Acórdão nº 00964/06.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 26-04-2012

Judgment Date26 April 2012
Acordao Number00964/06.0BEPRT
Year2012
CourtTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
M…, Lda., n.i.f. 5…, com sede na Rua…, 4050 Porto, recorreu para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do despacho de fls. 1633 a fls. 1633v. dos autos de impugnação judicial que correram termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, despacho esse que indeferiu a inquirição das testemunhas então arroladas.
No requerimento respectivo, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido (fls. 1633 e seguinte) deve ser anulado e revogado, com todas as consequências: a PI contém inúmeros factos passíveis de prova testemunhal, com manifesto relevo e importância para a decisão.
2. O despacho recorrido violou, por isso, o artigo 99º da Lei Geral Tributária (LGT), vem como, os artigos 13.º, n.º 1, 114.º e 115.º, n.º 1, todos do CPPT.
3. Há um naipe de factos, a provar por testemunhas, com extrema relevância para a decisão, factos esses constantes dos artigos 1º a 56º da PI da impugnação.
4. Por decorrência do princípio da verdade material, a lei admite todos os meios gerais de prova, não assumindo a prova testemunhal uma natureza subsidiária ou residual.
5. Sucede porém que, por mero lapso, a impugnante omitiu na Pi a indicação das testemunhas a inquirir tendo a posteriori vindo a requerer ao tribunal a admissão do respectivo rol e a inquirição das testemunhas – pedido esse que veio indeferido e cujo indeferimento ora se contesta;
6. Entende o impugnante, lançando mão de um verdadeiro direito potestativo, que a prova daqueles factos, através do recurso à prova testemunhal, permitirá ao Juiz apurar a verdade dos factos em causa.
7. No limite, a não se produzir a indispensável prova testemunhal, solicitada pelo impugnante, irão certamente persistir dúvidas sobre a veracidade dos factos essenciais que sustentam a relação controvertida e, assim sendo, atentas as referidas considerações, como prescreve o nº 1 do art. 100.º do CPPT, em caso de dúvida, o acto tributário deve ser anulado.
8. De acordo com o Princípio da Verdade Material (e investigação do Juiz) não deve ser vedado à recorrente – na mais nobre cooperação com a Justiça – a inquirição das testemunhas que auxiliariam o Tribunal na descoberta da verdade, ainda que o ónus de prova não lhe compita, mas sim à Administração fiscal.
9. A tal obriga, mormente, o disposto no n.º 1 do art. 99.º da LGT, do qual decorre directamente que o tribunal “…deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”,
10. Bem como, do n.º 1 do art. 13.º do CPPT, nos termos do qual, incumbe ao juiz a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, “…devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.
11. Incumbe assim ao juiz a quo um poder-dever de ordenar as diligências de prova que se afigurem úteis para a descoberta da verdade material (neste sentido, os citados acórdãos do STA de 23.20.96, 08.07.2002 e 05.04.2000).
12. No presente caso, o Juiz a quo apenas indeferiu a inquirição das testemunhas com o fundamento, formalista, de que o pedido apresentado é intempestivo.
13. É hoje pacífico, quer na jurisprudência quer na doutrina, que o Juiz só deverá rejeitar a realização de uma diligência probatória se a considerar inútil ou dilatória, sempre mediante despacho devidamente fundamentado.
14. Pela simples análise do despacho proferido, não foi, manifestamente, esse o fundamento do Juiz a quo – aliás nem o poderia ser.
15. A inquirição das referidas testemunhas é manifestamente imprescindível para a boa decisão da causa, isto é, para o apuramento da verdade material, motivo pelo qual pode a ora recorrente apresentar o presente recurso.
16. Em face da violação do mencionado poder-dever e do princípio da verdade material (que deverá prevalecer sobre a forma), deve o despacho em crise ser revogado, por violação das disposições supra citadas.
*
O recurso foi admitido com subida nos próprios autos com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final.
Prosseguindo os autos, foi lavrada sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2001, reflectida no documento emitido com o nº 2005 00001273448, no valor de €
1. 797.994,21, da qual também recorreu a Impugnante, agora para a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte. A Recorrente apresentou as respectivas alegações e formulou as seguintes conclusões:
A. Lida a Sentença recorrida – designadamente as considerações quanto aos factos não provados (com particular enfoque no último parágrafo – pág. 11), fica-se com a convicção segura de que o Tribunal a quo considera como possível que, produzidas as inquirições requeridas, a factualidade dada como demonstrada nos autos resultasse numa diferente configuração. Assim, ao ter recusado a prova testemunhal em causa, o Tribunal não actuou em estrita obediência à sua obrigação de pesquisar a verdade material da realidade que lhe competia analisar.
