Acórdão nº 01083/14.1BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04-11-2021
Data de Julgamento | 04 Novembro 2021 |
Número Acordão | 01083/14.1BEBRG |
Ano | 2021 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1. O Estado Português, inconformado com o acórdão do TCA-Norte que concedeu provimento ao recurso que A…………………. interpusera da sentença do TAF de Braga, que julgara improcedente a acção administrativa comum por este intentada, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“1 - O presente recurso de revista encontra fundamento legal no artigo 150, nº 1, do CPTA, pois apresenta-se como claramente necessário para melhoria de aplicação do direito.
2 - E tem como fundamento substantivo a violação da norma do artigo 563 do CC que consagra a formulação negativa da teoria da causalidade adequada.
3 - Efectivamente falece in casu a adequação da invocada causa ao alegado dano.
4 - Porque o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada, idónea, do mesmo.
5 - O que aqui não acontece.
6 - Nem naturalística nem mecanicamente o causou. E,
7 - Porque, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, a alegada omissão do cartório notarial não era apta, nem idónea, nem adequada para produzir o dano, que só aconteceu devido a circunstâncias anómalas, excepcionais e extraordinárias; que, no conjunto e interligadas, só elas, o produziram.
8 - A saber,
(i) a não interposição atempada de recurso do acórdão da Relação de Guimarães;
(ii) a declaração de insolvência do mutuário marido;
(iii) as hipotecas a favor do …………, com preferência de pagamento e garantindo créditos em muito superiores ao valor do imóvel, com valor acordado de 17 000 contos;
(iv) a venda efectuada do imóvel com os encargos a favor do ……….. efectuada pela mutuária mulher a B……….. e C…………….;
9 - Não se verifica, portanto, no caso sub judicio, o imprescindível pressuposto de responsabilização civil, o nexo de causalidade, nexo de adequação.
10 - Assim, na conformidade de todo o supra exposto, deve ser admitido o presente recurso de revista e ser revogado o acórdão do TCAN e, julgando-se a acção improcedente, por não verificação do nexo de causalidade, absolver-se o Estado do pedido.”
O recorrido contra-alegou, tendo enunciado as conclusões seguintes:
"I. O recorrido entende que a pretensão não se insere no disposto no artigo 150 nºs 1 e 2 do CPTA, sendo como tal inadmissível a pretensão do recorrente.
II. Em bom rigor, a verdade é que o recorrente não se conforma com a análise e os juízos formulados sob a matéria de facto.
III. Em nenhum momento a teoria dominante na doutrina e na jurisprudência é beliscada ou incorrectamente aplicada.
IV. Em momento algum a norma do artigo 563 do Cód. Civil, que consagra a formulação negativa da teoria da causalidade, saí beliscada.
V. Razão pela qual não estão verificados os pressupostos previstos no artigo 150 n.º 1 e 2 do CPTA e consequentemente não deve de ser admitido o recurso.
VI. Não houve por parte do tribunal “a quo” uma desconsideração das circunstâncias ditas excepcionais, anormais, extraordinárias e anómalas.
VII. Em bom rigor as circunstâncias enumeradas:
“(i) a não interposição atempada de recurso do acórdão da Relação de Guimarães; como olvida,
(ii) a declaração de insolvência do mutuário marido;
(iii) as hipotecas a favor do ……., com preferência de pagamento e garantindo créditos em muito superiores ao valor do imóvel, com valor acordado de 17 000 contos;
(iv) a venda efectuada do imóvel com os encargos a favor do ……….. efectuada pela mutuária mulher a B………… e C………..;
e, se quisermos,
(v) a não apreciação própria pelo mutuante dos poderes de representação da mutuário mulher.”
não são excepcionais, anormais, extraordinárias e anómalas.
VIII. O vertido em ii, iii, iv não afecta em nada a pretensão do recorrido.
IX. Na medida em que nos autos apenas se cuida da metade do imóvel propriedade da mulher, a insolvência do mutuário marido em nada afecta a pretensão da qual cuidam os presentes autos e que apenas é dirigida da mutuária mulher.
X. O valor de 17000 contos garantido pela hipoteca do ……….., também em nada afecta o determinado no acórdão na medida em que a condenação do Estado foi na exacta medida do valor extravasado pela garantia da hipoteca do ………. e que, consequentemente, caso existisse hipoteca válida a favor do recorrido, teria de ser entregue a este.
XI. Sendo certo que é bem demonstrativo de tal o facto de o valor de venda ter sido substancialmente superior ao garantido, pois com a venda da metade do prédio da mutuária mulher conseguiu-se pagar o montante a ela exigido pelo ……… e ainda “sobraram” mais € 75.513,75, isto é mais de 15.000 contos.
