Acórdão nº 00791/19.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 07-12-2022

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão00791/19.5BECBR
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
AA, melhor identificado nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA por este intentados contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanado nos autos, na parte que julgou improcedente a presente ação, e, em consequência, absolveu o Réu, aqui Recorrido, do pedido.
Em alegações, o Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
B1. O aqui apelante entende que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de facto, quer por falta de pronúncia quanto a factos alegados e essenciais à justa composição do litígio e a sua adequação ao caso quer, sem prescindir, por incorreta interpretação da lei e indevida aplicação dela aos factos provados. Se não, vejamos:
B2. Como se começou por enunciar, o Tribunal a quo não teve em consideração matéria alegada pelo A. susceptível de lograr juízo diferente acerca da sua pretensão. Na verdade, para além do que consta dos factos provados, o A. alegou, no mais, que: ... era uma zona fronteiriça com o antigo Zaire, onde se encontrava formada a base tática e era categorizada como “zona operacional 100%”; Isto é, zona onde efectivamente decorriam batalhas entre as tropas portuguesas, de onde se inclui o A. e o seu grupo, e o inimigo, com recurso a todo o tipo de armas, seja de fogo, brancas ou corpo a corpo; O reabastecimento era efetuado através de camiões e a pé, sendo que os militares do grupo do A., incluindo o próprio, iam fortemente armados com todo o tipo de armas de fogo; Todo o trajeto era extremamente perigoso dado que todo o trajeto era constituído por locais onde se encontrava o inimigo acampado e / ou a combater, com qualquer tipo de armas, seja de fogo, brancas, ou corpo a corpo, os militares portugueses; O reabastecimento durava um dia; O reabastecimento tinha lugar no teatro de operações onde se verificavam, à data, operações de guerra e de guerrilha; Sendo que o confronto com o inimigo era premente e iminente; O inimigo fortemente armado encontrava-se quer no trajeto que o A. ia percorrer quer mesmo em ..., o que permitia admitir um ataque ao grupo a qualquer momento; Os ataques inimigos ocorriam através de emboscadas e com recurso a qualquer tipo de armas, sejam de fogo, armas brancas ou corpo a corpo; Por ordens superiores, o A. e o seu grupo pernoitaram nesta localidade de ..., onde se encontrava a decorrer o abastecimento; Após o jantar e por ordens superiores, ainda no quadro do reabastecimento, o A. efetuou, com elementos da Unidade um desafio de futebol, nas instalações desta; Na verdade, enquanto alguns membros do grupo participavam em operações de vigia e batalha ao inimigo; O A. e outros membros do grupo, enquanto não iam substituir aqueles, e por ordens superiores, efetuaram o referido desafio de futebol; [De salientar que] esta prática desportiva visava ajudar os elementos que compunham este grupo a descontrair do stress causado pela perigosidade do local onde se encontravam, sempre na iminência de ser atacado pelo inimigo e, ainda, da perigosidade do trajeto que teria que ser efetuado novamente no dia seguinte, sempre na iminência de ser atacado pelo inimigo; Mesmo durante o evento, quer o A. quer o seu grupo se encontravam em alerta máximo, dado decorrerem operações vigia e batalha ao inimigo; [Sucede, porém, que] no decorrer do referido desafio e para não embater com o pé na cabeça do guarda-redes, o A. saltou por cima daquele; O qual, por sua vez, na rotação, ao levantar um braço lhe dificultou a passagem contribuindo para que sofresse uma queda aparatosa.; Desta queda resultaram lesões para o A., nomeadamente luxação no cotovelo direito.
B3. Em sede de contestação, o R. / recorrido impugnou a referida factualidade e, por conseguinte a mesma consubstancia matéria controvertida a qual, uma vez provada, permitiria consagrar decisão de procedência da ação, atento o disposto nos arts. 1° e 2° do DL 43/76, de 20.01. Com efeito:
B4. A matéria alegada pelo A. (transcrita ut supra) e que não foi alvo de pronúncia por banda do Tribunal a quo revela a natureza excecionalmente perigosa da atividade de reabastecimento para a qual o A. foi escalado.
B5. Ora, considerando que o acidente relevante, para efeitos de qualificação de DFA, é aquele que tem lugar no decurso de uma atividade directamente relacionada com a atividade operacional que, pelas suas características, implique perigo, a factualidade supra, por encaixar em tais pressupostos, é fundamental para a boa decisão da causa, designadamente para efeitos de integrar, ou não, o A. como DFA. Isto posto:
B6. Considerando o disposto nos arts. 410°, 574°-2 e 595°-1, b), todos do CPC, pode concluir-se que só deverá haver lugar ao designado “saneador-sentença” se estiverem estabilizados os factos alegados pelas partes, considerando as várias soluções plausíveis de direito, não havendo qualquer necessidade de realização da instrução probatória.
