Acórdão nº 01023/15.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 11-10-2017
Data de Julgamento | 11 Outubro 2017 |
Número Acordão | 01023/15.0BEAVR |
Ano | 2017 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
1. Relatório
Manuel… e Maria…, com os NIF 1…e 1…, respectivamente, e residentes na Praça…, Costa da Caparica, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação, por eles deduzida, ao abrigo do disposto no artigo 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro que designou data para a venda judicial de bem penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0051200801038818.
Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1ª - Perante o depoimento da Dra. D…, Notária que celebrou a escritura pública de compra e venda entre Reclamantes e o Executado por reversão e a mulher deste, dever-se-á ter como provada a aquisição por parte dos Reclamantes do imóvel em causa livre de quaisquer ónus ou encargos.
2ª - Apesar de em 18/06/2015, o Serviço de Finanças de Aveiro 1 ter procedido à penhora do artigo urbano n° 2…, fração F, da freguesia da Torreira, concelho da Murtosa, sito na Avenida…, com o valor patrimonial de €48.380,00, tal ónus deverá ser cancelado.
3ª - Pois que, antes da leitura do ato público de compra e venda a senhora notária consultou a certidão predial permanente e certificou-se de que não havia qualquer registo pendente.
4ª - Assim, os reclamantes adquiriram do executado e sua mulher, o direito de propriedade de forma plena sobre o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo n° 2…, fração F da freguesia da Torreira, concelho da Murtosa, sito na Avenida…, com o valor patrimonial de €48.380,00, com a celebração da escritura de compra e venda junta aos autos e registada na Conservatória do Registo Predial no dia 18/06/2015.
5ª - O registo da penhora feito pela Fazenda Nacional minutos antes do registo da compra, não conferiu qualquer direito à exequente par esta não ser terceira para efeitos do registo predial.
6ª - Com efeito, a Fazenda Nacional não celebrou com o executado nenhuma escritura de compra e venda do imóvel em questão nem muito menos o executado nomeou tal bem à penhora, pelo que para efeito de Registo Predial a Fazenda Nacional não é considerada terceiro.
7ª - Terceiros são aqueles que tenham adquirido de um autor comum - neste caso do executado/ vendedor - direitos incompatíveis entre si - cfr. artigo 5°, n° 4 do Código de Registo Predial.
8ª - Pelo que, a transmissão do direito de propriedade operada pela compra e venda, por observância da forma legalmente prevista - artigo 879°, alínea a) do Código Civil e artigo 80° do Código do Notariado é oponível à Fazenda Pública, porque os titulares desse direito são terceiros para efeitos da execução fiscal.
9ª - A douta sentença violou o disposto no artigo 735º, n° 2 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 2º do CPPT, ao mandar prosseguir os autos de execução fiscal, com a venda do prédio propriedade dos ora Reclamantes, permitindo que a Fazenda Pública venda um prédio propriedade de terceiros no âmbito de um processo executivo.
10ª - Na verdade, os aqui Reclamantes não figuram no título executivo como executados nem houve reversão da execução contra eles, portanto a penhora de bens de terceiros só poderá ocorrer desde que a execução seja movida contra eles - cfr. artigo 735°, nº 2 do Código de Processo Civil.
11ª - Pelo que, a douda sentença violou tal dispositivo legal, aqui aplicável por força do artigo 2º do CI’PT, ao mandar prosseguir os autos de execução fiscal, com a venda do prédio propriedade dos ora Reclamantes, sem a sua intervenção.
12ª - E, dispõe o artigo 342°, nº 1 do Código de Processo Civil: “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
13ª - Ora, incompatibilidade entre os direitos de propriedade dos Reclamantes e o direito emergente da penhora da Fazenda Pública é manifesta.
14ª - Portanto, a douta sentença também violou o disposto no artigo 342°, n° 1 do Código de Processo Civil.
Pelo exposto e com o sempre douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se o cancelamento da penhora e declarando-se nula a decisão da venda do imóvel em causa nos autos, assim se fazendo JUSTIÇA! “
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
O acórdão proferido por este TCAN, em 27.10.2016, que negou provimento ao recurso dado ter julgado verificada a nulidade de erro na forma de processo, com impossibilidade de convolação foi revogado por acórdão do STA, de 21.06.2017.
