Acórdão nº 00736/11.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03-11-2023
Data de Julgamento | 03 Novembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 00736/11.0BEPRT |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
RELATÓRIO
«AA» instaurou acção administrativa especial contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE e as Contra interessadas «BB», «CC», «DD», «EE», «FF», «GG», «HH», «II», «JJ» e «KK», todos melhor identificados nos autos, visando impugnar o despacho da autoria do Inspector-Geral das Actividades de Saúde, de 25 de maio de 2010 pelo qual se aplicou à Autora sanção disciplinar de suspensão, graduada em 90 dias, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
A) QUESTÕES PRÉVIAS:
1ª A A., aquando da sua p.i. (com 287 artigos), visando a impugnação do acto administrativo, que lhe aplica a pena disciplinar de suspensão, graduada em 90 dias, suspensa na sua execução pelo período de um ano, não só arrolou prova documental, como também prova testemunhal (12 testemunhas, profissionais de saúde, conhecedores dos factos, em litígio).
2ª Ora, suscitadas que foram, questões de enorme pertinência para a procedência ou sucumbência da acção e alegados factos, cuja prova dependerá do depoimento das testemunhas que arrolou, a sua inquirição reveste-se de primordial importância para a prova a produzir, sendo certo que está em causa uma sanção disciplinar de suspensão, que afecta, sobremaneira, a carreira médica, os direitos e interesses da recorrente, constitucional e legalmente protegidos.
3ª Daí que, a não inquirição daquelas testemunhas, inquine a douta sentença, a qual padece de erro de julgamento, sendo que o Tribunal “a quo” violou o disposto nos art.s 90º, n.s 1 e 2 e 91º, n.s 1 e 2, do CPTA, em vigor à data (Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro e Rectificação N.º 17/2002, de 06 de Abril), o que confere à douta sentença, a nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC, o que aqui, expressamente se argui para os legais efeitos, aplicável “ex vi” do art.º 1º, do CPTA.
4ª Dispõem os supra citados artigos, 90º, n.s 1 e 2 e 91º, n.s 1 e 2, do CPTA, em vigor à data (Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro e Rectificação N.º 17/2002, de 06 de Abril) que nos permitimos transcrever:
“Artigo 90º
Instrução do Processo
1- No caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade.
2- O juiz ou relator pode indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção da prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção da prova.
(...)
Artigo 91º
Discussão da matéria de facto e alegações facultativas
1- Finda a produção de prova, quando tenha lugar, pode o juiz ou relator, sempre que a complexidade da matéria o justifique, ordenar oficiosamente a realização de uma audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto.
2- A audiência pública a que se refere o número anterior pode ter também lugar a requerimento de qualquer das partes, podendo, no entanto, o juiz recusar a sua realização, mediante despacho fundamentado, quando entenda que ela não se justifica por a matéria de facto, documentalmente fixada, não ser controvertida.” (negrito nosso).
5ª Assim é que, o Tribunal “a quo”, apenas podia ter indeferido o pedido de inquirição de testemunhas formulado pela A., ora recorrente e/ou a audiência pública, por despacho devidamente fundamentado, o que se não se verificou “in casu”, importando, por esse facto, nulidade insanável, que aqui se argui para todos os legais efeitos.
6ª Efectivamente e, contrariamente ao aludido no douto despacho de fls. 290, datado de 25/03/2013, onde se diz que “(i) inexistem questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo e (ii) não há matéria de facto controvertida com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos.” (negrito nosso), o que, precisamente, existe e foi alegado na p.i., é “matéria controvertida”, e são factos com relevo para a apreciação da matéria impugnada e daí a violação do Tribunal “a quo”, pelo facto de não ter cumprido o disposto nos aludidos art.s 90º, n. 1 e 2 e 91º, n.s 1 e 2, do CPTA.
7ª Aliás, facilmente se apercebe, face ao teor da p.i., onde são suscitadas diversas questões e alegados múltiplos factos, das duas posições em confronto, porquanto, a defesa, ponto por ponto, contraria os factos em que se estribou a acusação e o subsequente despacho de punição disciplinar aplicada à arguida, petição aquela que termina por dizer ter havido “mera presunção” e “errada análise da prova produzida”.