B7. No caso vertente, erradamente, o Tribunal a quo entendeu que o processo continha já todos os elementos indispensáveis ao conhecimento do mérito do pedido e conheceu logo dele, julgando improcedentes as pretensões, principal e subsidiária, deduzidas pelo A.
B8. Ora, considerando o quadro aplicável à qualificação de DFA, a discussão / prova da factualidade invocada pelo A. e supra transcrita, a qual traduz a natureza excecionalmente perigosa à referida atividade de reabastecimento a que o A. foi escalado, é fundamental para a boa decisão da causa, designadamente para efeitos de integrar, ou não, o A. como DFA ou, por outras palavras, encontram-se controvertidos factos que se mostram carecidos de prova e, assim, ao contrário do gizado na decisão recorrida, não é possível afirmar que, fosse qual fosse a sua prova, os mesmos conduziriam inelutavelmente à improcedência da ação, pelo que a decisão tomada o foi prematuramente.
B9. Ao proceder do referido jeito, impedindo ao A. de fazer prova, cujo ónus se lhe impunha, da materialidade por si invocada e supra transcrita, o Tribunal a quo violou o disposto no 342° do CC e o princípio da igualdade de armas plasmado no art. 4° do CPC. Violou, outrossim, os citados arts. 410°, 574°-2 e 595°-1, b), todos do CPC e arts. 1° e 2° do DL 43/76, 20.01.
B10. Nesta confluência, deve o despacho saneador-sentença recorrido ser revogado e substituído por despacho de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova, nos termos do artigo 596°-1, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo. Sem prescindir,
B11. Face ao teor dos comandos legais transcritos e dos factos acima expendidos e dados como provados, resulta clarividente que o A. reúne todos os requisitos para ser qualificado com DFA e, nessa medida, o acto administrativo que lhe negou a pretensão de qualificação como DFA está inquinado de erro nos pressupostos de facto.
B12. O A., no cumprimento do serviço militar sofreu um sinistro que o incapacitou permanentemente em grau superior a 32% (facto 18)).
B13. As lesões, no seu conjunto, são compatíveis com o acidente supra descrito (facto 18)).
B14. Existe a relação causal entre as sequelas diagnosticadas e o cumprimento do serviço militar (factos 4), 7), 8), 18), 21))
B15. O acidente sofrido pelo A. recorrente resultou de atividades directamente relacionadas com a atividade operacional que, pelas suas características envolviam perigo e contacto possível com o inimigo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 2° do DL 43/76, de 20.01. (factos provados 2), 6))
B16. Nesta confluência, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1° e 2° do DL 43/76, de 20.01 pelo que deve ser revogada e substituída por outra que, considerando que o acto administrativo de não qualificação do A. como deficiente das Forças Armadas é ofensivo de um direito fundamental do aqui A. e, nessa medida, é nulo por força do disposto no art. 161°-2, d) do CPA, revogue tal acto e qualifique o A. como DFA (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Ministério da Defesa Nacional produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
A. O Autor, ora recorrente, intentou ação administrativa para impugnação de ato administrativo de não qualificação do como deficiente das Forças Armadas (despacho de 23.09.2019 proferido pelo Diretor-Geral da Direção Geral de Recursos da Defesa Nacional, ao abrigo da competência que lhe foi delegada pela Sra. SEDN, através do despacho n°...19, ..., publicado no DR II Série, n° 20, de 29.01.2019).
B. Pediu a final que fosse declarada a nulidade da decisão de não qualificação do Autor como Deficiente Das Forças Armadas (DFA), com as legais consequências; ou, sem prescindir, subsidiariamente, e para o caso de assim não fosse entendido, anular-se tal decisão, com efeitos retroativos e, em consequência seja condenado o R Ministério da Defesa Nacional a deferir a pretensão do A. quanto a considerá-lo como DFA desde o ano 1974, com as legais consequências.
C. Acontece, porém, não existirem razões para qualquer dos pedidos condenatórios ser acolhido pelo Tribunal. E, de facto, bem decidiu o doutro tribunal ao julgar-se ação aa improcedente e, em consequência, absolver-se o R. Ministério da Defesa Nacional dos pedidos.
D. Desde já se reitera tudo o expendido em sede de contestação. E, no mesmo sentido se corrobora o decidido pela douta sentença, ora recorrida.
E. Perante a pretensão do ora recorrente, foi analisada a viabilidade da pretensão, concluindo-se que apesar de verificado o nexo de causalidade entre as sequelas físicas e psíquicas de que padece e as circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha, bem como o requisito de desvalorização...

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