Após a descida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os autos com vista à Exma Procuradora-Geral Adjunta, que renovou o parecer, emitido anteriormente, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 657º, nº 4 do CPC e artigo 278º, nº 5 do CPPT), vindo os autos a esta Secção do Contencioso Tributário do TCA Norte para julgamento do recurso.
Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir
A questão suscitada pelos Recorrentes, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso - artigos 635º, nº4 e 639º CPC, ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT - é a de saber se a sentença incorreu em erro ao julgar que a transmissão para os recorrentes do direito de propriedade sobre o imóvel não prevalece sobre a penhora registada pela Fazenda Pública.
II. Fundamentação
II.1 Dos Factos
II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos:
A) Em 31/05/2008, foi autuado no Serviço de Finanças (SF) de Aveiro-1 o processo de execução fiscal (PEF) com o n.º 0051200801038818, em que é executada originária O…, LDA, NIPC 5…, por dívidas de IVA/2005, no montante global de €176.531,16, cfr. pef junto aos autos fls . 26 e ss do p.f., que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
B) Em 14/01/2013, foi proferido despacho de reversão da execução referida em A), contra os responsáveis subsidiários J… NIF 1…e A…, NIF 1…, cfr. pef junto aos autos, fls. 103/104 do p.f., que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
C) Em 18/06/2015, o Serviço de Finanças de Aveiro 1 procedeu à penhora de um bem do revertido J…, mais concretamente, do artigo urbano n.º 2…, fracção F, da freguesia da Torreira, concelho da Murtosa, sito na Avenida…, com o valor patrimonial de € 48.380,00., cfr. fls. 121/127 do p.f., que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
D) Da certidão permanente do registo predial, datada de 25/06/2015, consta que a penhora da Autoridade Tributária foi registada em sistema no dia 18/06/2015, às 13:10:24 UTC, cfr. fls. 129/130 do p.f., que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
E) No mesmo dia, 18/06/2015, entre os Reclamantes e o executado J… e mulher, foi celebrada escritura de compra e venda no cartório notarial “D…”, relativamente ao imóvel referido em C), cfr. fls. 7/10 do p.f., que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
F) Relativamente à escritura referida em E), foi emitida a Factura recibo n.º 2015001/1150, tendo o registo no sistema de facturação sido efectuado no mesmo dia, às 13:34:14 UTC, cfr. fls. 219/223 do p.f., que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
G) Da certidão permanente do registo predial, datada de 25/06/2015, consta que a compra a favor dos aqui Reclamantes apenas foi registada em sistema, no mesmo dia, às 13:54:09 UTC, cfr. fls. 129/130 do p.f., que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
H) A conta referente à factura da escritura referida em E) foi efectuada logo após a leitura da mesma, cfr depoimento da testemunha Dra. D…;
I) A entrega das chaves da fracção referida em C), foi apenas entregue aos Reclamantes após a celebração da escritura referida em E), à saída do Cartório Notarial, cfr. depoimento da testemunha J…;
J) Pelo Serviço de Finanças de Aveiro-1, mediante ofício n.º 275, foi declarado o seguinte:
- imagem omissa -
[cfr. fls. 223/241 dos autos (p.f.)];
K) Em 15/09/2015, por despacho do OEF, foi designada a venda do bem penhorado e referido em C), cujo teor aqui se dá por reproduzido e donde consta o seguinte:
- imagem omissa -
[cfr. fls. 139 do p.f., que aqui se dá por integralmente reproduzida];
L) Em 16/09/2015, através do ofício n.º 0003404, foi a Reclamante MARIA… notificada na qualidade de proprietária, da data e modalidade da venda, cfr. fls 142/143 do p.f.;
M) Em 16/09/2015, através do ofício n.º 0003405, foi o Executado J…, da data e modalidade da venda, cfr. fls 144/v do p.f.;
N) Em 28/10/2015, foi apresentada pelos Reclamantes a presente reclamação, cfr. fls. 4 dos autos.
Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos e informações junto ao PEF, e dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados. E, ainda no depoimento das testemunhas apresentadas pelos Reclamantes, conjugados com as regras da experiência...
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