Acórdão nº 00783/10.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 23-05-2024
Data de Julgamento | 23 Maio 2024 |
Número Acordão | 00783/10.0BEPNF |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], S.A. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 13.02.2014, que julgou a ação improcedente por si deduzida, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida pela recorrente.
II. A recorrente deduziu a presente impugnação contra uma liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios que lhe foi feita por referência ao ano de 2004, que culminou com um montante a pagar de € 58.808,16 — de imposto, juros compensatórios e estorno da liquidação anteriormente feita, bem como contra o indeferimento da reclamação graciosa oportunamente deduzida.
III. A correcção feita, de € 320.064,10 respeita a custos contabilizados pela recorrente, mas que a inspecção tributária não considerou na formação do lucro tributável por entender que não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios previsto no n9 1 do artigo 189 do Código do IRC.
IV. A presente impugnação foi deduzida com o fundamento de que o valor em causa é um custo com projeção económica plurianual, decorrente de um contrato de cessão de exploração que a recorrente celebrou com uma outra empresa, na sequência de reestruturação imposta por uma legislação comunitária relativa ao sector automóvel, que levaria a que a recorrente perdesse a concessão da actividade de comércio e manutenção de automóveis daquela marca.
V. Assim, e com o intuito de não perder a concessão, e salvar os postos de trabalho que mantinha, a recorrente celebrou um contrato de cessão de exploração daquela sua atividade a uma empresa de maior dimensão, tendo transferido os contratos de trabalho para essa nova empresa, bem como os seus stocks, e contabilizado um "desconto" que foi qualificado nos termos do contrato como a contrapartida da "poupança" que iria colher "do facto de não ter que suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações a pessoal".
VI. A recorrente registou, em "custos diferidos", a importância do referido "desconto", que seria repartida pelos exercícios futuros durante a vigência do contrato de cessão de exploração.
VII. A sentença proferida padece de manifesto erro de julgamento — por um lado, avalia de forma incorrecta os meios de produzidos; por outro lado, as regras específicas do ónus da prova conduziriam a resultado totalmente diverso daquele a que chega.
VIII. O erro de julgamento decorre, numa primeira vertente, da errada valoração da matéria de facto constante da sentença recorrida.
IX. Desde logo, a recorrente não pode concordar com os pontos C, S e T da matéria de facto dada como provada, e com os pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto considerada não provada.
X. Na verdade, no que respeita em concreto ao ponto C da matéria de facto dada como provada, foi considerado demonstrado que a actividade da recorrente, depois de 2003, passou a corresponder unicamente à exploração do posto de abastecimento de combustíveis, constando dos pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados que não ficou demonstrado que a recorrente continuasse a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração, ou que a recorrente continuasse a exercer a atividade de manutenção e reparação de veículos automóveis.
XI. Ora, resulta dos documentos juntos aos autos (mais concretamente de fls. 83 a 86) — o que foi reconhecido no ponto KK) da matéria de facto dada como provada, que a recorrente continuou a registar diversos elevados valores decorrentes do contrato de cessão de exploração, mais concretamente as rendas que recebia.
XII. E o contrato de cessão de exploração refere expressamente que é transferida é a de comércio e manutenção de veículos automóveis (refere-se que os estabelecimentos comerciais transferidos "estão exclusivamente afetos à venda de veículos da marca ...") — vd. alínea JJ) da matéria de facto dada como provada.
XIII. Tais factos foram expressamente confirmados pelas testemunhas que prestaram depoimento, estando todos os depoimentos transcritos.
XIV. E no ponto KK deu-se como demonstrado — e bem — que a recorrente registou na conta 72 — prestações de serviços — nos anos de 2004 a 2007 diversos valores resultantes do contrato de cessão de exploração, constando da alínea K) que o contrato de cessão de exploração "consubstanciou-se na transferência da actividade de comércio e reparação automóvel".
XV. Assim, deverá considerar-se como provado que a recorrente continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, embora de forma indirecta.
