Acórdão nº 00839/18.0BEPRT-B de Tribunal Central Administrativo Norte, 13-12-2019

Data de Julgamento13 Dezembro 2019
Número Acordão00839/18.0BEPRT-B
Ano2019
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
M. D. -, Lda. instaurou providência cautelar contra a A.., SA, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho de Administração desta, que determinou a cessação da suspensão dos efeitos decorrentes da deliberação anteriormente tomada e que havia decidido: a) a revogação do Título de Utilização dos Recursos Hídricos nº 2014GD100007; b) a proibição de praticar nos embarcadouros instalados nos cais do Ouro e da Afurada; c) a revogação do Certificado de Utilização da Via, atribuído à embarcação Flor do Douro.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi indeferida a providência.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Requerente concluiu:
A - A recorrente não concorda com a decisão que recusou a providência cautelar requerida e aplicou multa à requerente por falta de colaboração com o Tribunal.
B - Não tendo acontecido qualquer advertência de cominação em multa, não pode o Tribunal, com base em tal argumento, condenar em multa, a qual deve ser dada sem efeito.
C - A requerente entende que tal decisão é nula nos termos do artigo 1° do CPTA, alíneas c) e d) do n° 1 do artigo 615° do CPC e artigo 3°, n° 3 do CPC.
D - O Tribunal "a quo" conheceu questões das quais não podia tomar conhecimento, não conheceu questões que deveria apreciar, apresenta uma fundamentação errada e até contraditória e viola o artigo 3°, n° 3, do CPC.
E - A Requerente, no seu requerimento inicial, juntou documentos e requereu audição de prova testemunhal, declarações de parte e depoimento de parte.
F- Em 26 de Abril de 2019, notificada do teor da oposição da requerida, a Requerente respondeu à junção de documentos, aceitando uns, impugnando outros.
G - O Juiz "a quo" indeferiu a inquirição de testemunhas, e nem sequer se pronunciou sobre a restante prova solicitada, a final, pela Requerente decidindo com fundamentação quase inexistente e insuficiente.
H - A omissão da produção da prova testemunhal requerida, certamente que influi na decisão da causa, prejudicando-a.
I- A parte contrária, na sua oposição, usou factos e documentos que a recorrente impugnou e só poderia contrariar na produção de prova testemunhal e documental requerida.
J - Pelo que omissão da audição da prova testemunhal e outra, constitui nulidade processual.
O que expressamente se argui.
L -A decisão não conheceu a deliberação identificada em C) do requerimento inicial, quando o deveria fazer, inquinando a decisão nos termos artigo 615, n° 1, alínea d) do CC.
M - Também, no elenco dos factos dados como provados, e, mormente porque não foi produzida prova testemunhal, a decisão conheceu questões que não deveria apreciar, e porque usou factos, baseados em documentos juntos à oposição, que uma vez impugnados, só poderiam ser apreciados e ser considerados provados ou não, após a produção de prova testemunhal ou documental melhor.
N - É o caso dos factos 5, 7, 17, 18 e 21.
O - Foi, erradamente, dado como não provado, o facto da requerente exercer a actividade de travessia, naquele local, sem conflitos.
P - O Tribunal "a quo" errou na fundamentação e entrou em contradição com a própria decisão, violando o artigo 615°, nº 1, alínea c), do CPC, não valorando a postura de má-fé tida pela requerida.
Q - A providência cautelar não foi aceite porque o tribunal "a quo" entendeu não se verificar o primeiro dos requisitos do artigo 120° do CPTA- o periculum in mora.
R - A própria fundamentação admite que da execução dos actos em causa decorram prejuízos para a requerente.
S - Não bastará o encerramento da actividade da requerente, que tem a seu cargo funcionários e embarcações caras e de dispendiosa manutenção para que se verifiquem prejuízos efectivos e irreparáveis?!
T - Bastando num procedimento cautelar a existência de indícios, porque não é acção principal, não se entende nem aceita a decisão do tribunal "a quo".
U - A questão do CUV está em discussão, tendo dado origem ao processo n° 2627/18.5BEPRT, 2ª UO do TAF do Porto.
V - O requisito do periculum in mora verifica-se.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida
Com o que se fará
JUSTIÇA
A Requerida contra-alegou, concluindo:
A. A sentença recorrida, que julgou improcedentes ambas as providên-cias requeridas pela ora Recorrente, não é passível de qualquer censura, pelo que o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente.
B. Em primeiro lugar, porque o Tribunal não conheceu qualquer questão da qual não poderia ter tomado conhecimento.
C. Em segundo lugar, porque não ficou por conhecer qualquer questão que o Tribunal tivesse de ter apreciado.
D. Na verdade, o Tribunal apreciou todas as questões que tinha de apreciar para poder decidir a questão que era objecto dos presentes autos: que res¬peitava à adopção, ou não, de uma providência cautelar.
