Acórdão nº 0100/19.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04-11-2020

Data de Julgamento04 Novembro 2020
Número Acordão0100/19.3BALSB
Ano2020
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.456/2019-T, o qual julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pela sociedade recorrida, em consequência do que e além do mais, anulou parcialmente o acto de auto-liquidação de I.V.A., referente ao mês de Dezembro de 2016 e no montante de € 703.670,13.
O recorrente invoca oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., proferido em 15/11/2017, no âmbito do rec.485/17 (cfr.cópia junta a fls.54 a 74 do processo físico), transitado em julgado.
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.2 a 32 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
A-O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida;
B-Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas;
C-No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete;
D-Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete;
E-Assim, em síntese, em ambos os Acórdãos, Autora e Recorrida são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração) e têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA;
F-Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2016 e 2010, respetivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009;
G-Uma e outra apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório;
H-E, ambas imputam aos atos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA (correspondente ao artigo 174-º da Diretiva IVA), o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD;
I-Enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA) e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu, por oposição, que o referida norma da Sexta Diretiva (e Diretiva IVA) não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fração a totalidade da renda (juros e capital);
J-Fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto;
K-Há também identidade da questão de direito, pois em ambos os acórdãos a questão a decidir consiste em aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afetos tanto a operações tributadas como a operações isentas;
L-Mais concretamente, tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto, em ambos os arestos está em causa saber se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos;
M-Sendo que, fundamentalmente, no Acórdão recorrido foi decidido que:
«Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.
Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.
E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».
Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CJVA.
E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55° da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. […]
Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.»
o que desembocou na anulação dos atos tributários impugnados;
N-Por sua vez, no Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 do TJUE, e ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA), reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros
«podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos»;
O-Concluiu, nesse seguimento, o STA que
«a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos n.º 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17.º, n.º 5, 3.º parágrafo, al. c) da Sexta directiva 77/3888/CEE»;
P-O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009;
Q-O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito:
«Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»;
R-A tese entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: «O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade» – v.g. Saldanha...

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