Acórdão nº 01295/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30-04-2015
Data de Julgamento | 30 Abril 2015 |
Número Acordão | 01295/14 |
Ano | 2015 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1. RELATÓRIO
A Secretaria Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores, inconformada com a decisão proferida, em 2ª instância, em 29 de Maio de 2014, no TCAN que concedendo provimento ao recurso, julgou procedente a acção administrativa comum, interposta pelo Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E., e em consequência condenou a recorrente no pagamento da quantia de 6.081,13€, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação ate integral pagamento, relativa a cuidados de saúde prestados a residentes na Região Autónoma dos Açores, interpôs o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo.
Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
a. «O presente recurso tem por objecto o douto acórdão, na parte em que revogando a decisão absolutória da primeira instância, condena a Região Autónoma dos Açores – Secretaria Regional da Saúde – a pagar ao Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E., a quantia de 6.081,13€, acrescida de juros de mora vincendos;
b. Tal pedido assentava na prestação de cuidados de saúde daquela entidade do SNS a cidadãos portugueses fiscalmente residentes na região Autónoma dos Açores;
c. O douto aresto fundamenta-se, em síntese, na qualificação do SRS como um subsistema de saúde, pelo que, geraria a responsabilidade da RAA em pagar os cuidados de saúde prestados aos cidadãos portugueses fiscalmente residentes naquele território, nos termos da al. b), do nº 1 do artº 23º do Estatuto do SNS constante do DL 11/93 e, ainda da al. c) da mesma norma;
d. O presente recurso extraordinário de revista, tem acolhimento no nº 1 do artº 150º do CPTA, por preencher todos os seus requisitos, ainda que estes não sejam cumulativos;
e. Em primeiro lugar trata-se de uma questão de grande relevância social, na medida em que atinge um dos aspectos fundamentais da vida de qualquer cidadão, a sua saúde;
f. Do mesmo passo, as repercussões financeiras da totalidade das acções pendentes sobre esta matéria poderão ascender a cerca de 500 milhões de euros, o que se traduz num gravíssimo encargo para o SRS, com influência na capacidade de prestar os cuidados a que está obrigado;
g. De igual modo, trata-se de uma questão de grande relevância jurídica, atentos os princípios aqui convocados, da universalidade, da igualdade, do Estado Unitário e ainda os direitos fundamentais previstos nos artºs 12º, 13º e 64º da CRP;
h. Por último, impõe-se uma decisão desta instância suprema, reservada à clarificação e melhor aplicação do direito, porquanto, em poucos casos assistimos a tamanha pertinência;
i. Na verdade, existem vastas decisões de primeira instância, de diferentes tribunais espalhados por todo o país que consideravam inexistir a obrigatoriedade de pagamento pelo SRS, leia-se RAA, pelos tratamentos prestados pelo SNS aos cidadãos residentes naquele território, a qual foi revogada pelo douto acórdão recorrido e existindo ainda uma decisão do TCA Sul que embora, no mesmo sentido, tem fundamentos jurídicos distintos;
j. A razão da recorrente não se conformar com a decisão recorrida, assenta no facto de entender que não se aplica ao caso em apreço as normas da Base XXXIII da Lei de Bases de Saúde, bem como, as als. b) e c) do nº 1 do artº 23º do Estatuto do SNS constante do DL nº 11/93 de 15/11;
k. Em primeiro lugar, da douta decisão recorrida, não se vislumbra qualquer argumentação no sentido do enquadramento do SRS como um subsistema de saúde, que não a sua base regional;
l. Ora, era justamente esse fundamento, de que não estaríamos perante um subsistema de saúde, que levou à inevitável absolvição da RAA nos muitos processos existentes nos vários tribunais de primeira instância;
m. Ainda que da decisão recorrida não se consiga vislumbrar o enquadramento do SRS como subsistema de saúde, certo é que facilmente se demonstra que o mesmo mais não é do que a regionalização do SNS;
n. Como bem refere o Prof. Sérvulo Correia, a omissão do SRS no Estatuto do SNS mais não é do que a melhor forma que o legislador ordinário encontrou de respeitar a autonomia político-administrativa das regiões constitucionalmente consagrada;
o. O SRS é a forma de organização administrativa dos serviços de saúde, nas regiões, ao abrigo da autonomia constitucional, sendo definida e tutelada pelos órgãos de governo próprios, não podendo tais serviços ficarem na dependência do Ministério da Saúde;
p. O SRS é a manifestação máxima da subsidiariedade do SNS, prestando os cuidados a que este está obrigado, aos que lhe estão mais perto;
q. E nos casos em que inexistem meios humanos e técnicos capazes de prover a esses tratamentos, nos termos em que a lei e a Constituição o definem, terá de ser o SNS a suportar tais custos;
r. Pelo que, como sustenta a doutrina e jurisprudência (cfr. Ac. TC 767/2013, ponto 19), o SRS não só não é subsistema de saúde, como é parte integrante do SNS – é uma descentralização deste;
s. Em todo o caso e, independentemente de tal qualificação, os encargos com o SNS são da responsabilidade do Estado, nos termos da legislação indicada na motivação, assim como a C.P.R.