E. A questão referida pela Recorrente reporta-se à eventual legalidade de uma "comunicação" que não só não reveste a natureza de um acto administra¬tivo, como nunca foi impugnada pela Requerente, pelo que nem na acção principal aquele "acto" poderá ser apreciado.
F. Em terceiro lugar, também não existe qualquer contradição entre os funda¬mentos e a decisão adoptada.
G. Com efeito, e como bem evidenciou a sentença recorrida, a providên-cia foi rejeitada porque não se encontrava preenchido o requisito do periculum in mora.
H. Como ali bem se julgou: i) alguns dos prejuízos invocados não se reportam a prejuízos da Requerente, pelo que são inatendíveis; ii) e não foram (se¬quer) alegados factos concretos que permitissem perspectivar a existência de prejuízos de difícil reparação.
I. Ou seja, atentos os referidos fundamentos, nunca a decisão poderia ter sido diversa, pelo que é evidente a inexistência de contradição entre os funda¬mentos e a decisão.
J. Por fim, e em último lugar, a decisão de que não há lugar à inquirição de testemunhas também não constitui uma nulidade processual.
K. Com efeito, é ao juiz que compete aferir da necessidade de produção de prova, sendo que como ficou bem evidente na sentença recorrida, a mesma seria, neste caso, manifestamente inútil, pois nem sequer foram alegados factos que permitissem vir a considerar preenchido o requisito do periculum in mora.
SEM PREJUÍZO,
L. Ainda que se viesse a considerar que a sentença recorrida enfermava de alguma nulidade - o que aqui se admite por mero dever de patrocínio¬, o certo é que nunca as providências requeridas poderiam ser decretadas, dado que não se verifica nenhum dos três requisitos de que depende a con¬cessão das mesmas (cfr. artigos 120.°, n.°s 1 e 2, do CPTA).
M. Assim, como já se evidenciou na oposição apresentada nestes autos, a ac¬ção principal interposta nunca poderá vir a ser julgada procedente, pelo que não se encontra preenchido o requisito do fumus bonus iuris.
N. Depois, porque como lapidarmente demonstrou a sentença recorrida, nunca se poderia considerar preenchido o requisito do periculum in mora, já que a ora Recorrente nem sequer alegou factos concretos que permitis¬sem emitir esse juízo.
O. E, por fim, porque ainda que assim não fosse, o certo é que a ponderação de todos os interesses envolvidos implicaria sempre a recusa das providên¬cias requeridas.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO
DEVERÁ SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO -
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. A Requerente é uma sociedade comercial, que tem por objeto o transporte de passageiros por via fluvial e exploração de infraestruturas nos locais de embarque e desembarque;
2. A Requerente foi constituída em 03.06.2013;
3. A Requerente é titular do Título de Utilização dos Recursos Hídricos n.º 2014GD100007, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[…]
Cláusula 1.ª
Âmbito e Objecto da Licença
A presente licença confere ao seu titular o direito de uso privativo de uma parcela do Domínio Público Hídrico com uma área de 25 m2 para instalação de um quiosque/bar para apoio à actividade de Tráfego Local de Passageiros que se efetua entre o Posto de Acostagem de Serviço Público do Cais do Ouro (margem direita do rio Douro) e o Posto de Acostagem de Serviço Público do Cais da Afurada (margem esquerda do rio Douro).
Cláusula 2.ª Prazo de Vigência da Licença
1. A licença e concedida pelo prazo de um ano, com início de vigência no dia 01 de Março de 2014 e termo no dia 28 de Fevereiro de 2015.
2. A licença é automaticamente prorrogada por Idênticos períodos, salvo se a A.., SA ou o titular dispuseram em sentido contrário por carta registada com aviso de recepção, a ser expedida com a antecedência mínima de dois (2) meses a contar do fim de cada período.
[…]”;
4. Em nome da Requerente foi emitido o certificado de Utilização da Via n.º 00233/2017, referente à embarcação „Flor do Douro e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[…] O Presente Certificado é válido, salvo qualquer alteração, até 28 de Fevereiro de 2018 e deve ser renovado antes dessa data” ;
5. No ano de 2017, foram apresentadas várias queixas e denúncias, por diversos operadores marítimo-turísticos, bem como por utilizadores, relativas à conduta adotada pela Requerente e pelos seus representantes – cfr. documentos 6, 7 e 8, juntos com a oposição, que se dão por integralmente reproduzidos;
6. Pelo ofício n.º 1271/2017, de 31.07.2017, a Requerida comunicou à Requerente o teor de “várias informações e reclamações de operadores marítimo-turísticos que apontam no sentido de terem estes sido impedidos […] de praticarem os Postos de Acostagem Públicos propriedade da A.., SA, instalados no Cais da Afurada (V. N. Gaia) e Cais do...

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