Acórdão nº 01304/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01-02-2018
Data de Julgamento | 01 Fevereiro 2018 |
Número Acordão | 01304/17 |
Ano | 2018 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
I – Relatório
1. IMT - INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, IP (IMT), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 19.10.17 (fls. 693-722), que revogou a sentença do TAC de Lisboa e suspendeu a eficácia do Despacho do Presidente do Conselho Directivo do IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, constante de ofício datado de 09.11.16, “que declarou a caducidade do contrato de gestão por falta de aprovação do centro de inspecção de veículos de ……… e ordenou o seu encerramento e a cessação imediata do exercício da actividade nele prosseguida, com a inerente continuidade da execução do contrato de gestão do referido centro de inspecção” (cfr. fl. 722).
Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve, então, a sentença do TAC de Lisboa, de 24.06.17, que julgou improcedente a providência cautelar “por não verificados os pressupostos legais de que dependem o seu decretamento”, indeferindo-se, em consonância “o peticionado” (cfr. fl. 371v.).
2. O recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 836-845):
“I - O presente Recurso tem por objeto um manifesto erro de julgamento na aplicação do direito, no que concerne à interpretação e aplicação do regime jurídico de funcionamento dos centros de inspeção (cfr. Lei n.º 11/2011, de 26/04, com a redação dada pelo DL n.º 26/2013, de 19/02, se e quando conjugado com a Portaria n.º 221/2012, de 221/2012, com as alterações dadas pela Portaria n.º 378-E/2013, de 31/12), e quanto à ponderação em concreto dos pressupostos a que alude o art.º 120.º do CPTA, razão pela qual, face à extrema relevância jurídica e social desta questão, uma vez que a sua admissão se revela fundamental para a melhor e uniforme aplicação do direito, o Recorrente IMT, IP vem, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 150.º do CPTA, apresentar este Recurso de Revista.
II - O enfoque jurídico baseia-se, essencialmente, no seguinte:
- Saber quais os efeitos da caducidade dos contratos de gestão de centros de inspeção, celebrados nos termos e para efeitos do artigo 3.º da lei n.º 11/2011, de 26/04 com o IMT, IP, no caso de a entidade não assegurar a aprovação do seu centro de inspeção, nos termos do artigo 14.º da referida Lei n.° 11/2011, de 26/04, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2013, de 19/02, no prazo legal de dois anos a contar da celebração do contrato, e se tais efeitos (caducidade do contrato) sofrem distorções no caso concreto das entidades (ex-entidades autorizadas) que, à data da entrada em vigor da referida lei, exerciam a atividade de inspeção técnica de veículos, conforme resulta dos artigos 7.º e 34.º da Lei n.º 11/2011;
- Saber se a Lei n.º 11/2011, na sua atual redação, se aplica de forma igual e uniformemente a todas as entidades gestoras a operar em Portugal, isto é, independentemente de se chamarem "entidades autorizadas" ou "entidades gestoras", em face do disposto nos artigos 3.º e 7.º e 34.º da citada Lei n.º 11/2011.
III - Considera-se que a questão jurídica descrita, assume elevada importância jurídica e social, quer para o regular funcionamento do sector económico e social em análise, quer para a Administração Pública, a quem compete aplicar de forma adequada e uniforme o regime legal, quer para os cidadãos utentes dos Centros de Inspeção, que beneficiarão de uma decisão clarificadora do Tribunal de Revista, uma vez que o que se discute é saber qual a correta interpretação – para concretização pela Administração – das disposições legais e regulamentares que regem o funcionamento dos centros de inspeção.
IV - Entendemos, por essa razão, estarmos perante uma questão jurídica que pela sua relevância sociojurídica, se reveste de importância fundamental, razão pela qual o recurso deve ser admitido.
V - Note-se que estamos perante uma questão de direito substantivo com alto grau de probabilidade de ultrapassar os limites da situação singular e concreta, que é uma questão bem caracterizada sob o ponto de vista substantivo, passível de se repetir em casos futuros no foro judicial, a qual, salvo o devido respeito, sofre de erro ostensivo de julgamento na aplicação do direito, de tal modo que é manifesto que só a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa pode dissipar dúvidas acerca da adequada interpretação e aplicação do quadro legal que regulamenta esta situação.
VI - Em resumo, estão reunidos todos os pressupostos a que alude o artigo 150.º do CPTA, designadamente a elevada relevância jurídica e social de questão de importância fundamental, sendo o presente recurso necessário para uma melhor aplicação do direito ao caso concreto, termos em que se requer, seja o mesmo admitido, seguindo-se os demais termos.
