Acórdão nº 01212/09.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 21-03-2019

Data de Julgamento21 Março 2019
Número Acordão01212/09.7BEPRT
Ano2019
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 20/03/2016, que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos por JMJP contra a penhora efectuada em 03/12/2007 nos autos de execução fiscal n.º 1821199801028880 e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Matosinhos 1 contra FT – Investimentos Imobiliários, Lda.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente os Embargos de 3º deduzidos por JMJP, NIF 21xxx29, residente na Estrada E…., Senhora da Hora, em Matosinhos, na sequência da penhora efetuada sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Senhora da Hora sob o artigo 4948-D, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1821199801028880 e apensos, que correm termos contra a sociedade “FT – Investimentos Imobiliários, Lda.
B. O meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, “a final” decidiu pela procedência dos presentes embargos, porquanto considerou que Embargante reunia os elementos objetivo (corpus) e subjetivo (animus) da posse.
C. Atendendo à relação de parentesco entre as testemunhas (marido e mulher) e o embargante (primos) bem como pelo facto de eles próprios estarem a passar por uma situação idêntica (de penhora da fracção que habitam e sucessiva interposição de embargos de 3º, numa situação fáctica bastante similar à situação em análise), no que aproveitasse ao embargante, não deveriam ter sido relevados tais depoimentos meramente abonatórios, por parcialidade e interesse na decisão da causa.
D. Entende a Fazenda Pública que deveria também ter sido dado como provado o facto do embargante nunca ter pago o IMI da fracção penhorada.
E. A doutrina e a jurisprudência vêm ensinando que do art.º 1251º do C.Civil decorre que a posse integra um elemento objectivo, ou “corpus” (poder de facto sobre a coisa no sentido da sua submissão à vontade do sujeito com a continuada possibilidade de actuação material sobre ela), e um elemento subjectivo ou “animus” (a intenção de agir como titular do direito a que se refere o exercício do poder de facto sobre a coisa). Distingue-se assim a posse da simples detenção ou posse precária.
F. O Embargante apenas efectuou uma parca tentativa de prova, através da prova testemunhal, do elemento objectivo da posse o “corpus”, destacando-se nos presentes autos a ausência total de prova do seu elemento subjectivo, o “animus”.
G. O embargante apenas frui um direito de gozo autorizado pelo promitente vendedor e por tolerância deste, sendo um mero detentor precário – art.º 1253.º do C.Civil na medida em que não age com o animus possidendi, mas apenas com o corpus possessório.
H. A tradição do imóvel ao promitente comprador não lhe atribui posse legítima da coisa mas apenas posse precária, uma vez que os poderes que ele exerce sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas ao direito de credito atribuindo a tradição ao promitente-comprador um direito pessoal de gozo sobre a coisa, entendimento dominante na jurisprudência.
I. A Jurisprudência tem entendido que no âmbito de um contrato promessa de compra e venda com tradição, o pagamento do preço é um dos elementos determinantes para eventualmente se caracterizar uma verdadeira posse subjectiva, e nos presentes autos não se encontra provado qualquer pagamento do preço. Neste tocante, veja-se o recentemente decidido no douto acórdão de 19/05/2016 do Tribunal Central Administrativo do SUL, processo nº 09492/16 (disponível in www.dgsi.pt).
J. Ainda que se entenda que o promitente-comprador de contrato promessa sem eficácia real não é mero detentor (art° 1253° c) CCivil) mas possuidor (art° 1263º b) CCivil) esta posse é em nome alheio porque em nome do promitente-alienante e, nunca, em nome próprio.
K. Conforme facto dado como provado sob a al. B) por escritura pública de compra e venda celebrada em 25/01/1995, CJN declarou vender à sociedade FT - Investimentos Imobiliários, Lda., e esta declarou comprar, pelo preço de 8.000.000$00 já recebido, o terreno, destinado a construção, com a área de 203,13m2, sito na Estrada E… da freguesia de Senhora da Hora, concelho de Matosinhos, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.° 01568 e inscrito na matriz sob o artigo 3989.
L. Nos presentes autos, não estamos pois perante qualquer permuta como o Embargante pretendia fazer crer, mas sim perante um contrato de compra e venda, e um outro posterior contrato promessa de compra e venda (no âmbito do qual não se encontra demonstrado que foi pago qualquer verba a título de preço).