XVI. Quanto aos pontos S e T da matéria de facto dada como provada, a sentença limita-se a transcrever ipsis verbis o que consta do relatório de inspecção, sendo certo que as afirmações ali produzidas são conclusivas, e de direito, devendo ser eliminadas.
XVII. Finalmente, (no ponto 1 da matéria de facto dada como não provada), considerou-se não demonstrado que a "compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente tem uma natureza plurianual pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante a vigência do contrato."
XVIII. Ora, tal conclusão vai igualmente contra o depoimento testemunhal prestado, bem como a prova documental junta aos autos, sendo certo que este ponto considerado não provado está em contradição com o que ficou demonstrado sob a alínea II — ou seja, que no contrato de cessão de exploração ficou clausulado que o valor de € 1.612.881,89 "considera-se satisfeito com a celebração do contrato, tendo por contrapartida a poupança que a impugnante colhe com o facto de não ter de suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente de indemnizações ao pessoal".
XIX. Ora, se é assim e se foi essencial à actividade da recorrente e à sua subsistência a celebração do contrato de cessão de exploração, que a mesma continuou a registar proveitos por conta do mesmo, por igualdade de razão deverá considerar-se como provado que a compensação dos direitos dos trabalhadores tem uma natureza plurianual, tendo sido necessário suportá-la para garantir proveitos.
XX. Por outro lado, deverão considerar-se provados os factos alegados pela recorrente que se prendem com a génese da operação em causa nos presentes autos, com a inevitabilidade da opção com que a impugnante se confrontou, com o facto de que a recorrente teria que suportar as elevadas indemnizações por despedimento em caso de encerramento, e com o facto de a recorrente ter despoletado uma série de estudos e consultas com o objectivo de definir a melhor estratégia empresarial para fazer face à situação com que foi confrontada.
XXI. As regras do ónus da prova conduzem a que se considerem demonstrados os factos constantes da petição inicial, atendendo a que não estamos perante um caso de avaliação indirecta, todos os factos têm suporte na contabilidade e nenhuma prova foi produzida pela Fazenda Nacional.
XXII. A compensação dos direitos dos trabalhadores tem inequivocamente uma natureza plurianual, pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante e vigência do contrato.
XXIII. Este montante já não teria natureza plurianual, se a recorrente o tivesse suportado com o efectivo despedimentos dos seus trabalhadores e encerramento da actividade — mas não, suportou tal custo transferindo as suas responsabilidades por despedimentos e garantiu a manutenção dos proveitos nos exercícios seguintes, materializados na renda de exploração a pagar pela cessionária durante a vigência do contrato, agindo no âmbito do princípio da autonomia privada.
XXIV. De facto, a recorrente continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, agora auferidos indirectamente a título de rendas de cessão de exploração, ao contrário do que consta da sentença recorrida.
XXV. Com efeito, se da matéria de facto dada como provada resulta que a recorrente transferiu, através daquele contrato, toda a actividade ligada à manutenção e reparação de veículos automóveis para a cessionária, e continuou a registar os proveitos resultantes de tal cessão de exploração, é manifesto que a realidade dos factos, a substância dos factos, se traduz na continuação do exercício daquela actividade, por via indirecta, sendo necessariamente a tal que conduz o princípio do favor negotii.
XXVI. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real — nº 2 do artº 104º da Constituição da República Portuguesa, sendo que este princípio de tributação pelo lucro real resulta "do princípio genérico da capacidade contributiva" — nº 1 do art. 4º da Lei Geral Tributária.
XXVII. O nº 1 do artigo 18º do Código do IRC, prescreve que "Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios".
XXVIII. Aquele princípio, juntamente com o princípio da prudência, visa pois o balanceamento entre os proveitos e os custos que deve ocorrer em cada período económico.
XXIX. O legislador dá-nos exemplos de custos, que embora suportados num exercício devem ser repartidos por mais que um já que o seu efeito económico está estritamente ligado à obtenção dos proveitos futuros, como é o caso do nº 4 do artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 2/90 (Regime das amortizações).