t. O Estado apenas está isento de suportar esses custos, nos casos em que terceiros estão legalmente obrigados a o fazerem;
u. Tal obrigação legal terá que ser expressa e não da interpretação do julgador, como, com o devido respeito, foi feito no caso concreto;
v. Até a LOE de 2013, com o artº 149º da Lei nº 66-B/2012 de 31/12 não existia qualquer obrigação legal da RAA suportar os custos dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos portugueses residentes no seu território;
w. Pelo que jamais, poderia ter sido convocada para a decisão a al. c), do nº 1 do artº 23º do DL 11/93;
x. Na hipótese de todo inesperada, de não ser revogada a decisão recorrida, e caso venha a ser aplicadas as als. b) e c) do nº 1 do artº 23º do DL nº 11/93, desde já se suscita a inconstitucionalidade material das mesmas, na interpretação dada pela decisão recorrida, por violação dos artºs 12º, 13º e 64º da CRP;
y. Bem como a ilegalidade, por violação do nº 2 do artº 12º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, ao não respeitar o princípio da solidariedade nacional;
z. A decisão recorrida violou, por incorrecta interpretação as normas da Base XXXIII, nº 1 da Lei de Bases da Saúde e o artº 23º, nº 1, als. b) e c) do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde e reflexamente os artºs 12º, 13º e 64º da CRP e artº 12º, nº 2 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores».
Termina pedindo a procedência do recurso e consequente revogação da decisão recorrida e, para a hipótese da improcedência do recurso, deverá ser declarada a inconstitucionalidade das als. b) e c) do nº 1 do artº 23º do DL nº 11/93 de 15/01, por violação dos artºs 12º, 13 e 64º da CRP e declarada a ilegalidade das mesmas normas por violação do disposto no artº 12º, nº 2 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
(…)
3.2. O TCA Norte abordou a questão de saber se a decisão recorrida ao absolver o réu do pagamento dos montantes decorrentes da prestação de cuidados de saúde a residentes na Região Autónoma dos Açores violou o disposto nos artigos 23º do Dec. Lei 11/93, Base II e Base XXXIII, nº 2, al. b) da Lei 48/90, de 24/8, isto é “se o Governo Regional dos Açores é ou não responsável pelos cuidados médicos prestados a seus residentes por instituições médicas do continente”.
3.3. A questão colocada, como refere o recorrente coloca-se em inúmeros processos, pois como alega o recorrente, neste momento estão a ser-lhe pedidos cerca de 500 milhões de euros. A questão foi decidida de modo diverso pela 1ª e 2ª instância o que, só por si, evidencia não se tratar de questão simples. Por outro lado trata-se de questão de interesse geral sobre a articulação do Serviço Nacional de Saúde e os serviços de saúde da Região Autónoma dos Açores.
É assim evidente estarmos perante uma questão jurídica de importância fundamental e, desse modo, justificativa da admissão do recurso de revista.
4. Decisão
Face ao exposto, admite-se a revista».
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº 1 do CPTA].
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) O A., na unidade de S. Sebastião, prestou aos utentes identificados no doc. 1 junto com a p.i. diversos cuidados de saúde – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
B) Os serviços do A. emitiram em nome do R. as facturas constante de fls. 9 a 21 dos autos, no montante global de 6.061,53 €.
2.2. O DIREITO
A presente revista dirige-se contra a decisão do TACN que revogando a sentença proferida no TAF de Aveiro, julgou procedente a acção administrativa comum intentada pelo A/ora recorrido Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E., e, nesta procedência, condenou a Secretaria Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores, no pagamento da quantia de 6.081,13€, acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação até integral pagamento, por entender que a responsabilidade do pagamento dos serviços de saúde prestados pelo Serviço Nacional de Saúde [SNS] a cidadãos portugueses com domicílio fiscal na Região Autónoma dos Açores, pertencia a esta, atento o disposto na al. b), do nº 2 da Base XXXIII da Lei de Bases de Saúde, Lei nº 48/90 de 24/08 e, al. b), do nº 1, do artº 23º do DL 11/93 de 15/01, que cria o SNS.
E é...
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