M. Pelo que, de acordo com os factos dados como provados, não poderia o meritíssimo Juiz retirar a ilação de que “…tendo a avó do aqui Embargante” (que posteriormente lhe cedeu a sua posição contratual), em cumprimento de um contrato promessa de permuta, cedido o terreno para construção de que era proprietária à sociedade “FT – Investimentos Imobiliários, Lda.” (sublinhado nosso). O que ocorreu não foi uma cedência do terreno, mas sim uma compra e venda.
N. Concomitantemente, de acordo com os factos dados como provados, não poderia o meritíssimo Juiz retirar a ilação de que “tal entrega não pode deixar de ser entendida como uma antecipação dos efeitos que decorrem do contrato definitivo, tratando-se de uma situação perfeitamente equivalente à do promitente-comprador que pagou a totalidade do preço do imóvel e obteve a traditio do bem, exercendo, a partir daí, uma posse em nome próprio.”, na medida em que o que ficou a faltar no negócio foi a realização de uma nova escritura de compra e venda. Saliente-se que o Embargante não foi pagando o devido IMI.
O. Assim, não se demonstrou nos presentes autos que o Embargante exercesse um poder de facto sobre o imóvel, na convicção subjectiva de que o não fazia a coberto da expectativa de aquisição a que acederia pela ulterior venda, mas de um direito próprio.
P. Conforme facto dado como provado na al. C) por documento particular, datado de 06/11/1998, foi efectuado um “aditamento”, além de tudo o mais que aí é referido, na cláusula segunda consta que “A escritura de compra e venda será celebrada em Cartório …” facto demonstrativo sobre a natureza obrigacional do direito invocado.
Q. Não resulta nos presentes autos demonstrado que a posse exercitada pelo Embargante, tivesse como causa outra fonte que não fosse o dito contrato-promessa de compra e venda, a que tanto a doutrina como a jurisprudência apenas conferem a virtualidade de transmitir a posse precária, contrato esse, que tendo por objecto a simples prestação de um facto, conforme se extrai do n°1 do art.° 410° CC, não é causal da transmissão de nenhum direito real a favor do promitente-comprador, insusceptível portanto, de transmitir o animus,
R. e, enquanto o contrato prometido não for celebrado, o promitente adquirente apenas goza de urna expectativa de vir a adquirir e, por isso, os poderes de facto que exerce sobre a coisa não correspondem ao exercício do direito de propriedade, muito embora, nalguns aspectos possam apresentar alguma semelhança, sem que dessa identidade seja legítimo concluir que o detentor passou a agir como titular do direito correspondente aos actos realizados.
S. O embargante não tem uma verdadeira posse real e efectiva só essa digna de tutela jurídica, mantendo-se a posse na promitente-vendedora executada. A esta questão, refere-se o Douto Acórdão do TCAS proferido em 05-05-2009 no processo 02966/09, ao qual se adere em pleno (disponível in www.dgsi.pt).
T. Pelo exposto entende a FP, salvo melhor opinião, que os presentes embargos carecem de fundamento legal, resultando objectivada a ausência do elemento subjectivo da posse porquanto o Embargante apenas eventualmente adquiriu o corpus possessório mas já não o animus possidendi ficando antes numa situação de mero detentor ou possuidor precário.
U. Porém, se eventualmente se considerasse efectuada a alegação de posse em ambos os elementos (“corpus” e “animus”), o que só por mera cautela de patrocínio se avança, o certo é que sendo o promitente-alienante do contrato promessa sem eficácia real o executado, os embargos de terceiro não são admissíveis porque o direito de crédito derivado do contrato-promessa cede perante o direito real constituído pela penhora. Veja-se o douto acórdão de 24/01/2008 do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo nº 00025/00 – MIRANDELA (disponível in www.dgsi.pt), bem como o douto acórdão de 10/02/2010 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 01117/09, (disponível in www.dgsi.pt).
V. Por tudo o supra exposto, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a decisão do douto Tribunal a quo, entendendo-se que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que se considera que o embargante não logrou provar o elemento subjectivo da posse (animus possidendi).
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das...

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