XII. O mesmo se diga em relação a iv), pois não se percebe em que medida a cessão do crédito do ……….. afecta a posição do recorrido.
XIII. Quanto a v), isto é, a não apreciação por parte do mutuante dos poderes de representação da mutuária mulher.
XIV. Foi o Estado quem lavrou os actos notariais que vieram a ser considerados inexistentes, vir agora assacar a responsabilidade ao particular de fiscalizar a actuação do recorrido traz-nos à memória os exemplos que o recorrente assacou para caracterizar a pretensão do recorrido como absurda e quando se questionava se seria o Estado quem deveria de ser responsabilizado pela utilização indevida de uma arma, de estupefacientes ou do cometimento de uma contra-ordenação.
XV. Será que o Estado pretende que seja o particular a assumir a função de fiscalização dos actos praticados pelos seus cartórios notariais?
XVI. Lidas as alegações ficamos sem saber em que medida é que qualquer uma destas circunstâncias afectaria o nexo causal, pois a verdade é que o recorrente não o explica.
XVII. Qualquer uma destas circunstâncias é “inócua” na hora de apreciar o nexo causal de que cuidam os presentes autos.
XVIII. Com o facto elencado em i), isto é, a não interposição atempada de recurso do acórdão da Relação de Guimarães, impõem questionar se seria este recurso capaz de alterar algo?
XIX. O Acórdão do TCAN é bem esclarecedor e a resposta é não.
XX. Para tanto o TCAN socorrendo-se da posição do STJ, de forma fundamentada, faz um juízo de prognose e conclui que “Por tais razões, estamos certos que, a ter sido interposto o referido recurso, não deixaria de ser julgado improcedente, assim declinando o nexo de causalidade entre a omissão de interposição desse recurso e os danos alegados.”
XXI. Concluindo o TCAN que “A ser assim, concluiu-se que a circunstância de não ter sido interposto recurso do aresto do TRG não foi causal dos danos sofridos pelo Autor/ Apelante, mas sim e exclusivamente o comportamento ilícito e culposo do Ajudante Principal do referido cartório notarial.”
XXII. O Ac. do TCAN fundamenta de forma abundante a razão pela qual não valorou o facto da decisão se ter ficado pela segunda instância, esclarecendo que o entendimento do STJ tem sido idêntico àquele sufragado pelo TRG.
XXIII. Razão pela qual, caso o recurso tivesse sido intentado em prazo, a decisão não teria sido alterada em relação aquilo que já havia sido decidido pelo TRG.”
Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
"1) Em 15/05/2000, no Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo, D………….. e mulher E…………….. outorgaram documento designado por “Procuração” no qual fizeram constar o seguinte:
"Que, com faculdade de substabelecer, constituem seu procurador F……………, casado, natural da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Viana do Castelo, residente na Rua …………., em Viana do Castelo, a quem concedem gerais poderes forenses para os representar em qualquer tribunal e especiais para confessar, desistir ou transigir e ainda para, pelo preço e condições que entender, comprar, vender, permutar e hipotecar quaisquer bens sitos no concelho de Viana do Castelo, designadamente o inscrito sob o artigo novecentos e noventa e quatro urbano da freguesia de Darque e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número mil setecentos e oitenta e sete de Darque, vender a quota que ao outorgante marido pertence na sociedade por quotas de responsabilidade limitada “G………..., Limitada”, com sede na Rua ………., número ……….., da freguesia da Meadela, ou praticar os atos necessários para declarar o fim da atividade ou dissolução da mesma sociedade, requerendo os competentes registos, provisórios e definitivos, e fazendo declarações complementares na Conservatória do Registo Predial, representando-os junto desta e de qualquer outra repartição pública ou administrativa, outorgando, assinando e praticando todos os atos que se mostrarem necessários aos indicados fins. E pelos outorgantes foi dito: que se autorizam mutuamente para a prática dos atos contidos na presente procuração." (cfr. documento 2 da petição inicial).
2) Em 03/07/2001, F…………….. assinou documento designado por “Substabelecimento”, no qual declarou o seguinte:
"Eu, abaixo assinado, F…………….., casado, natural da freguesia de Santa Maria Maior, da cidade e concelho de Viana do Castelo, nele residente na Rua …………, substabeleço no Exmo Senhor D…………, casado, natural da freguesia de Anriade, do concelho de Resende, residente na Rua ……………, lugar do ……….., da freguesia de Darque, do concelho de Viana do Castelo, os poderes que me foram conferidos por E……………, casada, natural da freguesia de Paranhos, do concelho do Porto, igualmente residente na Rua …………….., lugar do …………, da dita freguesia de Darque, através da procuração outorgada no dia quinze de Maio de dois mil, no Segundo...
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