propriedade do veículo, seja ela ou não o seu proprietário e/ou possuidor.
32. É uma alteração relevante que faz toda a diferença no presente caso, dado que, sendo a liquidação posterior a 2016, a ela se aplica a nova redação e as suas consequências, ou seja, a atual redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC não contempla uma presunção e, consequentemente, também não se coloca aqui a questão de saber se a ilisão da presunção foi realizada - como pretendeu demonstrar a ora Requerente -, nem a questão de saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal desconsidera o elemento histórico e o elemento teleológico, como defendeu a Requerida na sua resposta.”
D – Concluindo o Acórdão fundamento que:
35. Em face do acima exposto e acolhendo-se, aqui, a jurisprudência que se vem consolidando nos Tribunais superiores quanto à incidência subjetiva do imposto na nova redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC - redação que se aplica à liquidação aqui em causa – e estando provado que a viatura a que tal liquidação diz respeito se encontrava, no ano de 2019, registada em nome da Requerente, não pode deixar de concluir-se pela legalidade da questionada liquidação de IUC, bem como da decisão de indeferimento da correspondente reclamação graciosa.
36. Deste modo, face a esta conclusão, mostra-se inútil proceder à apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativas à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, a viatura a que este respeita já lhe não pertencia por ter sido transmitida a terceiro.”
E – Verifica-se, assim, uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, na sua redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 de 1 de agosto, contempla ou não uma presunção legal iuris tantum, ou seja, suscetível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo.
F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam...
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