Acórdão nº 01284/23.12BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 17-05-2024
Judgment Date | 17 May 2024 |
Acordao Number | 01284/23.12BEBRG |
Year | 2024 |
Court | Tribunal Central Administrativo Norte |
RELATÓRIO
«AA» propôs ACÇÃO ADMINISTRATIVA contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ambos melhor identificados nos autos, com vista a que lhe seja concedido o Estatuto de Trabalhador-Estudante.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
A) O recorrente entende que a sentença proferida é nula, nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea b), uma vez que não especificou convenientemente os fundamentos de direito que justificam a sua decisão e também padece do vício de erro de julgamento, havendo erro na determinação da norma jurídica aplicável, uma vez que, no nosso entender, o tribunal não aplicou devidamente a lei ao caso concreto e não apreciou devidamente a inconstitucionalidade de vários preceitos legais.
B) O tribunal deveria ter concedido o direito ao Autor de beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, previsto no Código de Trabalho, por remissão do artigo 4° da LGTFP e não afastar a sua aplicação, ao abrigo do princípio da especialidade, previsto no artigo 7°, n° 3 do Código Civil;
B) Ao contrário do decidido pelo tribunal, a não aplicação do estatuto de trabalhador-estudante ao Autor, militar da GNR, não se trata de ser injusta a solução adoptada, mas sim inconstitucional.
C) O dever de obediência à lei, previsto no art. 8° n° 2 do Código Civil, inclui em primeiro lugar, o dever de obediência à Constituição da República Portuguesa, que, conforme refere o seu artigo 204°- Apreciação da inconstitucionalidade - Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
D) O artigo 18° da CRP- Força jurídica, refere que, quando estão em causa direitos, liberdades e garantias, são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicada e privadas.
E) Nada dizendo o Estatuto dos Militares da GNR relativamente ao estatuto do trabalhador-estudante, não referindo também a não aplicação do estatuto de trabalhador-estudante aos mesmos, no nosso entender, deve-se aplicar subsidiariamente o Código de Trabalho, por remissão do artigo 4° da LGTFP e não afastar a sua aplicação, ao abrigo do princípio da especialidade, previsto no artigo 7°, n° 3 do Código Civil;
F) Além do mais, por analogia, uma vez que o Estatuto do Militares da GNR é omisso quanto a este assunto, sempre se aplicaria o Estatuto dos militares das Forças Armadas, que prevê o estatuto do trabalhador estudante, de acordo com o Código de Trabalho, salvaguardadas as especificidades decorrentes da condição de militar da GNR, uma vez que, os agentes da GNR, da PSP e os militares das Forças Armadas estão todos sujeitos ao dever de disponibilidade para o serviço, ainda que com o sacrífício dos seus interesses pessoais, porém só os agentes da GNR não teriam possibilidade de acesso ao estatuto de trabalhador-estudante, o que viola gravemente o direito da igualdade, constitucionalmente protegido e de aplicação directa pelos Tribunais;
G) Existem muitos militares da GNR que beneficiam de horário flexível (no qual o horário do militar é adaptado ao quotidiano de vida do seu cônjuge), aplicando-se subsidiariamente o Código de Trabalho.
H) O recorrente pretende neste processo, que o seu horário de trabalho seja flexível, de acordo com o seu horário da faculdade e o Comandante da GNR podia contar na mesma com os serviços do militar, no horário estabelecido e em caso de urgência ou necessidade estaria sempre disponível, como é seu dever.
I) Ao contrário do decidido pelo tribunal, a não aplicação do estatuto de trabalhador-estudante ao Autor, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13° da CRP, na medida em que os agentes da PSP podem ter estatuto de Trabalhador- Estudante e são agentes de autoridade com funções idênticas aos militares da GNR e estão também eles adstrictos ao dever de disponibilidade, o que configura um tratamento desigual, que deve ser apreciado pelo tribunal superior.