B. Além disso, o Tribunal violou igualmente a lei ao ter decidido que, mesmo que pretendesse aceitar o rol apresentado, ao abrigo do princípio da busca da verdade material (n.º 1 do artigo 13º do CPPT), tal seria inadmissível por os autos se encontrarem em fase de alegações, ou seja, que havia sido já encerrada a fase da discussão da causa na Primeira Instância (cfr. o despacho recorrido): tal consideração não é correcta, porque a discussão em primeira instância não termina com a notificação das partes para a produção das alegações finais, mas com a apresentação efectiva das mesmas.
C. No nosso caso, o pedido foi feito antes de apresentadas as alegações, pelo que não poderia ter sido recusado, como foi, com base em intempestividade.
D. Seja como for, conforme decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 20/11/2002 (recurso n.º 1207/02), “os amplos poderes inquisitórios atribuídos ao juiz, reflexo do princípio da verdade material, fazem com que, por iniciativa deste, possam ser trazidos ao processo novos elementos de prova, a todo o momento, até à sentença. E aquele princípio desaconselha a que se rejeitem novos elementos probatórios, porventura capazes de contribuir para atingir essa verdade, por razões de mera disciplina processual”.
E. Se a inquirição das testemunhas arroladas tivesse sido aceite, a Recorrente julga que poderia ter demonstrado a factualidade que de seguida resumidamente se refere (tendo em conta, também, a prova que já se produziu no mesmo Tribunal, noutros processos semelhantes).
F. A M… era uma empresa conceituada e tradicional no mercado, que oferecia todas as garantias, quer quanto à qualidade do material transaccionado, quer quanto às condições de pagamento, nunca lhe tendo sido apontada qualquer falha do ponto de vista da contabilização e registo das suas operações.
G. A forma normal da sua actuação não divergia da que é comum na generalidade das empresas do sector da “sucata” e se encontra intimamente ligada às características próprias que este reveste, as quais resultam, fundamentalmente, da composição da malha de operadores que o constituem: no topo, encontra-se um grupo restrito de grandes operadores – os chamados “fornos” ou “fundições” – que se dedicam à transformação dos metais adquiridos; na base, temos um conjunto extremamente atomizado de comerciantes fornecedores daquela matéria-prima, dotados de pequenas estruturas humanas e físicas; finalmente, num patamar intermédio e em menor número que estes últimos, existe uma série de entidades igualmente não transformadoras mas que, com outra dimensão e capacidade empresarial, funcionam como agregadoras da matéria-prima dispersa fornecida por aqueles agentes atomizados – a M… inseria-se neste último grupo.
H. As fundições têm uma grande capacidade de transformação, encontrando-se permanentemente em funcionamento, pelo que necessitam de um constante fornecimento de matérias-primas; apesar de essas matérias-primas se encontrarem facilmente em quantidade, apenas alguns operadores mais antigos asseguram a certeza do fornecimento de material com suficiente qualidade – daí que os grandes “fornos” transformadores concentrem a sua procura num número restrito de operadores intermediários como a M….
I. Aliás, a preferência das fundições por esse grupo limitado de fornecedores não se justifica apenas pela qualidade da matéria-prima fornecida: por um lado, apenas eles, com a facilidade de acumulação de grandes stocks que apresentam, têm idoneidade para prover o fornecimento constante e assegurar, assim, a permanente laboração dos “fornos”; por outro lado, uma vez que não dispõem de stocks que lhes permitam o contrário, os pequenos operadores exigem das fundições o pagamento a pronto ou em prazos curtos – o que, inclusivamente, impede que as eventuais reclamações sejam feitas, como é vulgarmente desejável, antes desse mesmo pagamento.
J. Posto isto, percebe-se, portanto, que uma das características que veio enformar o sector das “sucatas” tenha sido o surgimento natural de um conjunto de intermediários entre os grandes agregadores e os pequenos fornecedores de matéria-prima, rareando, assim – sem que isso constitua algo de suspeito –, os contactos comerciais entre estes dois últimos grupos.
K. Tendo em conta a grande proliferação e atomização, na base do sector, de pequenos agentes, compreende-se que sejam habitualmente os fornecedores a contactarem os eventuais compradores, dirigindo-se os mais regulares de entre aqueles às instalações destes últimos, com ou sem contacto prévio, para apresentarem a sua mercadoria e...

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