Acórdão nº 0141/16.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13-05-2021

Data de Julgamento13 Maio 2021
Número Acordão0141/16.2BALSB
Ano2021
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
A………………, com os sinais nos autos, vem interpor acção administrativa comum de impugnação do acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 03.11.2015 proferido no procº nº ……./......RMP-PD que negou provimento à reclamação deduzida pelo ora A, mantendo a pena de cincodias de multa aplicada pelo acórdão da Secção Disciplinar de 22.09.2015.
Para tanto e em síntese, o A. alega:
a) ausência de indícios de prática de qualquer infracção e violação do princípio in dubio pro reo;
b) a existir infracção disciplinar, a pena aplicada peca por violação dos princípios da proporcionalidade e da intervenção mínima.
Conclui deduzindo, a título principal, o pedido de declaração de nulidade do procedimento disciplinar com fundamento na prescrição do direito de instauração e, subsidiariamente, a anulação da deliberação do CSMP de 03.11.2015 por inexistência de infracção disciplinar ou a anulabilidade da citada deliberação de 03.11.2015 por violação dos princípios da proporcionalidade e da intervenção mínima.

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Devidamente citada, a Entidade Requerida, contestou pugnando pela total improcedência da acção.

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Tendo em conta a data do ilícito disciplinar, ao caso é aplicável o Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei 47/86 de 15.10 (EMP) com as alterações introduzidas pela Lei 60/98 de 27 de Agosto, que em matéria de procedimental determina a aplicação subsidiária do regime disciplinar constante da Lei 35/2014 de 20.06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, abreviadamente designada por LTPF segundo o artº 2º) – vd. artº 216º EMP.
Em sede de saneador, por despacho de 02.02.2021, devidamente notificado, foi julgada improcedente a alegação do Autor no sentido da prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar (artº 178º nº 2 LTPF) bem como a prescrição do próprio procedimento disciplinar (artº 178º nº 5 LTFP).

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As questões que cumpre ao Tribunal conhecer envolvem as seguintes temáticas: ilícito disciplinar; carácter público da prática de actividades político-partidárias; restrição de direitos.

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Com fundamento na admissão por acordo das partes no domínio dos respectivos articulados, bem como nos documentos juntos aos autos e ao procedimento administrativo, cujo teor não foi impugnado pela parte contrária ao apresentante, julgam-se provados os seguintes factos

