Acórdão nº 00804/11.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03-11-2017
Data de Julgamento | 03 Novembro 2017 |
Número Acordão | 00804/11.9BECBR |
Ano | 2017 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
MMSPL, residente na Rua…, Coimbra, instaurou acção administrativa especial contra os Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE, actualmente Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, pedindo que o acto impugnado seja nulo ou anulado e ainda que:
a) Seja absolvida dos factos que lhe forma assacados e da pena que lhe foi aplicada;
b) Seja a ré condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 34 468, 75, acrescido de todos os danos já aqui deduzidos mas que só podem ser liquidados em sede de execução de sentença;
c) Seja reconstituída a sua situação jurídico-funcional, a qual inclui a sua reintegração no órgão ou serviço onde exercia funções à data da pena aplicada.
Por acórdão proferido pelo TAF de Coimbra foi anulado o acto impugnado e julgados improcedentes os restantes pedidos.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:
1. Considera a sentença do Tribunal “a quo” que o Recorrente não podia fundamentar a sua condenação nas declarações da Autora prestadas em sede de inquérito, conforme o fez, por força do art. 357º do C.P.P.. Ora, com o devido respeito, que é muito, não se concorda com a decisão tomada.
2. As provas foram ordenadas por suspeita de um crime e na sequência da investigação do mesmo. Das mesmas resultou a confirmação do crime pela arguida. A Autora havia confessado os factos de que vinha acusada, de forma livre e espontânea, nos interrogatórios de arguido, prestados na Policia Judiciária e no Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra.
3. No dia 27 de Setembro de 2010, no “Auto de Interrogatório de Arguido”, realizado na Policia Judiciária, a Autora “Admite ter subtraído Cloridrato de Cocaína do Cofre dos Serviços Farmacêuticos dos HUC desde 2009 até Setembro deste ano…Nunca comprou Cocaína, esclarecendo que o produto para consumo foi sempre retirado dos Serviços Farmacêuticos…Como procedimentos refere que limitava-se a abrir o cofre, abrir o frasco e vertê-lo para o interior de um saco/envelope de papel ou plástico…Esclarece que retirou várias porções ao longo do tempo e de ter retirado até não haver mais…Após reposição do stock voltou a retirar em pequenas fracções cloridrato de cocaína até que restou pouca quantidade.” Confessou ainda a Autora ter subtraído indevidamente medicamentos dos Serviços Farmacêuticos, nomeadamente Alprazolam, Tiocolquicosido e Citirizina. De igual modo, no Auto de Interrogatório de Arguido a que a ali arguida foi sujeita no dia 14.10.2010 no Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, declarou de livre e espontânea vontade que retirou cocaína do cofre dos Serviços Farmacêuticos, esclarecendo os procedimentos e as causas no seu geral como já havia feito no interrogatório levado a cabo na Policia Judiciária.
4. Foi a própria Autora que, nas suas declarações admitiu o furto de substâncias opiáceas do cofre dos Serviços Farmacêuticos dos HUC, o que confessou ter feito ao longo do tempo.
5. Ora, se os factos constitutivos do crime traduzirem simultaneamente a prática de um ilícito disciplinar, nada impede que as provas constantes do processo-crime sejam utilizadas como prova em sede disciplinar.
6. Nessa hipótese o meio de prova foi obtido validamente e em respeito pela Constituição, não havendo qualquer impedimento do foro constitucional que obste à sua utilização como meio probatório em sede disciplinar, uma vez que a limitação da sua utilização imposta pelo art. 357º do C.P.P. apenas se verifica em sede de processo penal.
7. A confissão efectuada pela Autora foi colhida legalmente e feita de livre e espontânea vontade pelo que não pode ser ignorada. Acresce que, apesar de não poder ser valorada em sede de Audiência e Julgamento por ter sido efectuada no processo de inquérito, legalmente nada obsta a que a confissão integre o Processo Disciplinar.
8. Não vemos como se possa defender que as provas admitidas em processo criminal não possam ser utilizadas em processo disciplinar. Nada na lei obsta a tal solução. Aliás, dos artigos 36º e 46º do E.D. retira-se precisamente o contrário pelo que não tem aplicação o art. 357º do C.P.P..
9. Mas mesmo que tal não fosse possível, as imputações que são feitas à Autora na acusação não tiveram por base de sustentação apenas as declarações prestadas pela Autora em sede de Inquérito.
10. A convicção da instrutora não se formou só e apenas da análise da certidão remetida pelo DIAP de Coimbra. Ao invés formou-se da análise conjunta e global desses elementos com os demais produzidos em sede de processo disciplinar, nomeadamente, do depoimento das testemunhas JALF e LL que, inquiridas ambos confirmaram a subtracção indevida do cloridrato de cocaína do cofre do hospital bem como ambos confirmaram ter identificado a Recorrida como sendo a autora de tais factos, pelo que independentemente da utilização da confissão da Autora, sempre se teria produzido prova suficiente do ilícito disciplinar.