J) A interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade é inconstitucional, na medida em viola os artigos 59°, n° 1 e 2 alínea f) e 74° n°.s 1 e 2°, alíneas c) e d) da CRP, inconstitucionalidade que expressamente se invoca e deve ser apreciado por este tribunal;
L) O previsto no artigo 2° n° 2 da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, que exclui a aplicação desta Lei, nomeadamente o estatuto do trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho é inconstitucional, por violação dos artigos 13°, n°.s 1 e 2, 58°, n° 2, alíneas c) e f) e 74°, n° 2, alínea d);
M) Nenhum dos direitos previstos no Estatuto dos Militares da GNR, para garantir a valorização profissional, nomeadamente, dispensa de trabalho, previsto no artigo 155° e licença para estudos, prevista no artigo 182°, são capazes de garantir o direito ao ensino que o requerente pretende, pois um curso superior, nomeadamente, o curso de Direito, implica frequência das aulas, diariamente, exames em vários dias diferentes e deslocações;
N) Ao contrário do decidido pelo tribunal, com uma licença sem vencimento, o recorrente não consegue sustentar-se e pagar os seus estudos, não estando protegido, assim, o direito constitucionalmente garantido de igualdade de oportunidades, pois só quem tivesse uma boa condição económica é que poderia estudar;
O) As normas estatutárias criam situações de discriminação perante a situação económica do miltar da GNR, pois só aqueles que são economicamente abastados poderão socorrer-se da licença para estudos, com perda de vencimento para poder frequentar um curso superior;
P) Não se deve seguir a orientação do Acordão do STA, datado de 16/11/2004, no âmbito do proc. n° 777/04, onde se considerou não ser aplicável o estatuto do trabalhador-estudante aos militares da GNR, devido ao dever de disponibilidade que sobre eles impende, pelos motivos supra expostos.
Q) Após a referida decisão, já decorreram quase vinte anos, o Estado e a sociedade evoluiram e os estatutos foram sendo alterados, no sentido de aplicar o estatuto de trabalhador estudante aos agentes da PSP e inclusive, aos militares das Forças Armadas;
R) Em sentido contrário ao Acordão, salienta-se o estudo de Isabel Celeste Monteiro da Fonseca e Cláudia Sofia Melo Figueiras, da Universidade do Minho, em “Restrição aos direitos fundamentais do Militares da Guarda Nacional Republicana: Em Especial, o direito de acesso ao Ensino e Direitos Conexos”, que concluem “Sendo o dever de disponibilidade um dever fundamental, pois protege valores fundamentais, e tendo os direitos do trabalhador-estudante natureza jus-fundamental formal, é necessário procurar uma harmonização do dever fundamental com os direitos fundamentais, fazendo-se essa harmonização através de uma tarefa de concordância prática...”
S) Por uma questão do direito de Igualdade entre as várias forças militares e de segurança, deve o recorrente ter direito ao estatuto de trabalhador-estudante, para poder terminar o curso de Direito, sem prejuízo do seu trabalho de militar da GNR e do dever de disponibilidade.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, deferindo-se o pedido de concessão do estatuto de trabalhador estudante ao recorrente, fazendo, como sempre, a costumada
JUSTIÇA.
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
A. Com a presente ação veio o Recorrente impugnar o despacho de indeferimento que lhe recusou a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, pedindo que seja concedido o estatuto de trabalhador-estudante de modo que possa trabalhar e frequentar as aulas do curso de Direito, devendo o R. ser obrigado a conciliar o horário de trabalho do Recorrente com o seu horário de curso e exames, sem perda de quaisquer direitos.
B. Entende assim o Recorrente que a sentença é nula, uma vez que não especificou convenientemente os fundamentos de direito que justificam a sua decisão e que também padece do vício de erro de julgamento, havendo erro na determinação da norma jurídica aplicável, uma vez que, o tribunal não aplicou devidamente a lei ao caso concreto e não apreciou devidamente a inconstitucionalidade de vários preceitos legais;
C. Ora, por Douta Sentença proferida nos autos em 31.12.2024, foi a ação considerada totalmente improcedente, sendo aí expressamente analisado e decidido o seguinte:
“Do Estatuto dos Militares da GNR não decorre qualquer remissão generalizada para
o regime da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (e, muito menos, para o Código do Trabalho).
Assim, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não é aplicável aos militares da GNR.
Isto, sem prejuízo daquilo que o artigo 8.° da LGTFP determina quando ao vínculo de nomeação e sem prejuízo da aplicação de alguns dos princípios aplicáveis ao vínculo de emprego público, concretamente, dos que se encontram elencados nas várias alíneas do n.° 2 do artigo 2.° da LGTFP, sem que aí se encontre referido o estatuto de trabalhador-estudante.
Por outro lado, importa atender ao conteúdo do próprio Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana.
Este Estatuto contempla duas normas que abordam a frequência de cursos pelos militares (artigos 155.° e 182.°), mas não contém qualquer norma remissiva para a LGTFP ou para o Código de Trabalho quanto ao específico regime do estatuto do trabalhador-estudante.
Há matérias em que isso sucede, como, por exemplo, com a licença para acompanhamento de cônjuge, que o artigo 185.° do Estatuto dos Militares da GNR determina que se rege pelo regime previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Mas tal não acontece com o regime do estatuto do...
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