XXX. A compensação dos direitos dos trabalhadores, aqui...
1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], S.A. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 13.02.2014, que julgou a ação improcedente por si deduzida, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida pela recorrente.
II. A recorrente deduziu a presente impugnação contra uma liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios que lhe foi feita por referência ao ano de 2004, que culminou com um montante a pagar de € 58.808,16 — de imposto, juros compensatórios e estorno da liquidação anteriormente feita, bem como contra o indeferimento da reclamação graciosa oportunamente deduzida.
III. A correcção feita, de € 320.064,10 respeita a custos contabilizados pela recorrente, mas que a inspecção tributária não considerou na formação do lucro tributável por entender que não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios previsto no n9 1 do artigo 189 do Código do IRC.
IV. A presente impugnação foi deduzida com o fundamento de que o valor em causa é um custo com projeção económica plurianual, decorrente de um contrato de cessão de exploração que a recorrente celebrou com uma outra empresa, na sequência de reestruturação imposta por uma legislação comunitária relativa ao sector automóvel, que levaria a que a recorrente perdesse a concessão da actividade de comércio e manutenção de automóveis daquela marca.
V. Assim, e com o intuito de não perder a concessão, e salvar os postos de trabalho que mantinha, a recorrente celebrou um contrato de cessão de exploração daquela sua atividade a uma empresa de maior dimensão, tendo transferido os contratos de trabalho para essa nova empresa, bem como os seus stocks, e contabilizado um "desconto" que foi qualificado nos termos do contrato como a contrapartida da "poupança" que iria colher "do facto de não ter que suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações a pessoal".
VI. A recorrente registou, em "custos diferidos", a importância do referido "desconto", que seria repartida pelos exercícios futuros durante a vigência do contrato de cessão de exploração.
VII. A sentença proferida padece de manifesto erro de julgamento — por um lado, avalia de forma incorrecta os meios de produzidos; por outro lado, as regras específicas do ónus da prova conduziriam a resultado totalmente diverso daquele a que chega.
VIII. O erro de julgamento decorre, numa primeira vertente, da errada valoração da matéria de facto constante da sentença recorrida.
IX. Desde logo, a recorrente não pode concordar com os pontos C, S e T da matéria de facto dada como provada, e com os pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto considerada não provada.
X. Na verdade, no que respeita em concreto ao ponto C da matéria de facto dada como provada, foi considerado demonstrado que a actividade da recorrente, depois de 2003, passou a corresponder unicamente à exploração do posto de abastecimento de combustíveis, constando dos pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados que não ficou demonstrado que a recorrente continuasse a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração, ou que a recorrente continuasse a exercer a atividade de manutenção e reparação de veículos automóveis.
XI. Ora, resulta dos documentos juntos aos autos (mais concretamente de fls. 83 a 86) — o que foi reconhecido no ponto KK) da matéria de facto dada como provada, que a recorrente continuou a registar diversos elevados valores decorrentes do contrato de cessão de exploração, mais concretamente as rendas que recebia.
XII. E o contrato de cessão de exploração refere expressamente que é transferida é a de comércio e manutenção de veículos automóveis (refere-se que os estabelecimentos comerciais transferidos "estão exclusivamente afetos à venda de veículos da marca ...") — vd. alínea JJ) da matéria de facto dada como provada.
XIII. Tais factos foram expressamente confirmados pelas testemunhas que prestaram depoimento, estando todos os depoimentos transcritos.
XIV. E no ponto KK deu-se como demonstrado — e bem — que a recorrente registou na conta 72 — prestações de serviços — nos anos de 2004 a 2007 diversos valores resultantes do contrato de cessão de exploração, constando da alínea K) que o contrato de cessão de exploração "consubstanciou-se na transferência da actividade de comércio e reparação automóvel".
XV. Assim, deverá considerar-se como provado que a recorrente continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, embora de forma indirecta.