11. A testemunha MAEM, conforme auto de declarações elaborado no processo disciplinar, declarou ter constatado o furto do cloridrato de cocaína (quando deveria haver cerca de 500 gramas no cofre). Acrescenta ainda ter participado no processo de confirmação das fichas das entradas e saídas do fármaco tendo concluído que alguém havia retirado essa quantidade de produto sem autorização.
12. MLCL declarou ter conhecimento de terem sido furtados cerca de 500 a 600 gramas de cloridrato de cocaína do cofre dos Serviços Farmacêuticos. Acrescentou ter participado no processo de confirmação das fichas das entradas e saídas do fármaco tendo concluído que a cocaína que deveria estar na caixa (cerca de 500 gramas) havia desaparecido. Também esta testemunha, quando convocada para se apresentar nas instalações da Policia Judiciária identificou a Autora como sendo a autora dos furtos.
13. JALF também declarou, na qualidade de testemunha na processo disciplinar e conforme auto de declarações junto aos autos que, quando chamado às instalações da Policia Judiciária para visionar as imagens que haviam sido captadas pelas câmaras existentes na sala do cofre identificou a Recorrida como sendo a autora dos furtos. Acresce que esta testemunha refere ainda que acompanhou as buscas efectuadas aos cacifos da arguida pela Policia Judiciária, tendo assistido às mesmas, sendo que estava presente quando as entidades policiais verificaram que no cacifo da arguida sito no Hospital Central havia comprimidos de morfina de uso hospitalar.
14. Da análise da prova testemunhal produzida em sede de Processo de Inquérito, sempre se concluiria que a aqui recorrida foi a autora dos furtos de cloridrato de cocaína ocorridos no cofre dos Serviços Farmacêuticos do Recorrente. Pelo que, mesmo que não se admitisse a inclusão das declarações da Autora prestadas em sede de inquérito, sempre se daria como provado que a Autora tinha sido a Autora dos furtos. Assim, independentemente da utilização da confissão da Autora, sempre se teria produzido prova suficiente do ilícito disciplinar.
15. Por sua vez, esteve também mal a douta sentença quando entendeu que a instrutora do processo disciplinar, a não serem consideradas as declarações da Autora prestada em sede de Processo Crime, não poderia ter dado como provado que a Autora havia furtado cerca de 500 gramas de cloridrato de cocaína, bem como outros medicamentos de natureza opiácea, pelo que a decisão da aplicação de pena de demissão à Autora, por parte do Conselho de Administração, se baseou em pressupostos errados.
16. Conforme já se referiu supra, esteve mal o Tribunal “a quo” quando decidiu que as declarações da Autora prestadas em sede Inquérito não poderiam ter sido utilizadas no Processo Disciplinar. Nas mesmas, a Autora confessa ter furtado todo o conteúdo existente na caixa de cloridrato de cocaína, até à mesma se encontrar vazia. Todas as testemunhas inquiridas no processo disciplinar, funcionários dos Serviços Farmacêuticos, confirmaram que quando se constatou que a caixa do cofre se encontrava vazia, a mesma deveria conter cerca de 500 gramas de cloridrato de cocaína. O conhecimento que têm da quantidade de produto furtado adveio da conferência das fichas de entrada e de saída do produto, tendo as testemunhas MLCL e MAEM participado no processo de confirmação dessas fichas.
17. A instrutora do Processo Disciplinar conclui pelo furto de cerca de 500 gramas de cloridrato de cocaína após valorar toda a prova produzida, sendo que ao processo disciplinar se aplicam as regras do processo penal no que se refere à apreciação da prova, entre as quais se destaca o princípio da livre apreciação da prova. (Veja-se neste sentido Acórdão do TAF de Coimbra de 29.01.2008, www.dgsi.pt, proc. N.º 452/99). Sendo que, as limitações legais que se impõem ao processo crime e ao processo disciplinar não se equivalem, sendo todos os elementos recolhidos no processo disciplinar legalmente admissíveis, pelo que as conclusões de um processo e do outro não têm se ser obrigatoriamente idênticas.
18. Nunca poderia a instrutora concluir, conforme sugerido na douta sentença, que “…a Autora se apropriou de determinada quantia de cloridrato de cocaína, e de determinados comprimidos, em quantidade que não se conseguiu apurar.” Durante todo o processo a Autora foi invocando que as acusações que lhe foram feitas no Processo Disciplinar foram vagas e genéricas, o que sempre foi sendo refutado. Mas, a se ter optado pela expressão sugerida na sentença, aí sim, a acusação seria vaga e genérica, por total ausência de concretização.
19. Contudo, independentemente da expressão utilizada, incorre em erro de julgamento a douta sentença quando considera que a decisão do Conselho de Administração se baseou em pressupostos errados (de que a Autora teria furtado cerca de 500 gramas de...
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