A. Por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de 07.10.2014 foi determinado “instaurar inquérito pré-disciplinar para averiguação de factos relacionados com as intervenções públicas (manifestações no face-book e entrevista publicada em vários jornais) do procurador da República Lic. A……………. nos termos do disposto no artigo 211º nº 1 do Estatuto do Ministério Público.” fls. 34 do PA
B. Por despacho do Vice Procurador-Geral da República de 17.03.2015 foi convertido o inquérito em processo disciplinar.
C. Em 27.03.2015 foi deduzida acusação em processo disciplinar, pelos factos e nos termos que se transcrevem:
“(..)
Mostra-se já cumprida a notificação determinada ao abrigo do art.° 214º nº 2 do EMP ao sr. procurador da República (cfr. fls. 78). A data desta notificação fixa a data do início do procedimento disciplinar.
Nestes termos encontra-se concluída a instrução do presente processo disciplinar.
Ao abrigo do art.° 197 do EMP importa então deduzir acusação.
Assim, ao abrigo do art.° 197 do EMP, contra o senhor procurador da República, lic. A……………….., com os demais sinais dos autos, deduz-se a seguinte
ACUSAÇÃO:
1. No dia 26-09-2014 pelas 16H16 a sr.ª jornalista ……. publicou no jornal “…………..” uma notícia com o título “Procurador que investigou ………: “No domingo vou votar ………... ”
2. Esta notícia tinha como subtítulo: “Magistrado que investigou a denúncia anónima explica porque colocou um “like” no Facebook à candidatura de …………... Diz que não se trata de uma manifestação político-partidária de carácter público, não violando, por isso, o estatuto”.
3. No corpo da notícia dizia-se, logo nos dois primeiros parágrafos:
“A..……………., o procurador do Ministério Público (MP) que investigou a denúncia anónima que visou o primeiro-ministro - e que a PGR deu, ontem, conta de ter sido arquivada por prescrição de eventuais crimes - afirma ser simpatizante de ……………. e dá conta que nas eleições primárias deste Domingo irá votar neste candidato a primeiro-ministro pelo PS. A revelação surge depois de confrontado pelo ………. com o facto de, na sua página de Facebook, ter sinalizado com um “like” (“gosto”) a candidatura “…………” e a sede nacional do PS. ”
Sim, sou simpatizante, no Domingo vou votar …..….. como outros colegas do …………….” afirmou ao ………… A…………... Confrontado sobre se esta manifestação de apoio no Facebook não vai contra o estatuto de magistrado do Ministério Público, que no seu art.° 82 veda aos magistrados do Ministério Público em efectividade de serviço o exercício de actividades político-partidárias de carácter público, este responsável acrescenta que “não existe nenhuma regra estatutária que impeça de ser simpatizante”..
4. Mais adiante refere a sr.ª jornalista que outro magistrado afirmou ao ……… ser claro o entendimento do estatuto: “um magistrado não pode ter actividades políticas públicas”. E continua: “A…………….. contrapõe que as “manifestações de carácter público seriam se tivesse num jantar com responsáveis partidários ou num comício”. E faz ainda questão de salientar que na sua cronologia do Facebook também constam comentários críticos a outros ex- dirigentes partidários, nomeadamente do PS - e que também fez manifestações de esperança, em ….., ao então candidato do PSD a primeiro-ministro. “Posso dizer que até votei em …………….”, atira.”
5. O artigo termina, para além de outras referências, com o seguinte parágrafo:
Em 2012, A……………. iniciou a investigação do caso …………, tendo recentemente deixado o processo porque pediu o seu afastamento do …………………………. (…….). Segundo a revista ……….., a saída ocorreu em Agosto passado, pouco mais de um mês depois de o procurador ter ordenado ao grupo ………. que mostrasse as contas para ver se foram pagas dezenas de milhares de euros a ……………., sem que isso fosse declarado ao Fisco. ”
6. De facto, no dia anterior à publicação de tal artigo, 25 de Setembro de 2014, a revista “……….” publicara um artigo subscrito pelo jornalista …………… intitulado “……………….”, que tem como subtítulo “Depois de pedir o acesso à contabilidade da …………….., o procurador abandonou a investigação do caso.”
7. No texto do artigo reporta-se depois à saída do sr. procurador da República do ……………, à investigação que corria e ao facto de o sr. procurador, questionado pela ……, não ter pretendido comentar a sua saída nem o caso …………….
8. Previamente à publicação do seu artigo no jornal electrónico “………..” a sr.ª jornalista ………., neste mesmo dia 25 de Setembro de 2014 pelas 15H36, remeteu aos serviços de imprensa da Procuradoria-Geral da República um pedido de resposta urgente às seguintes questões:
“1. Quando é que o referido procurador saiu do ………?
2. A que se deveu o seu afastamento ?
3. Quem passou a ser o titular do processo ……………?
4. Considera a PGR preocupante a saída do titular de uma investigação desta natureza? Porquê?
5. Notícias recentes dão conta que A……………. foi alvo de dois processos disciplinares: um já foi arquivado e outro ainda não está concluído. Para quando está prevista a conclusão deste último processo? Foi aberto, entretanto, algum novo processo disciplinar além destes dois que foram tornados públicos?
6. O que este responsável “gosta” (sinalizado nos likes) da candidatura de ………. e da sede nacional do PS. Estas manifestações de apoio são compatíveis com o estatuto do magistrado? Não deverá haver o dever de reserva por parte de magistrados neste tipo de matérias?
9. Perguntas estas às quais apenas foi respondido nos seguintes termos:
Em Julho de 2014 houve um grande movimento de magistrados, em virtude da entrada em vigor do novo Mapa Judiciário, a 1 de Setembro de 2014. Como é habitual, e no exercício de um direito previsto no Estatuto do Ministério Público, houve muitos magistrados que exerceram o direito de transferência para os outros departamentos ou tribunais.
O Dr. A……………., a requerimento do próprio, foi colocado na Comarca de ……………, no …………………..
10. De facto, no que se refere à sua página do Facebook e na parte aberta ao público em geral, bastando para aí aceder ter conta no mesmo, em data indeterminada, o sr. procurador da República, Lic. A………….., assinalou com “gosto” a campanha “………… - ……………., político/a” e bem assim assinalou também com “gosto” o “Partido Socialista - Sede Nacional, Partido Político”, (cfr. doc. A fls. 46).
11. Em data anterior à publicação da sua notícia mas próxima desta, a sr.a jornalista …………, alertada para o efeito, foi verificar esta página e esta situação.
12. Após isso, e dando-se conta que se tratava de uma questão eventualmente polémica, foi verificar também o Estatuto do Ministério Público, nomeadamente o seu artigo 82 que proíbe aos respectivos magistrados o exercício de actividades político-partidárias de carácter público.
13. Na sequência desta verificação, para além de outras diligências, telefonou ao magistrado confrontando-o com os mencionados “Likes” ou “gosto” atrás referidos.
14. Perante o que este lhe referiu ser simpatizante de …………. e que nas eleições primárias desse domingo iria votar nesse candidato a primeiro-ministro pelo Partido Socialista.
15. Mais lhe referiu que outros colegas também iriam votar …………. e que no Facebook há centenas de magistrados com “likes” a esta candidatura.
16. Perguntado sobre se esta manifestação de apoio no Facebook não vai contra o Estatuto do MP que no citado art.° 82 veda aos magistrados do Ministério Público em efectividade de serviço o exercício de actividades político-partidárias de carácter público, referiu-lhe aquele não existir regra estatutária que impeça ser...

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