8ª E diz-se, ainda, que os factos não constituem infracção disciplinar, existindo, por isso, erro quanto aos pressupostos de facto, na decisão recorrida, e violação da lei, pelo que parece-nos, salvo o devido respeito, que para decidir tais questões e tal matéria controvertida, se torna necessária a produção da prova que a arguida arrolou naquela sua pá. e que o Tribunal “a quo”, sem que tenha produzido qualquer despacho fundamentado, da pertinência ou não, quanto à produção da prova testemunhal requerida, omitiu, como omitiu pronunciar-se sobre aquela p.i., passando desde logo, a prolatar a douta sentença, datada de 11 de FEV. 2016, a qual na epígrafe “II”, dos factos provados (com interesse para a decisão da causa) se limita a transcrever o que constitui fls. 341 a 357, “ipsis verbis”, o Relatório final da IGAS, a que faz referência, passando, depois à aplicação do Direito, sem que antes se tenha debruçado e pronunciado sobre a matéria vertida na p.i..
9ª E diz-se a fls.358 (fls. 20/35) da douta sentença, antes da aplicação do Direito:
“Os factos elencados foram dados como provados com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, indicados por referência a cada concreto ponto da matéria”.
10ª Assim é que, o Tribunal “a quo” parte dum pretenso “acordo das partes”, para dar por provada a matéria de facto, e que é inexistente, é evidente que a douta sentença, partindo daquele pressuposto inexistente, comete um erro manifesto de julgamento e como tal, está inquinada do vício de nulidade a que alude o n.º 1, als. c) e d), do art.º 615º, o que aqui, expressamente se argui para os legais efeitos.
11ª Sendo certo que a arguida colocou em crise a prova, em que a Administração se assentou para condenar a arguida, prova que contrariou, frontal e diametralmente, ponto por ponto, alegando factos a provar pelo depoimento das testemunhas que arrolou e que como se disse, o Tribunal “a quo” omitiu, ostensivamente, aquela prova a produzir, o que, dito de outra forma, se dirá, que negou à recorrente, infundamentada e injustificadamente, a produção daquela prova, o que constitui nulidade insanável que aqui expressamente se argui para os legais efeitos.
12ª Dispõe o art.º 4, n.º 1, do Estatuto Disciplinar, aplicável ao tempo, D.L. N.º 24/84, de 16 de Janeiro, que o direito a instaurar procedimento disciplinar prescreve passado 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometido, dizendo-se no n.º 3, do mesmo inciso legal:
“3 - Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.”, o que vale por dizer que os prazos da prescrição da infracção disciplinar são, “in casu”, os estabelecidos para a lei penal e como o crime penal (art.º 382º, do C.Penal) é punido com pena de prisão até 03 anos ou pena de multa (à arguida foi aplicada a pena de multa), o prazo de prescrição é de 05 (cinco) anos, nos termos do disposto no art.º 118º, n.º 1, al. c), do C. Penal.
13ª Considerando, pois, que os ilícitos disciplinares imputados à arguida ocorreram em 2004/2005, já tendo decorrido 11 anos, e sete anos e meio (5 + 2,6 meses), que é o máximo prazo de prescrição, estão, os mesmos, irremediavelmente prescritos, prescrição que aqui expressamente se invoca para os legais efeitos.
14ª E mesmo que se queira contar o prazo da interrupção da prescrição, a que alude o art.º 121º, do C.Penal, sempre a prescrição já teria ocorrido, por força do disposto no n.º 3, do mesmo inciso legal, que diz expressamente:
“3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.” (negrito nosso).
15ª Valendo isto para dizer que tendo ocorrido a suposta infracção em 2004/2005, em 2013, tal prazo de prescrição já tinha ocorrido (prazo prescricional de cinco anos, acrescido de metade, dois anos e meio), sendo que, por força daquela prescrição, já nenhuma pena disciplinar pode ser aplicada à arguida, ora recorrente, devendo, antes, arquivarem-se os autos, tudo com as legais consequências.
ISTO POSTO E
SEM PRESCINDIR
B) DA MATÉRIA DE FACTO:
16ª O Tribunal “a quo”, no âmbito dos presentes autos, pese embora, a sua complexidade, proferiu a seguinte decisão:
“Julgo totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo o réu do pedido.”.
17ª O pedido da A., ora recorrente, é formulado nos seguintes termos:
“TERMOS EM QUE DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, E, EM CONSEQUÊNCIA, ANULAR-SE O ACTO ADMINISTRATIVO CONSUBSTANCIADO NO DOCUMENTO 1 ANEXO, DECRETANDO-SE QUE A AUTORA NÃO PRATICOU QUALQUER INFRACÇÃO DISCIPLINAR, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”
18ª O Tribunal “a quo”, no relatório introdutório da decisão aqui sob recurso, tendo em conta o princípio...
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