XVI. Quanto aos pontos S e T da matéria de facto dada como provada, a sentença limita-se a transcrever ipsis verbis o que consta do relatório de inspecção, sendo certo que as afirmações ali produzidas são conclusivas, e de direito, devendo ser eliminadas.
XVII. Finalmente, (no ponto 1 da matéria de facto dada como não provada), considerou-se não demonstrado que a "compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente tem uma natureza plurianual pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante a vigência do contrato."
XVIII. Ora, tal conclusão vai igualmente contra o depoimento testemunhal prestado, bem como a prova documental junta aos autos, sendo certo que este ponto considerado não provado está em contradição com o que ficou demonstrado sob a alínea II — ou seja, que no contrato de cessão de exploração ficou clausulado que o valor de € 1.612.881,89 "considera-se satisfeito com a celebração do contrato, tendo por contrapartida a poupança que a impugnante colhe com o facto de não ter de suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente de indemnizações ao pessoal".
XIX. Ora, se é assim e se foi essencial à actividade da recorrente e à sua subsistência a celebração do contrato de cessão de exploração, que a mesma continuou a registar proveitos por conta do mesmo, por igualdade de razão deverá considerar-se como provado que a compensação dos direitos dos trabalhadores tem uma natureza plurianual, tendo sido necessário suportá-la para garantir proveitos.
XX. Por outro lado, deverão considerar-se provados os factos alegados pela recorrente que se prendem com a génese da operação em causa nos presentes autos, com a inevitabilidade da opção com que a impugnante se confrontou, com o facto de que a recorrente teria que suportar as elevadas indemnizações por despedimento em caso de encerramento, e com o facto de a recorrente ter despoletado uma série de estudos e consultas com o objectivo de definir a melhor estratégia empresarial para fazer face à situação com que foi confrontada.
XXI. As regras do ónus da prova conduzem a que se considerem demonstrados os factos constantes da petição inicial, atendendo a que não estamos perante um caso de avaliação indirecta, todos os factos têm suporte na contabilidade e nenhuma prova foi produzida pela Fazenda Nacional.
XXII. A compensação dos direitos dos trabalhadores tem inequivocamente uma natureza plurianual, pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante e vigência do contrato.
XXIII. Este montante já não teria natureza plurianual, se a recorrente o tivesse suportado com o efectivo despedimentos dos seus trabalhadores e encerramento da actividade — mas não, suportou tal custo transferindo as suas responsabilidades por despedimentos e garantiu a manutenção dos proveitos nos exercícios seguintes, materializados na renda de exploração a pagar pela cessionária durante a vigência do contrato, agindo no âmbito do princípio da autonomia privada.
XXIV. De facto, a recorrente continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, agora auferidos indirectamente a título de rendas de cessão de exploração, ao contrário do que consta da sentença recorrida.
XXV. Com efeito, se da matéria de facto dada como provada resulta que a recorrente transferiu, através daquele contrato, toda a actividade ligada à manutenção e reparação de veículos automóveis para a cessionária, e continuou a registar os proveitos resultantes de tal cessão de exploração, é manifesto que a realidade dos factos, a substância dos factos, se traduz na continuação do exercício daquela actividade, por via indirecta, sendo necessariamente a tal que conduz o princípio do favor negotii.
XXVI. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real — nº 2 do artº 104º da Constituição da República Portuguesa, sendo que este princípio de tributação pelo lucro real resulta "do princípio genérico da capacidade contributiva" — nº 1 do art. 4º da Lei Geral Tributária.
XXVII. O nº 1 do artigo 18º do Código do IRC, prescreve que "Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios".
XXVIII. Aquele princípio, juntamente com o princípio da prudência, visa pois o balanceamento entre os proveitos e os custos que deve ocorrer em cada período económico.
XXIX. O legislador dá-nos exemplos de custos, que embora suportados num exercício devem ser repartidos por mais que um já que o seu efeito económico está estritamente ligado à obtenção dos proveitos futuros, como é o caso do nº 4 do artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 2/90 (Regime das amortizações).
XXX. A compensação dos direitos dos trabalhadores, aqui...
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