VII - No presente recurso está em causa o seguinte:
a) Erro de julgamento na aplicação do direito, na interpretação dada ao regime jurídico relativo ao funcionamento dos centros de inspeção técnica de veículos (cfr. Lei n.º 11/2011, de 26/04, na sua versão atual, conjugada com a Portaria n.º 221/2012, de 20/07, na sua versão atual), na aplicação ao elenco dos factos dados como provados do Acórdão do douto Tribunal Central Administrativo Sul, de 19/10/2017, designado Acórdão recorrido.
b) Erro de julgamento na aplicação do direito, relativamente à falta de preenchimento dos pressupostos necessários à adoção das providências cautelares, nos termos e para os efeitos do art.º 120.º do CPTA.
VIII - Na decisão da presente Providência Cautelar, o Venerando TCA Sul afasta-se da jurisprudência por si mesmo adotada sobre a presente questão de direito substantivo (cfr. Acórdão de 06/10/2016, Processo n.º 13598/16, e Acórdão de 19/07/2016, Processo n.º 13682/16), bem como da jurisprudência já fixada pelo TCA Norte (cfr. Acórdão de 13/01/2017, Processo n.º 462/16.4BECBR), limitando-se a remeter a interpretação da questão de direito substantivo, de forma quase integral, para o Acórdão do TCA Norte, de 09/06/2017, Processo n.° 1016/16.8BEAVR, douto aresto que assenta num entendimento notoriamente errado das disposições contidas na Lei n.º 11/2011, se e quando conjugadas com o disposto na Portaria n.º 221/2012.
XIX - O douto Acórdão recorrido é, nessa medida ilegal, dando uma incorreta interpretação do regime jurídico de funcionamento de centros de inspeção (cfr. Lei n.º 11/2011, de 26/04, conjugado com o disposto na Portaria n.º 221/2012, de 20/07).
X - Não existe, ao contrário do que sustenta o douto Acórdão recorrido, dois regimes legais diferenciados, um aplicável às designadas "entidades autorizadas", outro aplicável às atuais "entidades gestoras" de Centros de Inspeção de Veículos, mas apenas um regime geral e uniforme para todas as entidades do sector a operar em Portugal, que decorre da Lei n.º 11/2011, na sua versão atual, regulamentada nos termos do seu art.º 36.º, através da Portaria n.º 221/2012, na sua versão atual.
XI - O sistema jurídico em questão é obviamente unitário, devendo ser interpretado à luz da presunção do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que diz que "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
XII - Ora, o legislador ordinário de revisão não podia ser mais explícito, conforme resulta do Parecer do CEJUR junto aos autos, relativamente à interpretação do prazo de caducidade dos contratos de gestão dos Centros de Inspeção, designadamente dos das ex-entidades autorizadas, de acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 4, alínea a), conjugado com o artigo 34.º, n.º 1 da Lei n.º 11/2011, e a Portaria n.º 221/2012, quando designadamente refere: «Igualmente se concorda com a afirmação da supra citada deliberação de que "o espírito do legislador era conceder um prazo efetivo de dois anos para implementação das alterações necessárias ao cumprimento dos novos requisitos técnicos impostos pela Portaria n.º 221/2012", tendo determinado que "a data limite a considerar para a implementação das adaptações previstas na Portaria n.º 221/2012, é de 2 anos a contar da data de notificação dos contratos de gestão".
XIII - Não possui qualquer suporte na letra da lei, muito menos resulta do pensamento do legislador ordinário e regulamentar, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 9.º do CC, a interpretação dada no Acórdão recorrido, quando se refere que existirem dois prazos distintos – um prazo de 2 anos a contar da celebração do contrato para as entidades gestoras assegurarem a aprovação de centro de inspeção, cfr. art.º 9.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 11/2011); e um prazo de 1 ano, a contar da data da publicação da Portaria n.º 221/2012, para as ex-"entidades autorizadas" promoverem o cumprimento dos requisitos consagrados na Portaria, prazos definidos com natureza diferente, implicando o incumprimento do primeiro a caducidade automática do contrato de gestão, ao passo que o incumprimento do prazo da Portaria (art.° 10.°, n.° 2) implicaria apenas "a aplicação de uma contraordenação ou, eventualmente, de sansões acessórias, por parte da Entidade Requerida".
XIV - Surpreendentemente, a interpretação ora fixada no Acórdão recorrido, contraria frontalmente a jurisprudência anteriormente consolidada sobre a matéria de direito substantivo em análise, quer a do próprio TCA Sul, quer ainda a fixada pelo TCA Norte, concretamente a plasmada:
- No Acórdão do TCA Norte, de 13/01/2017 - Processo n.º 462/16.4BECBR;
- No Acórdão do TCA Sul, de 19/07/2016 - Processo n.º 13682/16;
- No Acórdão do TCA Sul, de 06/10/2016 - Processo n.º 13598/16.
XV - A título de exemplo, o Acórdão do TCA Sul, de 19/07/2016 - Processo n.º 13682/16, pronunciou-se inequivocamente no sentido de que "as Deliberações do Conselho...
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